3 de out. de 2014

Nós!

Nós!

Liamos nossa autobiografia,
tudo se passava numa sala
num quarto
a sala dá saída para a rua
ninguém transita
não há barulho
árvores cheias de folhas
carros estacionados
nada se move.
Continuamos a passar as páginas
a espera de alguma coisa,
de misericórdia talvez
uma mudança,
nada nos une
senão uma linha obscura,
também nos separa.
Parece um livro vazio,
o mobiliário já foi novo,
os tapetes estão gastos
justo aonde passam nossas sombras,
a sala é nosso mundo
líamos juntos,
e do lido discutíamos sobre o sofá,
liados,
digamos: o ideal é:
Não botar os pés sobre a mesa de centro!







2 de out. de 2014

Setembro em outubro.



Outubro,
já caminhando por ele,
vejo espalhados pedaços de setembro,
arrastados pelo vento,
vento de agosto.
Na carteira gorda de papéis,
um bilhete de metro que já não me levará a lugar algum.
Um telefone anotado,
conversa que acabou em risadas,
ou promessas,
ali permaneceram como areia no bolso do calção de banho,
que secou estendido na areia de Picinguaba,
por um amor de verão que ninguém mais quer,
a maré cheia encheu de água as pegadas de dedos levantados.
Esse vento agostiano arrastrando: não-me-esqueças, para-sempres,
emaranhados com os ecos de: não-me-lembro,
uma montanha de conchas de ostras chupadas.
Não chegarei a tempo,
não adianta ter pressa,
o barco já partiu,
já é outubro, um rumor de ondas,
relembram tua voz,
teu rosto que já não posso recordar.
Tua pele bronzeada acariciada,
o fosso do castelo de areia,
inundado,
em que habitávamos,

e lá presos caducamos.   

Here come the planes. They're American planes. Made in America. Smoking or non-smoking? L.A.




Outro dia encontrei um amigo a que, apesar de conversas pelas redes sociais, não via havia décadas. Ao lado da alegria do reencontro, a troca de novidades, o repasso do passado e tudo que vem ao caso nestas ocasiões, me reconfortou especialmente comprovar que ainda fumava. Muito dos velhos amigos deixaram de fumar, por uma razão ou outra, mas de fundo é a melhoria da saúde e sua conservação. Ainda que todos sejam permissivos, tenho que andar com cuidados, pois me olham com certa comiseração, se não me chamam a atenção com palavras, o fazem com o olhar, como se se me vissem a andar pela contramão pela Anhanguera.
As vezes tento uns truques, ainda não me propus a deixar o tabaco, como o de não me deixar vencer facilmente pela tentação, e assim prolongar o desejo até que se apresente um momento propício. Um momento ou uma paisagem. Assim, por exemplo, ao final de uma caminhada pelas estradas de terra, ou lá embaixo na beira do córrego, onde há uma casa desabitada, sento-me a beira do riachinho, então pegar um cigarro com todos os cuidados, como cheirar seu fumo, acendê-lo, protegendo o fogo do isqueiro com a palma da mão, saboreando-o de cara para o ouro do poente.

Ou então comprazer meu desejo de fumar desde uma perspectiva exterior, intimamente, lendo um livro. Ou como prêmio por alguma empreitada, como fazia meu avô, ao finalizar uma tarefa, desbrotar duzentos tomateiros, de tal modo que se parece muito a coroamentos,  entrega de medalha,  cerimonial, de algo proveitoso ou deleitável...Laurie Anderson Superman

1 de out. de 2014

Anúncio de uma morte crônica, desavisada.


Penso na vida de Santiago Nasar,
do romance que leio,
ele morrerá. Às facas dos Vicários.
Melhor dizendo, ele já morreu,
mas continuará morrendo até o: Fim.
É tão diferente de mim.
Aqui a lua olha para baixo, de pouco caso,
através das nuvens dispersas,
sobre a cidade que vai dormir.
O vento, arrasta para lá e para cá as folhas da amoreira,
e alguém – quer dizer, eu – afundado na minha poltrona,
com preguiça folheio as folhas que faltam,
não há nada a fazer,
não há 'se' para ele,
nem luz vermelha,
nem arco-íris,
nem Bayardo San Roman.
Nem o bispo,
nem as gaiolas de galinhas guindadas ao bispo,
nem o barco que se arrasta pesado pelo rio lento.
Tudo chegará ao seu fim,
como uma chuva, ou um cheiro de terra molhada pela chuva,
ou a recordação disso tudo, ou cagadas de pássaros num sonho.
Nem uma voz nos faz saber
nem vagamente,
nem sem desesperança,
e chega o final, que também passa.


30 de set. de 2014

Sexo.


A lógica é uma corda com qual acabamos por nos enforcar. Isso é Guimarães Rosa. Apenas superando a lógica se pode pensar com e em justiça, em amor, amizade. Posto que sentimentos, como o amor, são sempre ilógicos. Na direção oposta, cada crime, cada ato de ódio, cada assassinato – em geral são planejados – são cometidos segundo as leis da lógica, como os genocídios, senão vejamos, mesmo na literatura policial impera a lógica dos grandes detetives que os desvendam, mesmo que o único fio dessa corda seja o ódio. Mesmo Casmurro pensou: se isso, logo aquilo e defenestrou sua Capitu. O desencadeamento lógico de Simão Bacamarte o levou a seu auto aprisionamento.
Mesmo um louco tem lógica.
O ato sexual, que poderia tê-lo citado acima, mas preferi isolá-lo, por mera didática, tem seu aspecto lógico, a procriação. Tirante a procriação o sexo não faz sentido lógico. É uma invenção humana, com todos os adereços geniais incorporados ao longo dos séculos. Fico tentando imaginar quando surgiu o ciúme, que é um destes penduricalhos que embelezam a alma corporal do sexo. E desta rarefação da lógica em determinados comportamentos humanos, nem o direito escapou. Senão o crime por paixão não seria aceito até recentemente na França. A paixão era um álibi.
Desse modo não há argumentos lógicos para algo como o sexo e o amor, se não pertencem ao mesmo campo, seja o campo da racionalidade, da lógica.
Nada mais cruel que o distanciamento incorruptível, para falar da vida, que em nada tem sentido lógico, senão que em alguns e meros pedaços bioquímicos.
Aguados, ausentes do caos sentimental humano, os sumos sacerdotes, sumos pontífices do distanciamento lógico, saem a toda voz, com seus silogismos, a deitar por terra religiões e ideologias humanas, puríssimas invenções humanas, sacras!

Entretanto, sempre fazem suas análises demolidoras, a enunciar novos mandamentos. São admiráveis, mas não encantam! E a cobra não sobe.  

Eva era Africana e Negra.




Como cada dia temos episódios de racismo e outros despreparos, vou dizer umas coisas para ilustrar a tua mente, ampliar teus conhecimentos e por que não, fazer pensar. Digo que Eva era negra e africana e que os brancos são negros descoloridos pela perda de melanina, que os séculos e a necessidade de captar o sol em endereços onde ele aparecia pouco, durante milhares de anos.
Se você faltou da aula, te explico: tudo está guardado nas mitocôndrias.
As mitocôndrias são estruturas diminutas, que ficam dentro das células para nos ajudar a gerar energia. Os cromossomos são herança do pai e da mãe, já as mitocôndrias são uma fotocópia do que havia no óvulo materno e se transmite de mãe para filha. Quer dizer, se rebobinarmos esta fita da história para retroceder na viagem das mitocôndrias chegaremos à conclusão que todas as pistas conduzem à primeira matriz na África, e portanto os primeiros seres humanos evoluíram a partir da Etiópia, Quênia e Tanzânia.

Lá viveu ha 150.000 anos a mulher da qual descendemos 7 bilhões de pessoas. Graças às mitocôndrias, sabemos que 70 mil anos depois daquela Eva, os humanos se espalharam pelo mundo e adaptaram seus fenótipos às necessidades da nova casa, natureza, variando cor da pele, cabelos, olhos, narizes, sem entretanto, mudar o sangue, que é o mesmo daquela senhora africana.
Digo tudo isso, porque só é possível uma pessoa ser racista se ela faltou nas aulas de biologia sobre as mitocôndrias e outras de bioquímica. Como não sei, vai se saber, afinal pode ser que só faltasse esta ilustração. Assim Lucy é tataravó de Eva.



29 de set. de 2014

Corporeamente, Virtual

Corporeamente, Virtual

A raposa – google – me avisou que uso senha muito simples, melhor trocar.

 Muitas críticas são feitas ao monopólio virtual que desafia nossas leis de pijama de riscas. Já não sei 

quem sou. 

Eles sabem tudo de mim, coisas que já havia me esquecido, cada vez sou mais virtual, ainda que 

mantenha complexa massa corpórea. Participo da virtualidade amavelmente, assento, mas começa a 

ser obrigatório, não posso tomar certas atitudes, senão que virtualmente.

Não há nada a fazer, tentei criar uma nova personalidade, não consegui, meu IP é meu RG, o futuro 

agravará essa coisa. 

Berro pelo apego, e estranhamente os deixo dominar-me, controlar-me, influenciar-me. Deve ser 

porque não vivo sem ser gregário, preciso ser reconhecido, tanto na virtualidade quanto na realidade 

corpórea. 

Mudei minha senha para 1984#bigB

Estranhamente, com todas essas intromissões, meu eu virtual, cada vez mais é anquilosado...

....... mudar...