21 de fev. de 2017

A transparência.

A transparência.

... sua voz era tão pura como suas palavras, disse: “Eu sou a Transparência, a única Virtude deste Tempo e do que virá. Rogo à Discrição, à Reserva, à Modéstia, ao Respeito, que se retirem amavelmente, porque seu tempo passou... Eu sou a Transparência, a nova Trindade: a Verdade a Inocência e a Beleza. Eu sou similar à imagem, sou a imagem; sou similar à luz, sou a luz, o sol, o desvelo do oculto, o desmonte dos mistérios, rompo as mentiras, retiro as máscaras.”
A Coragem se adiantou, e animados com seu exemplo, fez o mesmo a Justiça, a Caridade, a Solidariedade. Juntos se inclinaram ante a mais brilhante das Virtudes. A Transparência os atravessou com seu olhar fulminante e continuou com seu brilhante discurso.
Olhem-me e afigurem-se a mim. Quero que vossos corpos, corações, amores, patrimônios sejam maravilhosamente transparentes. Quero que aprendam a ser honestos, a não guardar nenhum segredo, manter a porta aberta, transparentes como o cristal, o gelo, as estrelas. Quero que aprendam a desconfiar de vossos sonhos, de vossos sonhos poéticos, artísticos, imaginários, partidários de tudo que conduza à mentira. Olhem-me! Eu sou Verdade, terrível e maravilhosa, que não tolera a mais mínima sombra. Sou a perfeita inocência que denuncia a todos os culpáveis. Eu sou a verdadeira Beleza, que retira todos os véus e que se confunde com a luz”.
Por fim, a Transparência levantou seu dedo, o dedo da verdade e os aproximou de seus olhos ardentes e finalizou:” Não se equivoquem, senhoras e senhores, sou a palavra mais bela dessa língua, a última Virtude deste tempo. A que enterra todas as demais.”
Jean-Denis Bredin. Discurso sobre a virtude. Na academia francesa em 4 de 12 de 1997.


Explode a casquinha da noz, já não quero me chatear com essas tolices

Explode a casquinha da noz, já não quero me chatear com essas tolices. Meu pedido é parar de falar deles, deixa-los no seu mundo xarope e espantoso, com seus sapatinhos bem postos a comer bosta, com seu falso ideal de mercado e mercadoria que não nos leva a nenhum lado, nem a final incerto. E continua o muar a viver nos atrasos de um suposto séc VII, que só nos dão por acaso garantias de mais gerras e heróis sem causas, e esse meteoro peregrino de merda que bem podia cair e não cai.

resignações

Resignações.

Numa entrevista Borges disse que o poema da traição é mui lindo. E recita uns versos (Wilcock):
Y se besaban enla boca, audaces!
Junto a mis libros, junto a mi retrato
celebrabab su erótico contrato,
tal vez desnudos, tal vez locuaces!

E logo observa: “un mal escritor no hubiera podido escribirlos, Huviese desechado contrato como término comercial; y erótico contrato lo hubiera asustado como cacofonia, que es apenas visual. Como escribiria el ultimo verso un tonto? Tal vez desnudos, y talvez vestidos. ( Ibarra diria: no puede poner vestidos, porque tiene que rimar com audaces. El genio no esta para pavadas y se resigna a escribir locuaces) Ibarra creia que todos los aciertos se debian a resignaciones”


Escrevia um conto, lentamente, com as dificuldades naturais do estilo. Sofria do excesso de influência daquele conto famoso, onde um apartamento, um circo e um coliseu

Escrevia um conto, lentamente, com as dificuldades naturais do estilo. Sofria do excesso de influência daquele conto famoso, onde um apartamento, um circo e um coliseu se incendeiam ao mesmo tempo, em seus dois mil anos de distância entre o recente e o remoto. Chegava um momento em que as personagens Laura e Donato não se moviam. Perderam o interesse por aquela briga. Olhava para eles, e de fato tinham mudado. Lembro de ter ido dormir e os deixar ali, sentados num sofá, numa sala com taças de vinho e garrafas partidas. Com gritos presos a esguichar como sangue pelas gargantas abertas. A espera que se matassem com cacos de vidro enterrados como lanças e o sangue derramado se misturando ao vinho que empapava o tapete. Quando acordei, ia alta a madrugada. Tudo estava arrumado. Os cacos de vidro no lixo. O tapete seco. E eles desfaleciam nus sobre o sofá. O pequeno cão lambia seus pés. Com grande esforço os colocava novamente em rota de colisão. Meu único leitor até então era Grouxo, o sobrinho maranhense, que se aproveitava de meus cochilos e siestas para atormentar

O Néscio só avisa do perigo, quando este já se consumou! Olha a faca! Amanhã não tem feira! Não tem mais confusão!

O Néscio só avisa do perigo, quando este já se consumou! Olha a faca! Amanhã não tem feira! Não tem mais confusão!



A gente fala, espera, teme tanto a Morte Mas quando ela chegar, já teremos ido. Melhor esquece-la.

A gente fala, espera, teme  tanto a Morte
Mas quando ela chegar, já teremos ido.
Melhor esquece-la.

Só você a vê Mas gosto que esteja aí Agora Vê Cuidada Cicatriz

Só você a vê
Mas gosto que esteja aí
Agora

Cuidada
Cicatriz.