Renan
teme chegar atrasado ao trabalho, faz cara de náufrago míope
logo que vê terra firme, seu ônibus parado no ponto, B/J
315, famoso Lapa. Sai correndo até o ponto, quando de repente
lhe corta o caminho, a miserável Berta, que empurra seu
carrinho de supermercado lotado de latinhas e garrafas pets vazias.
Renan bate a canela contra o metal, rasga a calça, e o sangue
mancha de vermelho sua calça azul. A porta do B/J 315 se
fecham com seu barulhinho de
despressurização e o ônibus se vai, deixando na sarjeta Renan, o furioso.
-
Maldita Berta! Sua bruxa fedorenta, me fodi por tua culpa – grita
Renan. A mulher do carrinho de supermercado o olha ameaçadoramente,
com olhos carregados de exóticos segredos. Mostra o
pai-de-todos da sua mão direita, com os demais encolhidos. E
murmura algo incompreensível, dá uma escarrada, limpa
na manga da blusa, e se vai empurrando seu carrinho. Renan se esquece
dela imediatamente e fica ali no ponto, esperando o próximo
B/J 315. À suas costas há um imponente anúncio
de protetor solar, a colossal figura feminina se ajusta no biquíni
com assombrosa despreocupação.
O
tempo passou devagar. Por fim, com passo de tartaruga, um ônibus
se anuncia longinquo. B/J 315. Parece ser. Sim, é um B/J315,
segue sendo até uns metros antes dali; mas o B/J315 se
converte em B/J351 ao se aproximar. O motorista ri ao passar e os que
vão às janelas o olham comiserados. Nenhum olhar tem
mais despeito que os lançados pelos que estão em
ônibus, que não é o que o sujeito que está
no ponto espera. - Juro pordeus que era B/J315 – juro, o motorista
mudou, de última hora! Exclama Renan.
Outros
números, outras combinações de números e
letras, outros dizeres passam diante de seu nariz, fugindo dele, como
se houvessem todos combinados numa pegadinha. Os nomes duvidosos,
alguns sem letreiros, apagados, e logo mudam... sim, sim, sim é
o Lapa, grita Renan e alça a mão. E quando passa é
“puta que pariu”. E até a o próprio ônibus dá
uma gargalhada. Então ouve uma voz suave às suas
costas. “Lenan, tenho a lesposta”. Renan se vira, bem ali ao lado
tem uma pastelaria e na porta um homem vestido de guerreiro de Xian
do Imperador Qin, por motivos provavelmente publicitários, mas
a armadura não é de terracota, sim de plástico.
O falso guerreiro, olha disfarçadamente para o interior da
pastelaria e diz a Renan em tom confidencial: “Agora que o dono
não me olha, falarei normal. Essa mulher que empurra esse
carrinho com latinhas é uma bruxa, indígena, e te
jogou uma praga, eu já vi ela fazer isso outras vezes. Por
isso os ônibus parecem mudar o letreiro, mudar o número.
Pura magia, urbana. Não mata, mas fode, enche o saco.” e
acrescentou, no fundo da pastelaria o chinês vende amuletos
contra essas magias”. - Ah! Vá pro caralho, você
também! Eu não acredito nessas merdas! Responde Renan
meio transtornado... Acho que vou de Metrô, pensou... Ainda
sentindo sua perna latejar pela ferida, Renan desce as escadas da
estação Catedral da linha-1 verde. Quando chega,
desconcertado, está na Estação Pinguim/D.Pedro
linha 2 lápis-lazúli. Então bate o desespero,
Ribeirão não tem Metrô nenhum.... o trem
despressuriza, e Renan vê o sorriso dos lábios de
cabra da condutora...