25 de abr. de 2011

Tudo passa: O tempo.

Zé  mostrava-me umas fotos dos tempos em que vivíamos felizes no Deck bar. Fotos da mulher ?”. Então fiz um cálculo do número de anos que Helena viveu com Menelau antes de encontrar Páris, do tempo que passou em Tróia, e do tempo que estivera de volta em Esparta quando Telêmaco a encontrou; depois calculei a idade que ela teria quando Dante a viu no Inferno. Zé  me reprendeu: “Você quer matar Helena, quer não! Você matou Helena”. “Ora vamos, Zé, pensei que ias defender a Sandra! Assim sendo... prezado...”. Acrescentei : “Menippus viu o crânio de Helena, no Hades, desbotando, e admirou-se de ela ter despertado algum dia tantas paixões”. Zé  tirou uma baforada do seu cigarro, passou a mão na testa e depois disse pensativamente: “Ela... afinal... acontece o mesmo com o mundo... bela criação do demiurgo”. Calado permaneci, Zé concluía junto com a fumaça: “Pode ser, em suma, ele deve ter refletido mais do que nós”. No que somei: “Mais não sei, melhor! Certamente”.
desejada, já despojada da auréola que esse desejo havia lhe posto, e lá para o final da sessão, novamente aparecia numas fotos mui recentes, lá estava, e apesar de todos os atenuantes de reminiscentes quereres e sentires, só pude dizer: “Elena vidi, per cui tanto reo\ Tempo si volse”ª … é uma das duas frases latinas, e as  gasto sempre que posso, ou forço a barra. Zé  perguntou indignado: “ Por que Helena

ª Veja Helena, contra quem tão longamente, um tempo de infortúnio se volta..
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24 de abr. de 2011

Amanhã Cristo ressuscita.



Escrever é deixar de fora todas as outras possibilidades. Assim como o marido amado fica fora de Madame Bovary, mas que inclui a mulher que diferencia os homens, e apesar de a Molly Bloom lhes parecer indiferenciáveis, potencializa a Leopold como espirito, acima do banal, com o sim plural. Assim era essa página: pura literatura e fábula, era, pois bastou a primeira palavra para excluir-se a si mesma do mundo sonhado. Essa rejeição, essa reação do espaço baldio à palavra, ainda me espanta, e espanta todo o léxico e as que se me apresentam não o fazem à literatura, ou por vezes se apresentam como inimigas e se constrangem uma a par da outra. Mas é Páscoa e por bem hão de conciliarem-se, como se fosse desta possibilidade o mundo feito. Um decalque da religião no mundo real. Real este pleno de decalques, mas que fogem à segunda-feira, nos abandonando a auto produção do sustento e manutenção insustentável do amanhã.

23 de abr. de 2011

MALHAÇÃO DO JUDAS.

      Essa é mais uma tentativa de chegar ao inviável, e isso me pede intensidade e me oferece impossibilidade. Este inviável, é, se é para mim, é o mais próximo que posso chegar ao meu nada, o fim do meu universo, o meu limite, borda opaca de todos meus abismos ideológicos. É busca pelo desconhecido, é a interface donde termino e começa o outro, que não esconde esperança, que e não é outra, senão fé.
 Esta fé é novo empréstimo que o avaro concede ao inadimplente, cuja garantia é imaterial, numa palavra, eu sou você. É essa passagem sem pontes, integração geográfica invisível; como números pares pertencem aos naturais; que se dá ao malharmos o judas. 
Eu sou o teu judas, e tu o meu. Em suma o outro. O outro só importa como território a ser ocupado, uma tal impossibilidade leva a indiferença, ou a certos pecados capitais, inveja é outro deles. 

...Schopenhauer é muita hermenêutica, não careço, ou não posso. 

Serve mesmo Fernando Pessoa: ''se compreendo o pensamento do outro, eu discordo dele; eu mesmo se penso, discordo de mim mesmo'';      já se compreendo o que outro sente, eu sou ele. Isso só mostra que pela razão, nos afastamos e pelo sentimento nos aproximamos; nesse caso ser o outro é a compreensão total do outro, é amar; o ódio é a incompreensão total do outro, um analfabetismo da alma, do coração; não tendo nada a ver com a razão; 
se discordar é um levar-se em conta o outro, respeitar, é seguramente uma forma de amor, não de ódio. Por isso: eu sou você, e discordo em gênero, número e grau. Eu sinto o que vc sente. Afinal o sentimento do mundo é o mesmo. A tragédia é a mesma. Ainda que as aspirinas sejam opostas, assimétricas. Estas assimetrias estão no placebo e não em nós. Eu gosto da letra da canção Pão e Poesia de Moraes Moreira e Fausto Nilo, particularmente do verso: ...que te maltrata entre o almoço e o jantar.

22 de abr. de 2011

Sexta-feira da paixão. Ditadura. Democracia. Lista tríplice.


Todo mundo sabe que ditadura é a ideia – muito praticada – da impossibilidade de conformar-se em um governo todos os interesses individuais, na prática é governo de minorias. A democracia afirma o contrário, mas contraditoriamente pratica a ditadura da maioria. A lista tríplice sempre foi coisa da ditadura, botando nas coisas um ar democrático. Desde menino, na escola, sabia quem ia ser escolhido para recitar quadrinhas em homenagem a Tiradentes – quanto vexame, incompetência se viu – o filho de alguém, nunca o filho de algum. Marcelo, o filho do sitiante abastado, ajudado pela professora Teresinha, engasgava logo de cara no nome próprio. A dona Teresinha dizia: meninos! Não zombem! Ajudem o seu coleguinha! Eramos todos rurais, mais que urbanos. Lembro-me do Nico Quaglio: mas professora! a senhora pede para o carroceiro puxar a carroça pelo burro! Já para a diretoria! E da classe ouvíamos a diretora Josefa Castro aos berros. Tudo isso para dizer que as eleições têm seu caráter premeditado, previsto, entrevisto, etc. As pesquisas de opinião são tão somente mais um tipo de produto, consumido, por pura gula, desnecessário. Por isso Pôncio Pilatos conformou aquela lista tríplice, sabia qual deveria ser escolhido, e sabia como age o rebanho encurralado. A massa sempre prefere a via da preguiça mental, não gosta que lhe roubem os bens, mas o prefere àquele que lhe rouba o sossego, a preguiça, a inércia; noutras palavras, a sabedoria.

21 de abr. de 2011

Dia de Lava pés.


Eu era coroinha, ás vezes levava a bacia com a água com que o padre fazia o teatro do lava-pés. Uma vez fiz de Pedro, o apóstolo, bastou-me para toda a vida. Disse eu – então Pedro - : Mas se vais, Senhor, lavar-me os pés, porque não me lavais todo o corpo! Pedro era assim. Bruto. Povo. Prático. Tirou o corpo fora, quando quiseram ligar-lhe a Jesus. Não! Estou de boa. Disse. Nunca o vi, ele está no óleo. Pensei que houvesse por aqui uns comes e bebes. disfarçou. Voltando; Jesus então disse: não há servo maior que o Senhor, por isso lavava os pés a seus discípulos. Mas também lavaria os pés de um traidor. Talvez tenha-lhe sido fácil, pois cria em um desígnio. O nó é esse: sendo Senhor; é o maior dos Servos, mas em sendo somente servo; não é  Senhor algum, em não sendo senhor algum é servo, que tem como essência, justamente lavar os pés a seu senhor, ato fim, meio que o caracteriza. Desta maneira o servo e o traidor de alguma forma sentam-se à mesa do senhor, nivelam e balizam-se, por mutua necessidade. Machado de Assis põe o canário preso na gaiola a dizer: o mundo é uma gaiola velha e um brechó empoeirado e um serviçal que me dá de beber e comer, mas quando escapa-se diz: o mundo é infinito, coberto de azul e um sol a brilhar.

19 de abr. de 2011

Primo Basílio é ferida ontológica de Eça.



Postei uma crítica de Machado de Assis feita ao Primo Basílio de Eça de Queiroz. Não há planos subjacentes. Encontrei-a numa antologia, um sebentão – dedicado pela Prof. Helena, à provável aluna: Adalgisa. Pura mitologia. Nele, Machado de Assis é personagem, mito, escreve críticas à obra, mitológica, do escritor, mito, Eça de Queiroz. Indiferente ao conteúdo da critica para além da estética, pois Machado é tão mitológico quanto Bentinho, Ulisses e Homero. O livro ensebado é tão real quanto a bíblia, e o Eça ali crucificado quanto nesta, Jesus. A diferença é que Eça foi divinizado e Jesus, ainda anda às voltas com a velha cruz. Ora desce, ora sobe, o mesmo fel, a mesma lança a vazar-lhe o peito. Meu eu mitológico leu o Casmurro, e o Primo Basílio. Li-os como os leitores desavisados que tanto encantavam a Machado de Assis; Machado sabia que eram os desavisados que fariam os leitores com pé-atrás se interessarem por sua obra. Eu lia com a mesma roupa com a qual ia ao cinema. Devorava sem sabê-las: metonímias, antonomásias ou metáforas; e nas aliterações sentia o vento do v, o barulho do mar aonde anda a onda. E não lhes sabia o nome.
Agora me preparo para ler de sobreaviso, me ilustro. Me espanto ao ler uma crítica de Machado não a títere Luísa, mas muito pelo ataque desferido ao Realismo. Machado, ainda que monarquista, pouco deixa-se entrever nesse comício, ainda que pouco ou nada disso possa me interessar, mas não fez defesa, não armou trincheira e tampouco puxou o gatilho. Concluo que a defesa de uma ontologia, ou um ataque, um tiro ontológico também não mata, principalmente mitos, mas acima de tudo não existe ferida ontológica.    

18 de abr. de 2011

O Primo Basílio. Crítica. por Machado de Assis.



… o Sr. Eça de Queiroz acaba de publicar seu segundo romance O Primo Basílio. O primeiro, O Crime do Padre Amaro, não foi decerto a sua estreia literária... O Sr. Eça de Queiroz é um fiel e aspérrimo discípulo do realismo propagado pelo autor de Assommoir ( Emile Zola)... O próprio O Crime do Padre Amaro é imitação de La Faute de l´Abbè Mouret (Zola) solução análoga, iguais tendencias; diferença do meio, diferença do desenlace; idêntico estilo; algumas reminiscencias, como no capitulo da missa, e outras; enfim, o mesmo título... resta senão admirar a fidelidade de um autor que não esquece nada e não oculta nada! Porque a nova poética é isso, e só chegará a perfeição no dia em que nos disser o número exato de fios de que se compõe um lenço de cambraia ou um esfregão de cozinha... … Certo da vitória o Sr. Eça de Queiroz reincidiu no gênero, e trouxe-nos O Primo Basílio, cujo exito é evidentemente maior... … tem um ar de cliché; enfastia... … Vejamos o que é o Primo Basílio e comecemos por uma palavra que há nele. … - Mas é Eugênia Grandet! Exclama o outro. O Sr. Eça de Queiroz incumbiu-se de nos dar o fio da sua concepção. Disse talvez consigo: - Balzac separa os dois primos, depois de um beijo ( aliás, o mais casto dos beijos). Carlos vai para a América; a outra fica, e fica solteira. Se a casássemos com outro, qual seria o resultado do encontro dos dois na Europa! … na Eugênia, há uma personalidade acentuada, uma figura moral, que por isso mesmo nos interessa e prende; a Luísa – força é dizê-lo - a Luísa é um caráter negativo, e no meio da ação ideada pelo Autor, é antes um títere do que uma moral.

Repito, é um títere. Não quero dizer que não tenha nervos e músculos. Não tem mesmo outra coisa; não lhe peçam paixões ou remorsos. Menos ainda consciência.... Luísa resvala no lodo, sem vontade, sem repulsa, sem consciência. Basílio não faz mais que empuxá-la, como matéria inerte, que é. Uma vez rolada ao erro, como nenhuma flama espiritual a alenta, não acha ali a saciedade das grandes paixões criminosas; rebolca-se simplesmente. ...o fato inicial e essencial da ação, não passa de um incidente erótico, sem relevo, repugnante, vulgar. Que tem o leitor do livro com essas duas criaturas sem ocupação nem sentimentos!

Aqui chegamos ao defeito capital da concepção do Sr. Eça de Queiroz. A situação tende a acabar, por que o marido está prestes a voltar do Alentejo, e Basílio começa a enfastiar-se, e, já por isso, já porque o instiga um companheiro seu, não tardará a trasladar-se a Paris. Interveio, neste ponto, uma criada, Juliana o caráter mais completo e verdadeiro do livro;... apodera-se de quatro cartas; é o trunfo, é a opulência.

… Um leitor perspicaz terá já visto a incongruência da concepção do Sr. Eça de Queiroz, e a inanidade do caráter da heroína. … trata-se da coisa menos congruente e interessante do mundo! Que temos nós com essa luta intestina entre a ama e a criada, e em que nos pode interessar a doença de uma e a morte de ambas!... Para que Luísa me atraia e me prenda, é preciso que as tribulações que a afligem venham dela mesma; seja uma rebelde ou uma arrependida; tenha remorsos ou imprecações; mas, por Deus! Dê-me uma pessoa moral...



Transcrevo crítica elaborada por Machado de Assis.