De jovem, a literatura, ainda que rara, me estimulou e complementou. Talvez tenha ouvido mais canções que lido e ai foram parceiros: Chico, Caetano, principalmente. De velho abandonei absolutamente as canções, mas a ainda rara literatura me salva. Cheguei a uma idade que há momentos que estou extremamente cansado de mim mesmo, dessa repetição, da obviedade mais obtusa que insiste em fazer alarido. A literatura acaba por ser uma porta que permite me divorciar desse eu sofrego, despistado, um embornal cheio de renuncias, gostares confundidos com verdades, quereres e suas negativas. Mas mesmo sem sair completamente de mim, que não sou Dalai Lama - tipo flutuar, flanar como outro - me descanso neste afazer. As vezes o que leio – novela, romance - me convida a ser um outro horas a fio, longe do maniqueu ordinário, fico a ver a coragem de Homero a fazer Aquiles arrastar Heitor morto diante da amuralhada Troia, sob o olhar lacrimoso de Príamo. Ou um poema que se me apresenta um certo desconhecido, eu, que vive aqui dentro e não o conhecia. Áporo sempre me renova, cavoucando meus túmulos sem epitáfios. Assim um dia desperto e minha personalidade esta embaraçada, ensimesmada. Problema? Nenhum, me meto dentro de um livro e saio outro, insuflado, influído, diluído, condensado como uma esponja. Ainda que temporariamente, e bom por isso também, me conduz um pouco e por vezes confesso que melhoro um tiquinho, como mínimo sinto algo diferente. Salvo, pode ser!
5 de out. de 2011
4 de out. de 2011
Cândido, o otimista. O melhor dos mundos. Preconceito e racismo.
Do que pertence ao mundo dos juízos anteriores ao ato.
Cândido chegou a Lisboa na hora do terremoto. E para que a terra parasse de tremer, os sábios coimbrãs, depois de longas conversas decidiriam por um belo auto de fé, onde algumas pessoas seriam queimadas a fogo lento, em pompa e circunstância. Os escolhidos foram um biscainho, por haver se casado com a comadre, Cândido por haver ouvido e Pangloss por falado e dois portugueses por apartarem o bacon que envolvia o frango assado. Ileso, Cândido termina por encontrar sua amada na casa de Don Isachar, banqueiro, que fora obrigado a dividir casa e amante com um eclesiástico, que o ameaçara - o não comedor de bacon - a uma bela fogueira. Pois Cândido que fora surpreendido por don Isachar - que não aceitará redividir sua parte da amante com um terceiro - sangrou-o e fez o mesmo tudo em sequência com o eclesiástico. A amada, Cunegunda, descabelou-se e não entendeu como Cândido, por isso, em dois minutos matará a um judeu e um padre.
Passado outras aventuras, Cândido e Cacambo esbarram com um negro caído, vestido com meio calção azul, ao qual lhe faltavam também a perna esquerda e o braço direito. Cândido o interpelou para acabar de saber que seu patrão o deixara daquela maneira com a ajuda da moenda, que lhe cortara o braço, por imperícia, e o patrão a perna, por haver fugido, e que tal era o preço do açúcar que Europa comia.
O negro lastimava pela incerteza de que seus atos houvessem feito felizes os brancos, mas tinha absoluta certeza de que os cachorros, os macacos e os papagaios eram mil vezes mais felizes que ele. E para empiorar seu desentendimento, os jesuítas holandeses lhe repetiam a cada domingo que todos eram filhos de Adão. Negros e brancos. Que não se interessava por genealogias, mas, se a prédica é verdadeira, que brancos e negros seriam irmãos, e que não se podia tratar de pior maneira a um irmão.
Ouvindo isso, Cândido, quis renunciar ao otimismo, creio que se esqueceu de renunciar ao ter de esclarecer ao negro o significado do palavrão dizendo: otimismo é defender com obstinada veemência que tudo vai bem quando é justo o contrário.
2 de out. de 2011
espero a espera
Onde ando,
ando,
ando e ando
a espera.
Espero.
Onde espero,
Espero.
Onde espero,
espero, ando à espera
onde ainda
Ando.
Ando e espero.
Ando e espero.
Espero aonde andando,
espera desanda,
espera desanda,
o andar desespera.
Desesperando. Expirando. Transpirando. Inda ando.
- Piro -
A quantas andas? - Andava andrajos-
Andava trapos? - Trapaças- .
De trapos sei as sobras. Sopas?- Sapos!-
Desesperando. Expirando. Transpirando. Inda ando.
- Piro -
A quantas andas? - Andava andrajos-
Andava trapos? - Trapaças- .
De trapos sei as sobras. Sopas?- Sapos!-
Sabes, se assim soçobras, miss!
Misses? Sim és miss assim na missa.
Sobras e cobras miss em ação donde andas às dobras.
Trovas e sobejos beijos, rastros a rés de brejos - sabes a ontem -
Sobras e cobras miss em ação donde andas às dobras.
Trovas e sobejos beijos, rastros a rés de brejos - sabes a ontem -
aranha desce da seda, nas sombras salobras te sobra a tromba.
Trevas donde andas,
Expiro!
26 de set. de 2011
Altruísmo.
Se o latim é língua morta, por ausência de falantes. A palavra altruísmo é letra morta, pela impossibilidade contemporânea de sua prática. É de se pensar se algum dia pôde ser exercitada sem que se tratasse de um oximoro prático; concreto, pela sua geometria lancinante; para além de um cinismo verbal. Deve-se antes de mais nada, sacá-la de em meio ao pó dos tempos, limpá-la com cuidados de antropólogo de lupa e pincel, para identificá-la, então perguntar-lhe por camadas invisíveis de significados, quais estamos impedidos. É como perguntar ao osso pela sua carne ausente. Nada dirá o significante, mais para lá de sua fossilizada e bela estrutura. Mas, e se pudesse falar, se pudesse significar? Mas não pode! Pois se praticado o seu devir, ela retornaria ao limbo das coisas desnecessárias. Pois onde há necessidades, é pela justa ausência de altruísmo. Por qualquer motivo, mas basicamente pela contradição do nosso modo de produção e manutenção da vida, que Sumo Pontífice! Que é ? Se algo mais que produzir justamente: necessidades! Mas dizem que há altruístas, há deles, fotografados. Mas, que dizer, santa, se não que onde há altruísmo o resultado é epigramático. E para poupar-lhe de ir ao dicionário, altruisticamente, digo que oxímoro é uma combinação engenhosa de palavras incongruentes como: bondade cruel e epigramatico é a mordacidade essencial da composição poética cruel de tal atroz palavrona.
25 de set. de 2011
Juízo final.
Laura estava dentro do cristal de um vitral,
melhor dito,
estava dentro da própria luz que o varava.
A luz a forçava a abaixar a cabeça
a fugir os olhos brilhosos da luz incidente.
Mesmo assim esta luz a cegava.
Então cerrava os olhos.
Ainda cegados pela luz.
Laura quer responder a uma pergunta ausente.
Insiste.
Tartamudeia ao responder:
fui sim e sou, o quê que sou.
O tempo passa lentamente, em seu sempiterno vagar.
Agora a luz tépida é leitosa,
menos aguda.
É como se Laura estivesse dentro de um copo-de-leite cheio de leite que a permitisse levantar a cabeça,
abrir os olhos,
mas a nada vê,
senão o leitoso branco dentro dos olhos sendo os próprios olhos lácteos.
E o tempo escorrega viscosamente mel.
Laura se desmancha como uma miga de miolo de pão em leite demolhado.
Não houve pergunta que ela não ouve ou pensa em respostas,
nem o pensamento existe,
apenas o leite por toda parte,
mas parece não lembrar-se se existiu pergunta ou acusação, mas ela sopra lentamente um sim,
também.
Os séculos passam melífluos e esbarram-se entre uma não-pergunta e outra.
A vaga luz resume-se lentamente.
O vagaroso branco se abruma.
Detido.
Lentamente.
Quieto.
Lacra-se completamente,
igual o apagar-se de uma televisão de válvulas,
com um ponto luminoso no meio da tela escura,
que perdura em nossos olhos,
além da sua existência.
melhor dito,
estava dentro da própria luz que o varava.
A luz a forçava a abaixar a cabeça
a fugir os olhos brilhosos da luz incidente.
Mesmo assim esta luz a cegava.
Então cerrava os olhos.
Ainda cegados pela luz.
Laura quer responder a uma pergunta ausente.
Insiste.
Tartamudeia ao responder:
fui sim e sou, o quê que sou.
O tempo passa lentamente, em seu sempiterno vagar.
Agora a luz tépida é leitosa,
menos aguda.
É como se Laura estivesse dentro de um copo-de-leite cheio de leite que a permitisse levantar a cabeça,
abrir os olhos,
mas a nada vê,
senão o leitoso branco dentro dos olhos sendo os próprios olhos lácteos.
E o tempo escorrega viscosamente mel.
Laura se desmancha como uma miga de miolo de pão em leite demolhado.
Não houve pergunta que ela não ouve ou pensa em respostas,
nem o pensamento existe,
apenas o leite por toda parte,
mas parece não lembrar-se se existiu pergunta ou acusação, mas ela sopra lentamente um sim,
também.
Os séculos passam melífluos e esbarram-se entre uma não-pergunta e outra.
A vaga luz resume-se lentamente.
O vagaroso branco se abruma.
Detido.
Lentamente.
Quieto.
Lacra-se completamente,
igual o apagar-se de uma televisão de válvulas,
com um ponto luminoso no meio da tela escura,
que perdura em nossos olhos,
além da sua existência.
23 de set. de 2011
Catarse = Purgar.
Tinha os olhos irritados,
não podendo colocar as
lentes de contato, lia o
jornal com uma lupa.
Era o desejo louco de
Era o desejo louco de
ver o mundo em sua
podre realidade, modo
ordinário de fugir de
dentro do próprio pútrido
momento.
Da janela lateral divisava
a casa da vizinha, donde saia uma músicabeata,
que a empregada entoava em bom contralto ao mesmo tempo triste e galhofeiro.
Na casa da vizinha está o jardineiro podando a mangueira,
hoje cortou galhos da lichia que pendiam para nosso quintal,
pois os nossos galhos estavam carregados, mentre os dela não.
A filha da vizinha curte a ressaca e de sua banhas,
banhando-se de sol, dentro, quer dizer, fora de um biquíni verde amarelado ou amarelo esverdeado.
Na garagem da vizinha tem três carros "semi-novos", branco, cinza e preto.
Enquanto isso meu amigo destila vapores etílicos no sofá com a televisão ligada no Maisvocê.
O telefone toca e digo que não estou.
O certo seria dizer que: não, não tenho agora, mas que sim, pagarei, não, não te esqueci não senhor.
Depois toca de novo. Então digo: Dionísio não está, foi para o sitio em Piedade e só volta sábado.
Resolvidos esses problemas de pessoa jurídica, resta-me ainda a culpa.
Resolvidos esses problemas de pessoa jurídica, resta-me ainda a culpa.
Sim, por demais, feminina, não sei de onde saiu isso, mas a culpa é coisa feminina.
Dionísio, dentro do oceano da ressaca, e no seu caminho à geladeira, onde jaz uma garrafa de água vazia e tombada e sem tampa,
Dionísio, dentro do oceano da ressaca, e no seu caminho à geladeira, onde jaz uma garrafa de água vazia e tombada e sem tampa,
passa pela sala de ser e estar, ficar
e com a boca como se cheia de cola de sapateiro diz isso:
Os gregos curavam-se da ressaca com outro banquete.
Alguma vez penso haver dito:
Alguma vez penso haver dito:
Hoje é terça-feira e comeremos muito bem.
Não sou grego, mas um cavalo, de Troia, cheio de suspeitas:
Tenho umas ostras, uns camarões e uma paleta de cordeiro ao vinho que me sobraram de ontem no restaurante.
Dionísio se anima em mais se endividar;
Dionísio se anima em mais se endividar;
e,
sob o sol abrasador sai arrastando suas havaianas pelas ruas de Sousas,
desviando-se dos credores não bancários.
Cartão de crédito empunhado, usado e embainhado,
trazia uma hora mineira depois:
água São Lourenço e garrafas de Merlot.
Comemos e bebemos e o vinho absolveu-nos daquela culpa sólida.
Comemos e bebemos e o vinho absolveu-nos daquela culpa sólida.
20 de set. de 2011
Ilíada. Canto III. Paris x Menelau.
No Canto II o narrador elenca todas as naves e seus caudilhos, deixa para as musas do Olimpo enumerarem e nomearem todos que estavam presentes em Ílio. Disse que os que habitavam Nisiros, Crápato, Caso, Cos, Euripilio as ilhas Calidnas e seus chefes Fidipo e Antifo, filhos do rei Tesalo Heraclida e somados trinta navios côncavos. Disse mais, que todos quantos ocupavam o Argos Pelásgico, os que viviam em Alo, Alope, Traquine, os de Hélade de lindas mulheres, que atendiam pelo nome de mirmídones, helenos e aqueus, estes tinham por capitão a Aquiles e chegaram em cinquenta navios. Mas todos estes homens de Aquiles, ainda não participavam do combate horríssono ( que soava horrivelmente), porque Aquiles não saia do navio, padecendo da mais profunda saudade da jovem Briseida, de linda cabeleira; que ele havia feito cativa em Lirneso, depois de destruir a cidade e as muralhas de Teba. Mas apesar deste ócio, Aquiles se levantará.
CANTO III.
Juramentos a contemplar desde a muralha e o combate singular de Alexandre e Menelau.
Algumas lutas são travadas em meio a grande batalha. A primeira batalha se interrompe para que se verifique o combate sem par de Paris e Menelau. Este corpo a corpo não dá em nada, pois quando Alexandre seria vencido, sua mãe, Afrodite, o arrasta pelos ares e o leva ao lado de Helena.
- Postos em ordem de batalha com seus respectivos chefes, os troianos avançavam assoviando e gritando como se aves, a proferirem suas vozes, a grulharem pelo céu...7...os aqueus marchavam silenciosos, respirando valor e dispostos a se ajudarem mutuamente...15 Quando ambos exércitos se acercaram um do outro, apareceu na primeira fila dos troianos Alexandre, semelhante a um deus, com uma pele de leopardo nos ombros, curvo arco e espada; e bradando lança de bronzina ponta, a desafiar o mais valente dos argivos...21. Menelau, caro a Ares, ao vê-lo vir com toda sua arrogância, se posto à frente da tropa, e , como um leão faminto que encontra um grande cervo galheiro ou uma cabra montesa... 26 assim Menelau folgou ao ver com os próprios olhos o deiforme Alexandre...
( quando Alexandre apenas divisou Menelau, borrou no escudo e se escondeu no meio da tropa)
… 38 Hector repreendeu Alexandre e o advertiu com injuriosas palavras: Menelas 39 Miserável Paris, o de mais formosa figura, mulherengo, sedutor! Oxalá não te pudesse contar entre o número dos nascidos ou que houvesse morrido celibatário. Mais valia e assim prefiro que esta vergonha e opróbrio aos teus. Os cabeludos aqueus se riem de haverem te considerado como um bravo, campeão, por tua galharda figura, quando não há em teu peito nem força nem valor. ...60 Não esperavas a Menelau, caro a Ares? Conhecerias o macho de qual tens a florescente esposa, onde de nada te valeria a guitarra, ou os dons de Afrodite, a cabeleira, a formosura... … tua sorte é que os troianos são demasiado tímidos, se não, já estarias revestido com uma túnica de pedra....
( depois de ouvir tamanha increpação, Alexandre se decidiu por enfrentar Menelau)( enquanto isso aqueus e troianos atiravam estes contra aqueles, pedras e flechas, até que Hector pediu silencio e a palavra:
86 Ouçam de meus lábios, troianos e aqueus de formosas armaduras para pernas, Alexandre se ofereceu para combater com Menelau. Ainda propõe... o que vencer fica com as riquezas e Helena, e os demais juraremos paz e amizade.
( Iris, a de pés de vento, foi buscar Helena, Alexandre vestiu as mais lindas grebas – armadura para as pernas - tão formosas que os troianos ficaram atônitos a contemplá-las.Mas na hora do quem pode mais chora menos, Paris que ia ser morto por Menelau, foi salvo duas vezes por sua mãe, Afrodite. Paris é o mesmo que Alexandre. Afrodite quis enganar Helena, que viu que Menelau havia vencido o combate, e não quis se deixar enganar por fim Afrodite respondeu a uma séria argumentação de Helena):
414 Não me irrites, desgraçada! A não ser que me enojes de ti e venha a desamparar-te, e me aborreça tão extraordinariamente quanto tenho te amado até então e bote funestos ódios entre troianos e danaos, e pereças de morte ruim.
( sem ter outra saída Helena se cobriu com esplendoroso branco véu e saiu em silencio seguindo a Afrodite.Afrodite teve uma conversa séria com Paris, que botou a culpa da derrota sofrida para Menelau, a ajuda que este teve de Atena.)
Assinar:
Postagens (Atom)