1 de mar. de 2011
Café e Cigarro.
...fugia da Itália, um fracasso amoroso e laboral. Na ferroviária milanesa havia enchido minha garrafa térmica de café e provido de cigarros. Trazia a mala cheia de roupas sujas, quando não amarrotadas, eu mesmo também, cabelos desgrenhados. O trem noturno cruzava a Suíça. Despertei quando o trem saiu do túnel, este podia ter seu início na noite anterior, mas seria só poesia, fui despertado primeiro pelo fiscal, um suíço, ora, sim com bigodes. Pediu-me o passaporte chamando-me: senhor. Olhava-me e conferia-me em minha foto, reiteradamente, quase vício cinematográfico, da década de 70. Constrangeu-me ao mirar minha equipagem. “ O senhor vai trabalhar na Alemanha, sim!” afirmou ironicamente esperando minha negativa e eu atento à paisagem colossal rente ao vidro da janela embaciada, a poli-la com punhos de pulôver. “ O senhor tem ideia melhor? Indaguei-lhe com a salvaguarda de não ter os lábios finos. Ele fechou o passaporte, mas já ia a rir, sem derisão. Isso levou-me a ascender o cigarro antes de tomar o café. Ele sentou-se diante de mim e lhe ofereci cigarro. Ele exclamou: Oh! Galoise sem filtro! Muito bom. Quer café ? Eu. Oh! Café! Ele. E conversamos; café nós, cigarros nós, mulatas ele, Rio ele, Pelé ele, canivete-suiço eu, caipirinha ele, café nós e cigarros nós, contas secretas eu, cigarro eu e cigarro ele, fumaça nós e montanha com neve a Suíça... esquecer de conferir a minha passagem ele, e na primeira estação depois da fronteira desceu. A porta se abriu e um senhor que não sabia se entrava e se livrava do impermeável ou faria isso antes, e ao mesmo tempo olhava para o signo gastado acima da porta e pensou ter visto “não fumadores”, quando era “fumadores”, e assim metade dentro do impermeável, metade dentro da cabine, um olho no logotipo, um olho na fumaça ziguezagueante do meu galoise disse-me: senhor não se pode fumar neste vagão. Levantei-me e logo que ele desobstruiu a porta e sem sair-me, todo, fixei-me no letreiro e disse-lhe: senhor, raucher. Das ist gut! Exclamou ele. Também sinto, então, fumemos. Disse eu e ele aceitou café e cigarro. E fomos e falamos e fumamos, café que se acabava, até que chegou a fiscal do tramo e pediu-nos o bilhete. O dele devolveu lho a mim disse que faltava que pagasse um complemento, que meu bilhete era de segunda classe e o trem de primeira, mas só cobraria o tramo alemão afinal o senhor pode ter pago à companhia suíça a parte suíça do suplemento, ou qualquer outra possibilidade e eu trabalho para a alemã.
28 de fev. de 2011
Tabaco.
Era uma manhã em meio uma nuvem de moscardos, quando seu avô paterno lhe ofereceu um cigarro de palha para afugentá-los. A troca de sorrisos. O frou-frou das folhas do berinjelal. O silêncio. O menino pensou na proibição reiterada. Mareara! O avô se tirou do lábio inferior um fiapo de tabaco antes de falar. - Não tenha medo - disse sossegadamente. Na segunda tragada o mareio decresceu em intensidade, e ai pode plasmar melhor o prazer; tecer o que encerraria as razões poéticas da quietude, do segredo e do sigilo do avô. Se sentia desenvolvido, o câmbio pelo rito e de ritos e dogmas como seus próprios e excepcionais pensamentos; um misterioso processo estelar. - A vacuidade aguarda certamente a todos que urdem mistificações – disse o avô. Ele pensava em desarmes, não exatamente em ameaças ou chibatadas que são coisas das hostes dos Santos Saudáveis. A sombra do chapéu, o sol em contra o impediam de ver no avô os olhos azuis, os via de memória. As lâminas de tabaco soltas na palma da mão, o lento esboroar dos mesmos dedos que ligam e as enrolam na palha, uma flama e a fumaça iluminava aquele rincão. A cara esquálida, debaixo do chapéu, do menino se agitou e escapou autêntico ou uma versão autêntica, se vestiu de noivo, compadre, véu, flores-de-laranjeira, de lideres desaparecidos, de traidores, nunca selvagemente, acercou-se do mar, da orla, pisou na areia molhada, viu seus pés, lentamente, afundarem na terra palpitante, viu o cadáver inchado de um cão-sem-dono cheio de vermes. O fez que vi. O juro. Mas não sei se aqui.
27 de fev. de 2011
Por que não deste um raio, brando, ao teu viver?
Aproveitando um bloqueio deixo um poema do baiano Pedro Kilkerry musicado por Augusto de Campos e Cid Campos em Poesia é risco.
Agora sabes que sou verme.
Agora, sei da tua luz.
Se não notei minha epiderme...
É, nunca estrela eu te supus
Mas, se cantar pudesse um verme,
Eu cantaria a tua luz!
E eras assim... Por que não deste
Um raio, brando, ao teu viver?
Não te lembrava. Azul-celeste
O céu, talvez, não pôde ser...
Mas, ora! Enfim, por que não deste
Somente um raio ao teu viver?
Olho, examino-me a epiderme,
Olho e não vejo a tua luz!
Vamos que sou, talvez, um verme...
Estrela nunca eu te supus!
Olho, examino-me a epiderme...
Ceguei! ceguei da tua luz?
mendimultipliorganiperiodiplastipubliraparecipro
rustisagasimplitenaveloveravivaunivora
cidade
city
cité
augusto de campos
Agora sabes que sou verme.
Agora, sei da tua luz.
Se não notei minha epiderme...
É, nunca estrela eu te supus
Mas, se cantar pudesse um verme,
Eu cantaria a tua luz!
E eras assim... Por que não deste
Um raio, brando, ao teu viver?
Não te lembrava. Azul-celeste
O céu, talvez, não pôde ser...
Mas, ora! Enfim, por que não deste
Somente um raio ao teu viver?
Olho, examino-me a epiderme,
Olho e não vejo a tua luz!
Vamos que sou, talvez, um verme...
Estrela nunca eu te supus!
Olho, examino-me a epiderme...
Ceguei! ceguei da tua luz?
CIDADE CITY CITÉ
atrocaducapacaustiduplielastifeliferofugahistoriloqualubri
mendimultipliorganiperiodiplastipubliraparecipro
rustisagasimplitenaveloveravivaunivora
cidade
city
cité
augusto de campos
25 de fev. de 2011
Vontade política.
O mundo pode estar a desabar que Vicente Golfeto evoca o mallarmismo, mas podia ser a estupidez laplaciana para dizer: o movimento é binômio vetorial; sugerido pela sucumbência concorrente e livre no espaço euclidiano, entre objeto que fricciona-se com o meio que sofre a ação. Daí ser o movimento: o que resulta da reação do atrito que impede a ação atritiva que impulsiona. Já na Grécia dos homens pensantes montados em homens-cavalinhos, como o Prudêncio brascubano, sob as colunatas da Stoá praticavam austeridades inamovíveis. Zenão era econômico – todos somos economista, outros são palpiteiros - Ah! Zenão era tão econômico que deixou poucos seguidores. Seguidor é o mesmo que discípulo, que é o mesmo que sectário, é mosca na lesma lerda e por último é mimetização, que vem do grego mimetes – com carinho - já tiromante veio do grego turós queijo + mante, prever o futuro usando um queijo. É carnaval.
24 de fev. de 2011
Aforismo: Morrer é circunscrever tempo e espaço em nossa insignificância.
É certa a universalidade do tempo, sua distributividade democrática, sua ubiquidade. O tempo está em continua expansão, é a sua fraqueza. Sem conseguir montar o silogismo necessário, só me resta avançar e dizer que junto com o espaço são as únicas matérias, a não pertencer ao regime de escassez do nosso mundo. Outra qualidade da dupla é a indexação de um em outro. O tempo por não escasso, deveria nos corresponder infinitude. Acontece que capturamos um braço do tempo. Este braço capturado que não se reintegra ao corpo universal do tempo é um esgarçamento. Tal acontecimento é um confinamento. Confinamento de um em outro. Com o confinamento, espaço e tempo, deixam de se expandirem. A ponto de deixarem de existir. O que explica a morte. Espaço ou tempo quando universal pode em sua dilatação dobrar-se sobre si,o que explicaria esse déjà vu.
22 de fev. de 2011
Juízo final ou a eternidade da morte.
Laura está dentro do vitral, melhor dito, na própria luz que o vara. A luz a faz fugir de si e dos próprios olhos luzes. Qualquer modo, esse, seus olhos luzes lhe fazem cegar. Então cerra os olhos e há luz. Responde a uma pergunta não feita. Tartamudeia: sim, sou o que sou. A luz por fim: leitosa, mais tépida que aguda. Está dentro do copo-de-leite cheio de leite a não permitir levantar a cabeça e abrir os olhos, por não haver cabeça nem olhos senão a ideia do leitoso branco, dentro dos olhos, sendo os próprios olhos lácteos. Nem silêncio ou ruídos. Nem luz. Laura não ouve o juíz, se defenderia, nem o pensamento existe, a dar voz ao juíz, ou defesa; apenas a névoa, e por toda parte, nem sabe se alguma pergunta, nuta lentamente, entre um século e outro, bafeja o cristal antes baço, sim o fim, um sopro. Os séculos estacionam, amontoam, perturbam-se entre uma não-pergunta e não esta. A luz no lento abrumar,se descobre do chapéu, gentil e demoradamente,recomenda. Saúda malandramente. Imêmore enleio de séculos. Nunca completamente nem no fundo do mar o dado naufraga o azar.
21 de fev. de 2011
Meu livro.
Há tempos passeio a veleidade de escrever um conto longo. Uma novela. Criei a personagem principal. Dei-lhe ares positivista e iluminista. Decidi que sua tragédia não é ser priápico, tampouco a alteridade, mas ao fim e ao cabo penisca.
Sua industria é desumana, e a executa com fervor patológico e ao final morre, para não nos matar a todos. Mas antes nos dará muitas dores de barriga e principalmente prisão de ventre.
O problema estava em como começar. Estritamente: Aquelas cinco ou dez linhas iniciais.
Há pessoas que me sugestionam e só depois me dou conta. Borges encontrava em Don Quijote um desses começos inesquecíveis:
En un lugar de la Mancha, de cuyo nombre no quiero acordarme, no ha mucho tiempo que vivía un hidalgo de los de lanza en astillero, adarga antigua, rocín flaco y galgo corredor. Una olla de algo más vaca que carnero, salpicón las más noches, duelos y quebrantos los sábados, lentejas los viernes, algún palomino de añadidura los domingos, consumían las tres partes...
Sendo facilmente influenciável gostava de construir um começo digno. Assim a cada dia me punha diante da tela a pensar e de repente estava lá eu a fazer rasta na sobrancelha. Até que resolvi plagiar Machado de Assis e criar um narrador rumiando coisas do passado, retomadas pela memória que não mente e nem falseia, mas esquece, a bem do leitor, e não é que o cara fica sentado diante da tela branca do BrOffice tirando ouro do nariz!
Sua industria é desumana, e a executa com fervor patológico e ao final morre, para não nos matar a todos. Mas antes nos dará muitas dores de barriga e principalmente prisão de ventre.
O problema estava em como começar. Estritamente: Aquelas cinco ou dez linhas iniciais.
Há pessoas que me sugestionam e só depois me dou conta. Borges encontrava em Don Quijote um desses começos inesquecíveis:
En un lugar de la Mancha, de cuyo nombre no quiero acordarme, no ha mucho tiempo que vivía un hidalgo de los de lanza en astillero, adarga antigua, rocín flaco y galgo corredor. Una olla de algo más vaca que carnero, salpicón las más noches, duelos y quebrantos los sábados, lentejas los viernes, algún palomino de añadidura los domingos, consumían las tres partes...
Sendo facilmente influenciável gostava de construir um começo digno. Assim a cada dia me punha diante da tela a pensar e de repente estava lá eu a fazer rasta na sobrancelha. Até que resolvi plagiar Machado de Assis e criar um narrador rumiando coisas do passado, retomadas pela memória que não mente e nem falseia, mas esquece, a bem do leitor, e não é que o cara fica sentado diante da tela branca do BrOffice tirando ouro do nariz!
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