Eu era coroinha, ás vezes levava a bacia com a água com que o padre fazia o teatro do lava-pés. Uma vez fiz de Pedro, o apóstolo, bastou-me para toda a vida. Disse eu – então Pedro - : Mas se vais, Senhor, lavar-me os pés, porque não me lavais todo o corpo! Pedro era assim. Bruto. Povo. Prático. Tirou o corpo fora, quando quiseram ligar-lhe a Jesus. Não! Estou de boa. Disse. Nunca o vi, ele está no óleo. Pensei que houvesse por aqui uns comes e bebes. disfarçou. Voltando; Jesus então disse: não há servo maior que o Senhor, por isso lavava os pés a seus discípulos. Mas também lavaria os pés de um traidor. Talvez tenha-lhe sido fácil, pois cria em um desígnio. O nó é esse: sendo Senhor; é o maior dos Servos, mas em sendo somente servo; não é Senhor algum, em não sendo senhor algum é servo, que tem como essência, justamente lavar os pés a seu senhor, ato fim, meio que o caracteriza. Desta maneira o servo e o traidor de alguma forma sentam-se à mesa do senhor, nivelam e balizam-se, por mutua necessidade. Machado de Assis põe o canário preso na gaiola a dizer: o mundo é uma gaiola velha e um brechó empoeirado e um serviçal que me dá de beber e comer, mas quando escapa-se diz: o mundo é infinito, coberto de azul e um sol a brilhar.
21 de abr. de 2011
19 de abr. de 2011
Primo Basílio é ferida ontológica de Eça.
Postei uma crítica de Machado de Assis feita ao Primo Basílio de Eça de Queiroz. Não há planos subjacentes. Encontrei-a numa antologia, um sebentão – dedicado pela Prof. Helena, à provável aluna: Adalgisa. Pura mitologia. Nele, Machado de Assis é personagem, mito, escreve críticas à obra, mitológica, do escritor, mito, Eça de Queiroz. Indiferente ao conteúdo da critica para além da estética, pois Machado é tão mitológico quanto Bentinho, Ulisses e Homero. O livro ensebado é tão real quanto a bíblia, e o Eça ali crucificado quanto nesta, Jesus. A diferença é que Eça foi divinizado e Jesus, ainda anda às voltas com a velha cruz. Ora desce, ora sobe, o mesmo fel, a mesma lança a vazar-lhe o peito. Meu eu mitológico leu o Casmurro, e o Primo Basílio. Li-os como os leitores desavisados que tanto encantavam a Machado de Assis; Machado sabia que eram os desavisados que fariam os leitores com pé-atrás se interessarem por sua obra. Eu lia com a mesma roupa com a qual ia ao cinema. Devorava sem sabê-las: metonímias, antonomásias ou metáforas; e nas aliterações sentia o vento do v, o barulho do mar aonde anda a onda. E não lhes sabia o nome.
Agora me preparo para ler de sobreaviso, me ilustro. Me espanto ao ler uma crítica de Machado não a títere Luísa, mas muito pelo ataque desferido ao Realismo. Machado, ainda que monarquista, pouco deixa-se entrever nesse comício, ainda que pouco ou nada disso possa me interessar, mas não fez defesa, não armou trincheira e tampouco puxou o gatilho. Concluo que a defesa de uma ontologia, ou um ataque, um tiro ontológico também não mata, principalmente mitos, mas acima de tudo não existe ferida ontológica.
18 de abr. de 2011
O Primo Basílio. Crítica. por Machado de Assis.
… o Sr. Eça de Queiroz acaba de publicar seu segundo romance O Primo Basílio. O primeiro, O Crime do Padre Amaro, não foi decerto a sua estreia literária... O Sr. Eça de Queiroz é um fiel e aspérrimo discípulo do realismo propagado pelo autor de Assommoir ( Emile Zola)... O próprio O Crime do Padre Amaro é imitação de La Faute de l´Abbè Mouret (Zola) solução análoga, iguais tendencias; diferença do meio, diferença do desenlace; idêntico estilo; algumas reminiscencias, como no capitulo da missa, e outras; enfim, o mesmo título... resta senão admirar a fidelidade de um autor que não esquece nada e não oculta nada! Porque a nova poética é isso, e só chegará a perfeição no dia em que nos disser o número exato de fios de que se compõe um lenço de cambraia ou um esfregão de cozinha... … Certo da vitória o Sr. Eça de Queiroz reincidiu no gênero, e trouxe-nos O Primo Basílio, cujo exito é evidentemente maior... … tem um ar de cliché; enfastia... … Vejamos o que é o Primo Basílio e comecemos por uma palavra que há nele. … - Mas é Eugênia Grandet! Exclama o outro. O Sr. Eça de Queiroz incumbiu-se de nos dar o fio da sua concepção. Disse talvez consigo: - Balzac separa os dois primos, depois de um beijo ( aliás, o mais casto dos beijos). Carlos vai para a América; a outra fica, e fica solteira. Se a casássemos com outro, qual seria o resultado do encontro dos dois na Europa! … na Eugênia, há uma personalidade acentuada, uma figura moral, que por isso mesmo nos interessa e prende; a Luísa – força é dizê-lo - a Luísa é um caráter negativo, e no meio da ação ideada pelo Autor, é antes um títere do que uma moral.
Repito, é um títere. Não quero dizer que não tenha nervos e músculos. Não tem mesmo outra coisa; não lhe peçam paixões ou remorsos. Menos ainda consciência.... Luísa resvala no lodo, sem vontade, sem repulsa, sem consciência. Basílio não faz mais que empuxá-la, como matéria inerte, que é. Uma vez rolada ao erro, como nenhuma flama espiritual a alenta, não acha ali a saciedade das grandes paixões criminosas; rebolca-se simplesmente. ...o fato inicial e essencial da ação, não passa de um incidente erótico, sem relevo, repugnante, vulgar. Que tem o leitor do livro com essas duas criaturas sem ocupação nem sentimentos!
Aqui chegamos ao defeito capital da concepção do Sr. Eça de Queiroz. A situação tende a acabar, por que o marido está prestes a voltar do Alentejo, e Basílio começa a enfastiar-se, e, já por isso, já porque o instiga um companheiro seu, não tardará a trasladar-se a Paris. Interveio, neste ponto, uma criada, Juliana o caráter mais completo e verdadeiro do livro;... apodera-se de quatro cartas; é o trunfo, é a opulência.
… Um leitor perspicaz terá já visto a incongruência da concepção do Sr. Eça de Queiroz, e a inanidade do caráter da heroína. … trata-se da coisa menos congruente e interessante do mundo! Que temos nós com essa luta intestina entre a ama e a criada, e em que nos pode interessar a doença de uma e a morte de ambas!... Para que Luísa me atraia e me prenda, é preciso que as tribulações que a afligem venham dela mesma; seja uma rebelde ou uma arrependida; tenha remorsos ou imprecações; mas, por Deus! Dê-me uma pessoa moral...
Transcrevo crítica elaborada por Machado de Assis.
17 de abr. de 2011
Manual do sexo manual.
A tempos transporto de um lado para o outro a veleidade de escrever um manual para o sexo manual. O onanismo antes confessável e passível de penas - duas ave-marias e três padre-nossos, dizia o Pe. Josep Maria Meyer, enquanto traçava sobre a face o sinal da cruz – hoje livre , desimpedido.
A maior preocupação não deveria estar centrada nos homossexuais sim com os manissexuais, posto que esta engloba todas as opções e nos nivela. Somos maioria. De alguma forma, se me permitem, o que mais manuseamos está entre-coxas. Seja em pensamentos, atos e omissões.
Tenho feito grande progresso nesse sentido, que por vezes me espanto. A coisa começou faz alguns meses. Uma polução. Casual. Um sonho visceral, pleno de mucosas e líquidos. Digo isso para botar alguma concretude nesse vício, pois não havia sexo – de genitálias – havia sensações úmidas e quentes e envolventes, por todo o corpo. Se fosse freudiano, diria: nascimento, placenta estourada. Mas me interessava não a explicação, senão a possibilidade de repetir-se o feito. Busquei bibliografias, e me deparei com um manual do século XI, escrito em ocitano – parente próximo do francês – por Francesc Pi de la Serra, que ensina a produzir poluções. A coisa se diz afatus.
... liberet fines metu abeatque tuta. fert gradum contra ferox minaxque nostros propius affatus petit. arcete, famuli, tactu et accessu procul, ...
Deve-se deitar em decúbito dorsal. Acalmar a respiração. Pensar em alguém. Eu penso na Jaqueline. É como fazer yôga deitado. Pálpebras caídas, delicadamente. Pense em seda. Corpos envoltos em tecidos suaves, insinuando silhuetas em movimentos delicados, lentos. Pensar em todos os beijos, carinhos, abraços através dele. Deixe o tecido desaparecer, sinta a sua pele, ou antes dela, sinta o calor do corpo que se avizinha, depois no toque mais suave, pétalas de rosas vermelhas num ofurô de espuma. Pense numa mão que te toca sem tocar. Inspire profundamente. Solte o ar, lentamente. Relaxe, primeiro a barriga, depois o diafragma, solte o ar dos pulmões. Manuseie-se sem excitar-se. Repita o procedimento até adormecer. Então na vigília se encontrará com um orgasmo magnifico, não se deixe acordar, não se espante, pois assim pode ocorrer um efeito cascata.
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16 de abr. de 2011
Genra ou noro!
Não sei! diz a Bia. E vemos a linguagem, mais precisamente o substantivo, falto. Incapaz de dizer do ser do qual se fala. Bia busca ajuda nos possessivos. Minha genro! Fazendo cara de basset! Retoma o humor e redunda: Meu nora. A conversação ganha liberdades, levezas e Bia arrisca um neologismo: Genra. Nem a língua está preparada para o que vem e já se divisa. É necessário criar vocábulos. Eu proponho eu, tu, ele, ela, ola, ule, nós, vós, aulhes. Meu, teu, minha, tua, mia, teia, monha, tue. Seu, sua, sue, sal, outros, outras, eutres, autres. Sr. Sra. Sro. Sri. O verbo ser no presente do indicativo ficaria, eu sou, tu és, ele é, ela é, ola ó, ule i, somos, sois, são, aulhes sum. Eu falava com ola enquanto sal amige nos mirava desconfiadi, ule i vaidosi e pensi que todues falamos delhe. Nonada. É perigoso viver.
O tempo perdido.
Faz muito tempo que me deito tarde. Foi uma luta, nem sei se vã, contra a perda de tempo. Não sei se você percebe como estão armadas estas palavras. Vejo-as portando escudos, lanças e máscaras, em nome justamente, e paradoxo dos paradoxos, para algo inefável, e que para tanto devo tirar-lhes o espartilho, as armas. A vaidade é o maior endireitador de colunas que conheço. Chega a levantar o queixo, empinar o nariz. Mas um pequeno inseto que de tanto insistir conseguiu escalar a tela do meu computador, por vezes escorregou ao princípio dela, enquanto eu lia a “A arte de ter razão” de Schopenhauer, chegou à barra de ferramentas e estacionou. Deteve-se sobre o ícone de ajuda do BrOffice, assemelhado à boia do distintivo do Corinthians, tornou a deslizar tela baixo, e quando tornava ao topo, vacilava entre um e outro botão. Perambulava pela barra e lá longe do ajuda, sobre o pincel desanimou-se e deixou-se cair até a barra de rolamento. Quando eu menos esperava, pois prestes que estava, a ponto mesmo de entender o quê da razão pura, lá estava ele às voltas com o ajuda, enamorado, creio e eu cúmulo da maldade, como um deus menino, mudei para o Google. Aqui chego, ao umbral da ausência, coisa acabada e ela convida-me a cruzá-lo, indica com seu olhar, sua calma, uma cama e uma alma simples como se, travesseiro e lençol feitos de algodão quase azuis de tão brancos. Deito-me e seus carinhos me fazem pronunciar um sim.
14 de abr. de 2011
Ode a uma puta: Vivian.
Acabara de sair dum deserto sexual, como todo deserto no meu havia seus oásis, certo é que ou lavava o pó ou bebia uma conchada de mão d´água, para ambos não dava. Sedento, busquei-as. Envolvia olhares, posturas, interesses e desinteresses, premeditação e seus agravantes, gerar superioridade de armas tudo ao mesmo tempo e toda a sorte de eventos de uma narrativa e antes de tudo devia confiar no autor da trama, no enredo, no personagem e por fim no desfecho e um pouco antes ter o sangue frio mais alemão do mundo. Mas o uso do cachimbo entorta a boca. Entre ligar e não ligar, não liguei. Fui dar uma volta na praça do Pará. Não restou dúvidas. Era ela, a mulata magra. Vivian. Custava uma pizza de tomate seco, com alcachofras e presunto cru. E foram todos os dias de um longo outono. No começo não me beijava. Mas eu tanto fiz. Lhe inculcava que era esta a própria razão da boca, fechar em uma união circular, embaixo e encima. E que nada tinha a ver em estar apaixonado por ela, coisa que não estava, dizia. Cheguei a ler-lhe um trecho, que suponha, de Platão. Ai ela falou que eu não tinha coragem de sair com ela para ir pela noite como se fosse seu namorado e eu lhe disse que sim que topava e no dia seguinte fui buscá-la ela tinha colocado um par de lentes de contatos azuis que eram para combinar com os meus que ela tanto gostava de olhar mas que era a única coisa bonita que eu tinha eu lhe disse que tinha mais coisas bonitas que ela só podia ver pelo espelho ela demorou a entender mas quando entendeu me deu um beijo na boca dentro da padaria Romana nesse momento as coisas já saiam por uma pizza de mussarela.
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