29 de jan. de 2016

Pontual.

Ele tinha esta clareza, aos encontros marcados, aos lugares que têm hora para começar, se vai ou não. Era o seu lema, sua ética. A frase não tem, como direi, brilho para luzir por ai, mas o identificava com tremenda precisão. Era um homem pontual, de raspão com a obsessão. A remota possibilidade de se atrasar lhe provocava desassossego, em flerte com a angústia. Especialmente na hora de viajar. Tanto fazia a distância. Vivia a três passos do ponto de ônibus, mas saia de casa uma hora antes, em qualquer caso. Óbvio, era sempre o primeiro. Isso lhe permitia o  excêntrico capricho: sentar no primeiro banco, corredor,  ao lado do motorista. Era a sua debilidade. Cada vez que o companheiro de poltrona descia e outro subia, cedia a passagem para a janela, era um preço que estava disposto a pagar, para usufruir da panorâmica, da paisagem, que o lugar oferecia. Na volta, a coisa se complicava. Custa crer, mas esse desejo, mania, era compartilhada com muitos companheiros geracionais. Alguma discussão em tom mais elevado foi vista na estação rodoviária, entre os aspirantes a copiloto do circular. Parece que o pessoal do primeiro e segundo quarto do séc XX tinha a personalidade mais definida. Basta se fixar nas velhas fotografias escolares. Rostos rudes. Não se comparam em nada com as fotos de funcionários felizes da M. Narizes importantes. Olhares para uma escadaria que baixa a um mundo inóspito, de quase miséria. Vida dura, ainda que se houvesse sido menino mimado em casa de boa família.

Baseado no fato de que Salvador Dali exigiu embarcar 48 h antes do navio zarpar para Nova York, na sua primeira ida aos EUA, por ter medo de perder a hora. 

28 de jan. de 2016

A Vida.

A vida.

Para viver há que se abraçar a vida em toda sua esgarçada e fragmentada liquidez, no que tem de boa e má, amar a Dilma e o  câncer, FHC e a Zikai, Aécio e Zé Dirceu. O humor não existe como ornamento escapista, é a hilariante ferida suicida que faz da merluza bacalhau ou sereia, sábio ignorante, Bolsonaro em diamante, o relaxamento que permite mijar na mão do amante. 

27 de jan. de 2016

não carrego a carteira vazia mas transparente

não carrego
a carteira
vazia
mas transparente

Quando ela pensou hoje se atreveria abraçá-lo todo ele era mar

Quando ela pensou
hoje se atreveria
abraçá-lo
todo ele era mar

Entrevista com Mula sem Cabeça, presidenta do Sindicato dos Fantasmas Esquecidos.

Entrevista com Mula sem Cabeça.

Me conte, como tudo começou?
Era amante de padres em pequenas vilas, os padres frequentemente tinham seu muar, para todo o uso, mas de vez em quando saiam comigo (olhar perdido).
Então, nem sempre foi uma mula?
Era uma moça comum e trigueira, até que o pároco levantou a saia, a minha e a dele ( risos), e nos tornamos amantes.
Você levava uma vida normal.
Sim, só que estava proibida de ir à missa. ( emburrada)
Por quê?
Porque algo poderia acontecer e não se sabia o quê.
E você ficou curiosa e a acabou por ir?
Um pouco foi curiosidade, outro tanto foi a paixão. Me apaixonei pelo padre.
Me conte que aconteceu.
Tudo corria fluentemente, o Padre me olhava com medo e cautela, até que quando ele levanta a hóstia, ela desaparece.
A Hóstia desaparece?
Sim! (olhos arregalados)
E desde então Você se transformou na Mula sem Cabeça?
Não foi imediatamente, pois o padre andou a pensar um pouco, não queria me perder, e como ele tinha lá seu muar, por bem eu seria mais uma no meio delas, e o povo não desconfiaria.
Quer dizer que seu encantamento a transforma numa mula normal e corrente?
Sim.
E quando é que você perde a cabeça?
Justamente no ato amoroso. (gargalhada) Como castigo, não esperado, saio a galopar, assombrando e soltando fogo pelo buraco da cabeça. As vezes relincho e as vezes soluço. ( piscando o olho como um gif)
E não há como acabar com o encantamento?
Agora não mais, porque o padre teria que me amaldiçoar sete vezes antes de celebrar a missa, como ele já morreu, já não é possível. ( olhos lacrimejam).
 Por isso que andas triste?
Não, não é por isso não, ( decidida) na verdade ando triste porque ninguém me vê como antigamente.
E por quê?
Foi uma mudança lenta, (professoral) mas tudo começou quando iluminaram as ruas, as casas. Com o passar dos anos tudo está cada vez mais iluminado. E há tanto ruido, barulho de carros, toda gente vai com fones de ouvido, ouve-se música no volume máximo, que por mais que me esforce já não consigo ser vista. Além do que, há muito zumbi andando por ai que espantam mais que eu, tanto quando alguem me vê, vem até mim e se nos fotografa.
Daí que nasceu a ideia do Sindicato?
Sim, fizemos umas reuniões, com os companheiros, ( o próprio Lula) o Fantasma que Arrasta Corrente, Mãe D'água, Mãe da Lua, e muitos outros, somente o Saci Pereré não quis tomar parte.
Por quê?
Ele anda assustando uma cidade perto do vale do Paraíba, (Pelego, não disse mas pensou) e assim vai fumando seu cachimbo.
E qual vai ser a sua luta no Sindicato?
Vamos lutar (Ciro Gomes) contra outros monstros modernos que tomaram nosso lugar.
Você pode me dizer quais são?

A maioria ( cara de coxinha) começa por “I”, IPVA, IPTU, e alguns animais que já têm seu serviço e invadiram nosso espaço, como o Leão do imposto de renda, o Dragão da Inflação,...    

Universal e Eu, ou a Alma Está a Se Reduzir?

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Em algum lugar de Marx, que não posso precisar no mundo não haveria fronteiras, e eu pensei que a ideia era boa e era jovem sem limites  e Bonfim  pequeno, levei meu espirito para passear. Tudo para que a alma crescesse. Como bom bonfinense e por conseguinte brasileiro, carregava comigo o embornal de desconcertos diante das leis, descobri que o mundo tinha mais cercas que os sítios na Estradinha do Cantagalo, cheia de mourões e arames farpados, estas a gente varava por uma manga, já aquelas....

As fronteiras, europeias, eram cruéis, mas descobri que as fronteiras são mais rígidas para uns que para outros. Um amigo, melhor contar isto antes: No trem que ia de Milão a Munique e cruzaria a Suíça havia um batalhão de policiais. Com o comboio ainda na estação veio a verificação dos bilhetes. Logo a trupe dos passaportes, pois esse amigo, um recém formado jornalista, com sua cabeleira negra, seus olhos negros e a tez mourisca, se tornou o preferido deles. Na primeira visita, tomaram meu passaporte, mas olhavam para ele, assim que ao me devolver o passaporte, o policial quase o deixou cair ao colo de um terceiro, estendia o braço alhures mentre se fixava em Ulisses -  não pela viagem, mas por não esquecer jamais sua descendência mineira alojada na rua Marechal Deodoro em Ribeirão -  quanto ao seu passaporte, este foi vasculhado por todas as patentes que no trem estavam lotadas.
 Em algum lugar entre tuneis e sopés de montanhas com picos nevados estava a fronteira suíça e lá o trem parou para a troca da guarda, entravam os suíços, saiam os italianos. E a história se repetiu com com agravantes, uma era a língua, outro, cada guarda dizia olhando nos olhos de nosso Odisseu: Visum Erforderlich. Ân! Trucava o mineiro. Sie benötigen ein Visum für Deutschland. E se iam, mas logo vinha outro, alem do sotaque, e da cor dos uniformes, nada diferente do que havia se passado em La Junquera, na fronteira de Espanha com  França. E assim foi até Munique. Ele voltou para sua Itaca. Eu fui ficando, até que um dia dei umas marretadas no muro de Berlin, com emoções confundidas, e o mundo universalizou, o mercantilismo, as mercadorias, tal como previra o touro mouro, mas para os homens as fronteiras permaneceram e permanecerão em continuo encurtamento dos raios de seus círculos, a ponto de cada um estar completamente cercado para o outro. Tanto que as vezes chego a me sentir como um mourão de canto de cerca, grosso e arrodeado de arame farpado e a alma pequenina, enquanto a vaca vem em mim coçar seu berne. 

Cleptocracia

Cleptocracia!

Regime fundado, e destinado, na espoliação permanente das Administração Pública, para o enriquecimento Pessoal e para garantir a perpetuação no poder de quem supostamente a praticá.