13 de nov. de 2012

Já ouço: O Natal.


 Já ouço: O Natal.





Não me lembro de como adivinhava, divisava o 

natal. Quando me dava conta tinha que por os 

sapatos em algum lugar, o sono me vencia, 

acordava e o papai Noel havia botado o 

presente onde tinha que ser. Ao pé da cama.


De uns tempos para cá o natal começa com o 

lançamento do novo álbum do Rei Roberto 

Carlos. Nunca dei a mínima ao Roberto. Gostei 

de alguma canção, mas gostei também das do 

Wanderlei Cardoso. Na verdade gostava do que 

tocava no rádio. Paulo Sérgio. Estou fugindo 

do assunto. O fato é que quando a música de 

trabalho do Rei toca, e toca por toda parte, 

os perus começam a se embriagar, ou como a 

maioria dos perus tem cara de bebum, e bebum 

alcoólatra não vê outra saida senão que, virar 

crente e acreditar em deus tão febrilmente 

quanto bebia, e abstinente seu último desejo é 

tomar um golo, e morrer borracho. Nessa altura 

não creem que o Cara é o cara. É cedo. Mas 

cada dia é Natal mais cedo. As lampadazinhas 

já estão amontoadas nas lojas de 

quinquilharias chinesas. Os panetones fazem 

picos, a ponto de receberem neves eternas nos 

seus tão altos cumes. O panetone vai pouco a 

pouco se transformando em um brownie, com 

cheirinho de rum. Não existe nada mais falso 

que o cheiro de rum dos panetones. Fico 

pensando, como fazíamos para detectar a 

chegada do Natal. O Secos e Molhados não 

avisava, acho que era o seu Nélson que vinha 

oferecer leitoa.













E eras assim... Desejo!




O desejo é o que se tem. E quando se tem, o desejo 

já não deseja o que se tem, mas ainda deseja, na 

verdade o mesmo desejo que se objetiva, se 

materializa, e não sacia mais o sempre mesmo, e ao 

mesmo tempo outro, desejo, que segue desejando. 

Este ciclo pode, por vezes ser rompido, por ocasião 

da mera possibilidade ou da perda em si. A perda é o 

revigorante, ressuscitante das qualidades que se 

rarefizeram do objeto constituído em posse sempre 

partindo-se da subjetividade do desejo. Tudo porque 

a necessidade não existe. É um mero estado de 

decaimento do desejo, como artimanha para a sua 

concretude. Como a necessidade é um estado de 

instabilidade e de alta energia, nenhum humano 

suportaria viver em estado de necessidade, nem a 

mais simples delas, ou uma escatologia seria 

suportável, se não fossem estados transitórios, de 

decaimento. No entanto o desejo é perene, que por 

vezes se humaniza e busca na mundanidade algo, que 

possa enganar a sua sempiterna fome que é desejar. 














12 de nov. de 2012

Avaliação Escolar. Além do senso comum. Tentativa de

imagem do blog http://debora-marques-pedagogia.blogspot.com.br/p/volume-ii.html
anotações da aula do prof. Nilson José Machado.

Avaliação Escolar. Além do senso comum. Tentativa de.



Você notará rapidamente que há mais perguntas que respostas. 

Qual o significado da avaliação.
Oscila entre: Avaliação como Medida E Avaliação como Valor?
Desde o SAEB 1990 se tornou um furor

Em que medida a avaliação é medida? E em que medida não é uma medida, uma vez que deve ser mais que quantidade mensurável.

O que avaliar? Se um professor de matemática, avalia matemática, diante de uma prova não encontra acertos, o que significa zero? Se sabemos que detrás das equações não resolvidas há uma pessoa, o que significa uma pessoa zero?

Avaliar conteúdo ou avaliar competência? Esta discussão começou na França, no Brasil começa em 1998!
Mas, não é um dilema.
Avaliação e planejamento andam juntos. Avaliação e Planejamento são os dois lados da mesma coisa. Ao mesmo tempo planejamento implica em projeto. Há que avaliar cada etapa. Porque sem realizar as etapas intermediárias de um projeto não se pode ir em frente.

Se o foco é nas pessoas! Como avaliar? Qual o âmbito? Reduzir uma pessoa a única dimensão – uma nota – , é a maior violência que se pode praticar contra ela. No entanto a avaliação é exigida!
Mas é preciso um espectro de instrumentos avaliativos.
Nem a prova mais maravilhosa do mundo, como instrumento, pode avaliar uma pessoa.
No entanto estamos sendo avaliados.
Quem está nos avaliando? Intra escolar e extra escolar? De onde vem a legitimidade de uma avaliação externa? Avaliar o quê? Respeito à diversidade! O que me propus a fazer? E o que faço! Se isso, muito que bem, e se não? O que dizer do que vem padronizar nossas atitudes, nivelar, e dizer o que devo fazer?

Significado da Avaliação.

É frequente, desde 1904. Via testes de inteligencia de Alfred Binet.
A insistência na Medida de Inteligência de Conhecimento.
Mas para Medir: é necessário uma grandeza e um padrão! Altura se mede com a grandeza, por exemplo, metros, e o metro é um padrão.
O conhecimento é uma grandeza? Não, o conhecimento é um tecido de significados. Quem tem mais conhecimento Aristóteles ou um cientista moderno? Se aquele pensava em categorias, cenários, e sabia de tudo. O cenário de hoje completamente diferente, é a especialização e sabe-se muito de quase nada.
Não se aprende acumulando. O processo de aprendizagem não é de mera acumulação, há que se esquecer de certos conceitos, inclusive, a medida que se avança.
Mesmo se, se acorda na grandeza a ser usada, a pergunta é: qual é o padrão?
Exemplo: se uma prova de português é divida em gramática 4 pontos e redação 6 pontos!
Soma-se as duas? Mas são coisas diferentes? É o mesmo que somar massa em kg com altura em metros. O que pode-se dizer é que 'É normal', mas acaba nesse momento com qualquer padrão.

Por exemplo, se numa prova, somente uma das questões vale 2, por dificultosa. Um aluno pode tirar 7 e acertá-la. Outro tem nota 8 e não a acertou. Qual o melhor aluno? Impossível saber, porque o padrão foi rompido com a questão diferenciada. Mas é normal, por impossibilidade, de padronização. Não há medida. Mas se mede.

Atualmente se pensa em teorias da medida: Teoria da Resposta ao Item. TRI. Como no ENEM. Há três parâmetros que definem uma questão: 1 Acerto casual. 2 Grau de dificuldade. 3 Cada questão é uma fórmula, um índice de discriminação. É uma medida, Sofisticada, com os pés de barro. Porque nenhum instrumento é capaz de determinar, mostrar sobre uma pessoa, dizer o que ela é.

Se a avaliação não se basta na medida, como avaliar?
Julgar valor!
Uma solução é pelo Indício.

IDH é puro indício. É um pormenor que indica o “pormaior”. algo relevante. É indício. Ninguém em sã consciência pensará que um pais que tenha IDH o dobro de outro, que aquele terá a vida duas vezes melhor que este.

Outra possibilidade.
Carlo Ginzburg.

Mitos, emblemas e sinais.
Utilizando-se de Freud, Sherlock Holmes, o critico de arte Morelli, Carlo Ginzburg o método do saber pelo indício. O Pormenor Revelador. Tudo aquilo que normalmente o 'avaliador' julga; ah é muito 'subjetivo'!
Historiciza pelo indício, coisas sutis, reveladoras de grandes coisas.
Classificador de obras de arte distingue o Original da Cópia, do Plágio. O plagiador se perde no pormenor. MichelAngelo, uma de suas maestrias era pintar o lóbulo da orelha.
Psicanalista. Freud. Não dirá ao paciente: Me diga objetivamente o seu problema. Porque se ele disser ele não tem problema. Abordará de modo sutil.
Sherlock Holmes. Tira conclusões a partir de coisas sutis. Atenção ao pormenor. 

Rodin em Salvador novembro 2009.

estava por ali e filmei esta filmagem. 
era o anúncio da exposição de Rodin em Salvador.

9 de nov. de 2012

Popatapataio,


TERÇA-FEIRA, OUTUBRO 17, 2006

1. Popatapataio,






Me digo Luis Antonio Benarmê. O epitáfio daquele que pergunta: quem sou eu? É: “O porfazer é a dentuça engrenagem do tempo e tomar decisões levará a um dia tecer juízos, e ninguém merece mesmo mais que esse meu lote inglês”.
É-me desconcertante minha idiotice diante da vida. Vivo em meio a um conjunto infinito de equações, com seu duplo de incógnitas e cada equação é dependente d’outra e essa dependência sempiterna sujeita a outra e assim sucessivamente. E quanto mais às estudo menos sei o quê da equação. Talvez não seja um quê. Um velho espanhol um dia fez-me a seguinte questão: tenho 100 reais. Quero comprar 100 cabeças de gado que sejam novilhos a 50 centavos, vacas a 5 reais e bois a 10 reais. Naquele momento sabia o quê e sabia resolver equações do primeiro grau. “É fácil abuelo” disse-lhe. Não resolvi. Sai-me qual um Laplace idiota. E até hoje não consigo demonstrar a resposta. Quando estou perto, a tartaruga anda uma fração de espaço, um por dez a sexta. Suspeito que não saiba sequer a resposta que o galego me mostrou, sem ma explicar. Tento amiúde muitos caminhos.
Contarei, a historia de um viajante, tão idiota quanto eu, entre o fim de uma manhã e começo de uma noite de verão, ele encharcado de álcool e lama. Um que num relance foi canibal. Comeu a eminência hipotênar de uma fábia catalã. Julgado criminoso, cumpriu grande parte da pena. Ou toda. Do cárcere, que não reconstituiu a eminência hipotênar, tampouco apagou da sua mente aquele episódio. Foi sacado, como louco,( um advogado julgou sábio este fazer) para ser internado num manicômio. Não sei se ele (o manicômio) se abriu. Se dele ele saiu. Se nele (manicômio) o mundo entrou. Por fim escrevo essa tolice, assim começada por esse breve anacronismo, verdadeiro e que se verifique. Se algo houver em discussão e se tanto permear, será sim a liberdade, não o livre arbítrio.
Luis da Silva Neto viveu, bebeu, comeu, tudo e tal, livre.
Zénão depois de ler os fragmentos do manuscrito, que me servem de norte, disse haver neles menos que uma historia, sim o tal anacronismo, senão nem mesmo um viver. Resolvi então contá-lo. Que sê menos que um livro. Tal será, como antes dito, composto a partir de fragmentos de uns manuscritos recolhidos. Uma parte significativa no dia 18 de fevereiro do ano 2002, no Deck bar em Sousas. Outra parte num bar dito <>, de uma pequena cidade do norte de uma província de Espanha. O dono do bar, Manell Florenci i Pirò, disse ter guardado tais manuscritos como forma de pagamento, que teria então sido efetuado por um comensal despojado de valores monetários naquele antanho e sacado que foi do bar por uma dupla de policiais. O valor; equivalente ao consumo rezado por Manell como o efetuado por seu fazedor, seja; é de dez cervejas Voll Dann, duas tapas de tigres raivosos e uma de sementes de girassol.
Manell assegurou da existência deste exemplar como única. Porém nada impede que certos costumes que transformam singularidade em pluralidade tenham de fato ocorrido e o dono do bar já não mais venda cervejas e tigres com mais ou menos pimenta, e sim sementes de livros que é no que transformo aquele original manuscrito.
Nada impedirá que você, ao se deparar com este não venha proceder de igual forma. Se assim o fizer, estaremos a escrever o livro infinito.
Não pague, portanto caro por ele, talvez não valha mesmo mais que uma conta pendurada num boteco como El Racó Medieval, de qualquer cidade pequena ou grande, hospitaleira ou insólita como Guimerá.
O transporte da cena para Sousas não é laborioso dado a similitudes várias dessas prosaicas cidades. Você se aperceberá das duplicidades implícitas excetuando urgências geográficas, se bem que um vulcão sempre poderá ser isômero de uma cratera. Não se olhe, portanto, no espelho com tanta gravidade, ele duplica e o que duplica torna-se promiscuo e mentiroso, tal é a conseqüência de um em outro e que isso por fim também se verifique. Você poderia inferir facilmente então que a historia tal, é uma irremediável invenção e que você ao executar o que vos insinuo, tornaria então a coisa promiscua, mas a defesa se faz co’a ausência do manuscrito, destruído antes da duplicação, assim evitando a promiscuidade e evidentemente isso não se verifica. Mas se você pensa transformar esse no seu manuscrito, deve primeiro destruí-lo. Antes talvez melhor lê-lo, que é o mesmo que destruir. Põe-se com urgência, que ler é aumentar a própria ignorância.

8 de nov. de 2012

NEGRINHA - texto integral - Monteiro Lobato.



NEGRINHA

Monteiro Lobato

Negrinha era uma pobre órfã de sete anos. Preta?? Não. Fusca, mulatinha escura, de cabelos
ruços e olhos assustados.
Nascera na senzala, de mãe escrava, e seus primeiros anos de vida, vivera-os pelos cantos escuros
da cozinha, sobre farrapos de esteira e panos imundos. Sempre escondida, que a patroa não gostava
de crianças.
Excelente senhora, a patroa. Gorda, rica, dona do mundo, amimada pelos padres, com lugar
certo na igreja e camarote de luxo no céu. Entaladas as banhas no trono uma cadeira de balanço na sala
de jantar, — ali bordava, recebendo as amigas e o vigário, dando audiências, discutindo o tempo. Uma
virtuosa senhora, em suma — “dama de grandes virtudes apostólicas, esteio da religião e da moral”,
dizia o padre.
Ótima, a D. Inácia.
Mas não admitia choro de criança. Ai! Punha-lhe os nervos em carne viva. Viúva sem filhos,
não a calejara o choro da sua carne, e por isso não suportava o choro da carne escrava. Assim, mal vagia,
longe na cozinha, a triste criança, gritava logo, nervosa:
Quem é a peste que está chorando aí?
Quem havia de ser? A pia de lavar pratos?? O pilão?? A mãe da criminosa abafava a boquinha
da filha e corria com ela para os fundos do quintal, torcendo-lhe em caminho beliscões desesperados:
Cale a boca, peste do diabo!!
No entanto, aquele choro nunca vinha sem razão. Fome quase sempre, ou frio, desses que
entanguem pés e mãos e fazem-nos doer...
Assim cresceu Negrinha — magra, atrofiada, com olhos eternamente assustados. Órfã aos
quatro anos, ficou por ali, feita gato sem dono, levada a pontapés. Não compreendia a idéia dos grandes.
Batiam-lhe sempre, por ação ou omissão. A mesma coisa, o mesmo ato, a mesma palavra provocava
ora risadas, ora castigos. Aprendeu a andar, mas não andava, quase. Com pretexto de que, às
soltas, reinaria no quintal, estragando as plantas, a boa senhora punha-a na sala, ao pé de si, num
desvão de porta.
Sentadinha aí, e bico!! Hem??
Negrinha imobilizava-se no canto, horas e horas. — Braços cruzados, já, diabo!!
Cruzava os bracinhos, a tremer, sempre com o susto nos olhos. E o tempo corria. O relógio batia
uma, duas, três, quatro, cinco horas — um cuco tão engraçadinho! Era seu divertimento vê-lo abrir
a janela e cantar as horas com a bocarra vermelha, arrufando as asas. Sorria-se, então, feliz um momento.
Puseram-na depois a fazer crochê, e as horas se lhe iam a espichar trancinhas sem fim.
Que idéia faria de si essa criança, que nunca ouvira uma palavra de carinho? Pestinha, diabo,
coruja, barata descascada, bruxa, pata choca, pinto gorado, mosca morta, sujeira, bisca, trapo, cachorrinha,
coisa ruim, lixo — não tinha conta o número de apelidos com que a mimoseavam. Tempo houve
em que foi — bubônica. A epidemia andava à berra, como novidade, e Negrinha viu-se logo apelidada
assim — por sinal, achou linda a palavra. Perceberam-no e suprimiram-na da lista. Estava escrito que
não teria um gostinho só na vida, nem esse de personalizar a peste...
O corpo de Negrinha era tatuado de sinais roxos, cicatrizes, vergões. Batiam nele os da casa,
todos os dias, houvesse ou não motivo. A sua pobre carne exercia para os cascudos, cocres e beliscões
a mesma atração que o ímã exerce para o aço.
Mão em cujos nós de dedos comichasse um cocre, era mão que se descarregaria dos fluidos
em sua cabeça, de passagem. Coisa de rir, e ver a careta...
A excelente D. Inácia era mestra na arte de judiar de crianças. Vinha da escravidão, fora senhora
de escravos e daquelas ferozes, amigas de ouvir contar o bolo e estalar o bacalhau.

Nunca se afizera ao regímen novo — essa indecência de negro igual a branco; e qualquer coisinha, a polícia!!
Qualquer coisinha”; uma mucama assada ao forno, porque se engraçou dela o senhor; uma novena de
relho, porque disse: — “Como é ruim, a sinhá!”....
O 13 de maio tirou-lhe das mãos o azorrague, mas não lhe tirou da alma a gana. Conservava,
pois, Negrinha em casa como remédio para os frenesis. Simples derivativo.
Ai! Como alivia a gente uma boa roda de cocres bem fincados!...
Tinha de contentar-se com isso, judiaria miúda, os níqueis da crueldade: cocres, mão fechada
com raiva e nós de dedos que cantam no coco do paciente. Puxões de orelha: o torcido, de despegar a
concha (bom! bom! bom! gostoso de dar!) e o a duas mãos, o sacudido. A gama dos beliscões: do miudinho,
com a ponta da unha, a torcida do umbigo, equivalente ao puxão de orelha. A esfregadela: roda
de tapas, cascudos, pontapés e safanões à uma — divertidíssimo! A vara de marmelo, flexível, cortante:
para doer fino, nada melhor.
Era pouco, mas antes isso do que nada. Lá de quando em quando vinha um castigo maior para
desobstruir o fígado e matar saudades do bom tempo. Foi assim com aquela história do ovo quente.
Não sabem?? Ora! Uma criada nova furtara do prato de Negrinha — coisa de rir — um pedacinho
de carne que ela guardava para o fim. A criança não sofreou a revolta e atirou-lhe um dos nomes
com que a mimoseavam, todos os dias.
— “Peste”?? Espere aí!! Você vai ver quem é peste. E foi contar o caso à patroa.
D. Inácia estava azeda, e necessitadíssima de derivativo. Sua cara iluminou-se.
Eu curo ela! disse, desentalando as banhas do trono e indo para a cozinha, qual uma perua
choca, a rufar as saias. — Traga um ovo!!
Veio o ovo. D. Inácia mesma pô-lo na chaleira de água a ferver e, de mãos à cinta, gozando-se
na prelibação da tortura, ficou de pé uns minutos, à espera. Seus olhos contentes envolviam a mísera
criança que, encolhidinha a um canto, trêmula, olhar esgazeado, aguardava alguma coisa de nunca visto.
Quando o ovo chegou a ponto, a boa senhora exclamou:
Venha cá!! Negrinha aproximou-se. — Abra a boca!!
Negrinha abriu a boca, como o cuco, e fechou os olhos. A patroa então, com uma colher, tirou
da água “pulando” o ovo e zás! na boca da pequena. E antes que o urro de dor saísse, prática que era
D. Inácia nesse castigo, suas mãos amordaçaram-na até que o ovo arrefecesse. Negrinha urrou surdamente,
pelo nariz. Esperneou. Mas só. Nem os vizinhos chegaram a perceber aquilo. Depois:
Diga nomes feios aos mais velhos outra vez!! Ouviu, peste??
E voltou contente da vida para o trono, a virtuosa dama, a fim de receber o vigário que chegava.
Ah! Monsenhor! Não se pode ser boa nesta vida... Estou criando aquela pobre órfã, filha de
Cesária; mas que trabalheira me dá!
A caridade é a mais bela das virtudes! exclamou o padre.
Sim, mas cansa...
Quem dá aos pobres, empresta a Deus! A virtuosa senhora suspirou piedosamente: — Inda
é o que vale...
Certo dezembro vieram passar as férias com “Santa” Inácia duas sobrinhas suas, pequenotas,
lindas meninas louras, ricas, nascidas e criadas em ninho de plumas.
Negrinha, do seu canto, na sala do trono, viu-as irromperem pela casa adentro como dois anjos
do céu, alegres, pulando e rindo numa vivacidade de cachorrinhos novos. Negrinha olhou imediatamente
para a senhora, certa de vê-la armada para desferir sobre os anjos invasores o raio dum castigo
tremendo.
Mas abriu a boca: a sinhá ria-se também... Quê? Pois não era um crime brincar?? Estaria tudo
mudado e findo o seu inferno — e aberto o céu??!
No enlevo da doce ilusão, Negrinha levantou-se e veio para a festa infantil, fascinada pela alegria
dos anjos.
3
Mas logo a dura lição da desigualdade humana chicoteou sua alma. Beliscão no umbigo e nos
ouvidos o som cruel de todos os dias:
Já, para o seu lugar, pestinha!! Não se enxerga?? Com lágrimas dolorosas, menos de dor
física que de angústia moral — sofrimento novo que se vinha somar aos já conhecidos, a triste criança
encorujou-se no cantinho de sempre.
Quem é, titia? perguntou uma das meninas, curiosa. — Quem há de ser?! disse a tia num
suspiro de vítima. — Uma caridade minha. Não me corrijo, vivo criando essas pobres de Deus.. Uma
órfã... Mas, brinquem, filhinhas!! A casa é grande. Brinquem por aí a fora!!
Brinquem!!” Brincar! Como seria bom brincar! refletiu com suas lágrimas, no canto, a dolorosa
martirzinha, que até ali só brincara em imaginação com o cuco!
Chegaram as malas; e logo:
Meus brinquedos!! reclamaram as duas meninas. Uma criada abriu-as e tirou-os fora.
Que maravilha! Um cavalo de rodas!... Negrinha arregalava os olhos. Nunca imaginara coisa
assim, tão galante. Um cavalinho! E mais... Que é aquilo? Uma criancinha de cabelos amarelos... que
fala “papá”... que dorme...
Era de êxtase, o olhar de Negrinha. Nunca vira uma boneca e nem sequer sabia o nome desse
brinquedo. Mas compreendeu que era uma criança artificial.
- É feita??... perguntou extasiada.
E, dominada pelo enlevo, um momento em que a senhora saiu da sala a providenciar sobre a
arrumação das meninas, Negrinha esqueceu o beliscão, o ovo quente, tudo, e aproximou-se da criaturinha
de louça. Olhou-a com assombro e encanto, sem jeito sem ânimo de pegá-la.
As meninas admiraram-se daquilo. — Nunca viu boneca??
Boneca?? repetiu Negrinha. — Chama-se Boneca?? Riram-se as fidalgas de tanta ingenuidade.
Como é boba! disseram. — E você, como se chama?
Negrinha.
As meninas, novamente, torceram-se de riso; mas vendo que o êxtase da bobinha perdurava,
disseram, estendendo-lhe a boneca:
Pegue!!
Negrinha olhou para os lados, ressabiada, com o coração aos pinotes. Que aventura, santo
Deus! Seria possível?? Depois, pegou a boneca. E muito sem jeito, como quem pega o Senhor
Menino, sorria para ela e para as meninas, com relances de olhos assustados para a porta. Fora de si,
literalmente... Era como se penetrara o céu e os anjos a rodeassem, e um filhinho de anjo lhe viesse
adormecer ao colo. Tamanho foi o enlevo que não viu chegar a patroa, já de volta. D. Inácia entreparou,
feroz, e esteve uns instantes assim, imóvel, presenciando a cena.
Mas era tal a alegria das sobrinhas ante a surpresa estática de Negrinha, e tão grande a força
irradiante da felicidade desta, que o seu duro coração afinal bambeou. E pela primeira vez na vida
soube ser mulher. Apiedou-se.
Ao percebê-la na sala, Negrinha tremera, passando-lhe num relance pela cabeça a imagem do
ovo quente, e hipóteses de castigos piores ainda. E incoercíveis lágrimas de pavor assomaram-lhe aos
olhos.
Falhou tudo isso, porém. O que sobreveio foi a coisa mais inesperada do mundo: estas palavras,
as primeiras que ouviu, doces, na vida:
Vão todas brincar no jardim!! e vá você também!! mas veja lá!! Hem??
Negrinha ergueu os olhos para a patroa, olhos ainda de susto e terror. Mas não viu nela a fera
antiga. Compreendeu e sorriu-se.
Se a gratidão sorriu na vida, alguma vez, foi naquela surrada carinha...
Varia a pele, a condição, mas a alma da criança é a mesma — na princesinha e na mendiga. E
para ambas é a boneca o supremo enlevo. Dá a natureza dois momentos divinos à vida da mulher: o
momento da boneca — preparatório, e momento dos filhos, — definitivo. Depois disso está extinta a
mulher.
Negrinha, coisa humana, percebeu nesse dia da boneca que tinha alma.
Divina eclosão! Surpresa maravilhosa do mundo que ela trazia em si, e que desabrochava, afinal,
como fulgurante flor de luz. Sentiu-se elevada à altura de ser humano. Cessara de ser coisa e de
ora avante lhe seria impossível viver a vida de coisa. Se não era coisa! Se sentia! Se vibrava!...
Assim foi, e essa consciência a matou.
Terminadas as férias, partiram as meninas levando consigo a boneca, e a casa reentrou no ramerrão
habitual. Só não voltou a si Negrinha. Sentia-se outra, inteiramente transformada.
D. Inácia, pensativa, já a não atenazava tanto, e na cozinha uma criada nova, boa de coração,
amenizava-lhe a vida. Negrinha, não obstante, caíra numa tristeza infinita.
Mal comia e perdera a expressão de susto que tinha nos olhos. Trazia-os agora nostálgicos,
cismarentos.
Aquele dezembro de férias, luminosa rajada de céu trevas adentro de seu doloroso inferno,
envenenara-a. Brincara ao sol, no jardim. Brincara!...
Acalentara dias seguidos, a linda boneca loura, tão boa, tão quieta, a dizer papá e a cerrar os
olhos para dormir. Vivera realizando sonhos da imaginação. Desabrochara-se de alma.
A repentina retirada de tudo isso fora forte demais para a débil resistência de uma alma, com
um mês de vida apenas. Enfraqueceu, definhou, como roída de invisível doença consuntora. E uma
febre veio e a levou.
Morreu na esteirinha rota, abandonada de todos, como um gato sem dono. Ninguém, entretanto,
morreu jamais com maior beleza. O delírio rodeou-se de bonecas, todas louras, de olhos azuis. E de
anjos... E bonecas e anjos rodamoinhavam em torno dela, numa farândola do céu. Sentia-se agarrada
por aquelas mãozinhas de louça, abraçada, rodopiada.
Veio a tontura, e uma névoa envolveu tudo. E tudo regirou em seguida, confusamente, num
disco. Ressoaram vozes apagadas, longe, e o cuco pela última vez lhe apareceu, de boca aberta.
Mas, imóvel, sem rufar as asas.
Foi-se apagando. O vermelho da goela desmaiou... E tudo se esvaiu em trevas.
Depois, vala comum. A terra papou com indiferença sua carnezinha de terceira — uma miséria,
quinze quilos mal pesados...
E de Negrinha ficaram no mundo apenas duas impressões. Uma cômica, na memória das
meninas ricas:
Lembras-te daquela bobinha da titia, que nunca vira boneca??
Outra de saudade, no nó dos dedos de D. Inácia: — Como era boa para um cocre!...
Monteiro Lobato – 1927




Negrinha, tese para uma analise critica.

O texto é árido, por monotônico, e monótono, por desértico, a tal ponto e modo que cansa em suas quatro páginas. Causa o primeiro estranhamento ao deixar a impressão, desde as primeiras linhas, que a personagem principal não ficava de pé. Como se tratasse de um animal, um réptil, tombado sobre algo podre, sendo ele mesmo podre. Estranha-se o fato de o conto se ambientar em casa de senhora rica,  o que proíbe a verossimilhança intratextual requerida; qui o texto fura, faz água, porque uma casa rica cheia de trapos imundos onde se pousa o invertebrado, ser sem alma, não é verossimilhante! principalmente o trapo imundo!
Negrinha, como não ficava sobre as pernas, desde os começos, o movimento, ou tal imaginação está interdita, está interdito também perceber, no texto, se esse ser\bicho se locomove. Como se traslada?? por mágica?? magia??
 - ah a pontapés!
Movimenta-se desde a escura cozinha até o canto da sala. Sem alma e sem movimentos próprios, ainda que o narrador tenha permitido ao cuco, ao menos o movimento, de hora em hora. Assim Negrinha não apresenta qualquer ato que a assemelhe aos  animais, domésticos ou selvagens, ausente a rebeldia, aparente ou interior, pois sua presença seria sinal de vida, mas nem sequer  há interior.
Sendo personagem principal, fala muito pouco, entretanto fala muitíssimo menos que personagens fugazes como as visitas de novembro, mas estas nas poucas linhas que as descrevem, angelicais, nos permitem saber de suas sensibilidades. A própria mãe esquece do afago, do carinho e castiga. Negrinha não é nem um verme.
Me parece leviano dizer: a esperança transmitida é a de que: a questão social estaria resolvida com o desaparecimento dos negros, definhando os seus filhos.
A personagem sem alma e sem movimentos, que se descobre gente e se anima ao se deparar com o inanimado, uma boneca. Mas, estranhamente a descoberta da própria alma não transporta a personagem a compartilhar o mundo dos vivos, ainda que maus estes e mal o mundo, porque a única opção permitida é a morte, incrível, lenta, por definhamento. Não há sequer a grandeza de um enforcamento, coisa de pobres, ou envenenamento, suicídio de médios etc.
Novamente, pergunto se seria opção de Negrinha, incapacitada de abrigar a alma, sabe-se lá o porquê, preferir a morte lenta.
É incrível que Negrinha – com seus sete anos de idade – não tivesse alma até se deparar com a boneca. Que estranha e rara fenomenologia, já que estranhamente, dentro do texto, a simples visão do cuco fazia sua alegria, entretanto quando animada pelo toque ao inanimado, o que seria motivo suficiente para  enfrentar a empreitada da vida, porque a vida vale a pena, apesar...
É o que deveria ser uma mensagem positiva frente as maldades da escravidão que acabara, e o racismo nascente, nascendo disfarçado, apesar do sofrimento, a vida vale a pena. Ou, estou louco e deveria dizer: dado os maus-tratos do mundo me deixo morrer!
 Digamos que  o conto Negrinha não oferece nada mais que isso: não há saída ao racismo senão que pela morte, vide Negrinha.
Voltemos a literatura, a economia, ausência de descrição de aspectos físicos, alem da pretura, inexistência de aspectos psicológicos, deixa no ar mais esta pergunta: Negrinha é um objeto mínimo ?? e uma resposta: Sim, o quanto basta a se poder lançar toda a sorte de impropérios, porque não ficou achincalhe encalhado em dicionário a espera de vestir alguém, todos foram usados. Não houve maldades que se possa fazer que não foram descritas, economias mesmo somente com os quinze quilos de carne preta, fusca, ruça ou...

Negrinha era uma pobre órfã de sete anos. Preta?? Não. Fusca, mulatinha escura, de cabelos
ruços e olhos assustados”
Aqui se pode usufruir de um estilo, truque narrativo, que pretende mostrar a vaguidade em que andava o narrador, e assim deixar transparecer, que a narrativa flui naturalmente, como se não fosse premeditada, como se o narrador não tivesse claro, objeto e objetivo, no momento de tecer, e com espanto se desse conta da necessidade de pintar o quadro.
 J. L. Borges dizia  prestar muita atenção na abertura das obras, narrativas, e menciona aberturas espetaculares que aguçam o interesse pelo que virá, como Em busca do tempo perdido ou Don Quixote etc. Não é o caso da abertura de Negrinha de Monteiro Lobato. Afinal é um texto de 1927 e rica literatura nacional já havia passado por debaixo da ponte que liga o 19 e o 20, e  é bastante infantil a abertura, para ficar no âmbito literário.
Mas, afinal, quem está a narrar?? O narrador, mas o narrador é D. Inácia?? Numa frase – a primeira, o cabeçalho – descritiva encontramos: Negrinha, Preta, Fusca, Mulatinha escura.
Dos cabelos: ruços.
Dos olhos: Assustados.

  • Quem é a peste que está chorando aí? Quem pergunta é dona Inácia.


Quem havia de ser? A pia de lavar pratos?? O pilão?? Aqui o narrador pensa por D. Inácia. 
Dá ares que tenta a técnica do fluxo de consciência, que já havia sido praticada por Virginia Wolf entre outros e viria a alcançar seu apogeu em Ulisses de James Joyce, entretanto se houve tal tentativa em Negrinha, o efeito não ocorreu. É por isso que me apego a questão, senão vejamos. 
A mãe da criminosa abafava a boquinha... aqui o narrador narra, mas quem é o narrador??
...da filha e corria com ela para os fundos do quintal, torcendo-lhe em caminho beliscões desesperados:
  • Cale a boca, peste do diabo!! aqui fala a mãe de neguinha.
Novamente cabe a pergunta a respeito do narrador, porque o texto deixa a ideia de um único pensamento, pois o pensamento do narrador e o de Dona Inácia é uniforme, normatizado, e aplicam os mesmos marcadores da diferença. Pois senão:
Aqui D. Inácia:
“ — Quem é a peste que está chorando aí?”
e aqui o narrador:
Quem havia de ser? A pia de lavar pratos?? O pilão?? A mãe da criminosa...”
ela pergunta pela peste e ele deixa claro que a pergunta é tonta, sendo claro que se tratava da “criminosa”.

Mais adiante aquela impressão da ausência de movimentos que se tem, no principio do conto, se confirma: “ levada a pontapés...” “...Aprendeu a andar, mas não andava, quase...”


Enfim
...Morreu na esteirinha rota, abandonada de todos, como um gato sem dono. Ninguém, entretanto,
morreu jamais com maior beleza. O delírio rodeou-se de bonecas, todas louras, de olhos azuis. E de
anjos...
na sua parca existência 'almada' foi capaz de desenvolver a ideologia dominante, uma tragédia. A morte ...com maior beleza. O delírio rodeou-se de bonecas, todas louras, de olhos azuis... a coisa diz-se em si e por meio de si.

Aqui dou voz as vozes estranhas do narrador: Num determinado momento D. Inácia diz: Brinquem!!
então entra o narrador, primeiro falando por Negrinha : Como seria bom brincar! refletiu com suas lágrimas, no canto,... para depois se instaurar: … a dolorosa martirzinha, que até ali só brincara em imaginação com o cuco! Até mesmo o Manual de Redação da Folha consegue identificar essa parcialidade narrativa, veja bem, que não é proibido seu uso num conto, porque também não é isso que discuto.

Sentiu-se elevada à altura de ser humano. Cessara de ser coisa e de
ora avante lhe seria impossível viver a vida de coisa. Se não era coisa! Se sentia! Se vibrava!...
Assim foi, e essa consciência a matou. É nisso que insisto, “a consciência de não ser coisa, a matou”. O narrador não explica o porquê sua carnezinha de terceira recheada com a 'vibração' de não coisa não pode suportar a vida 'sentida'. Não carece dizer que carne é de terceira.

Nisso reside a monotonicidade de Negrinha, como um deserto, em qualquer parte é o mesmo, constituído do mesmo. Negrinha dá nome ao conto. E tudo dentro do conto diz o mesmo: Negrinha. Toda a 'rica' sinonímia da época está presente, ora à boca de Inácia ora na pena do narrador e por vezes em ambos corações a um só tempo, porque não se distinguem ainda que se revezem. As achincalhações por muitas, por vezes aparecem amontoadas na mesma frase, misturando-se, qualificando-se entre si umas as outras. As maldades da boa mulher se repetem, mesmo a pior delas, volta aparecer como ruminação.
O conto Negrinha não tem qualidade literária. Tem contexto histórico, mas não se contextualiza, é pontual, para quem não conhece a história do Brasil, nele pouco saberá da escravidão, exceto sua violência, e a impossibilidade dos negros como Negrinha de suportarem a liberdade. É essa a noticia que nos dá o conto Negrinha. Negrinha não tem alma, e quando a ganha de uma boneca de porcelana, não suporta o peso, a carga da civilização e definha.
É uma proposta, e pode existir e existe ao lado de tantas outras. Entretanto creio que deva ser uma opção de cada indivíduo, não creio que deva ser 'curricular'. Se editores quiserem imprimi-la, que o façam, somos livres, a livre iniciativa já diz outro tanto, temos o direito de nos exprimir, porém a União não deve 'bancar' novas edições de coletâneas de tão pouca qualidade literária, para não dizer nenhuma.