Ali
está uma centena de pássaros, pardais e sanhaços,
agitando as asas antes da chuva e olhando pela janela da casa 255 da
minha rua, janela dos fundos, visão de um hectare de céu,
bairro San Leandro, Distrito de Bonfim Paulista, Brasil. Doravante
referido como Distrito. Pássaros de olhos incrivelmente
pequenos, como aquela vez que o vizinho da frente veio falar comigo,
e não levava os óculos. Uma cara imensa e olhinhos
infantis de pardal. Pássaros de bicos tão pequenos e
delicados como o de uma menininha que tenta tomar água do copo
e não quer virar o copo e aperta os lábios que se
comprimem num “v” como se desse um beijinho.
De
repente entrou Bittencourt( sobrenome escrito com maiúscula)
de sexo masculino com RG e tal e coisa, maior de idade, que
doravante chamaremos Macedo, ensaboa o sovaco, os braços e o
dorso sem deixar de pensar numa mina de óculos, e se dá
conta que gosta muito dela. Na realidade já se deu conta
disso faz um tempinho, mas do que ele agora se dá conta é
que este fato é chamativo porque o dia que a conheceu se
recorda de que parecia tão, mas tão feia, realmente.
O
bando de pássaros que está a janela tem algo de
formidável, porque me remete ao never more daquele corvo que
quer entrar e permanecer na porta de tua cabeça para te
torturar permanentemente a alma pelo resto de teus dias, mas pode
ser o contrário, sua atitude admite que o santifiquemos, ave
da família dos não sei o quê, que vem a te pegar
sem piedade para levar-te até a imortalidade.
Bittencourt
não se deu conta de os pássaros estavam voando ao lado
da janela porque estava na ducha, inclusivamente do fato de ter
tocado o telefone faz algum tempo e não escutou. Bittencourt
está se enxaguando, se cheira as axilas para ver se está
suficientemente limpo. Agora lava os pés e os tornozelos, Ah!
E os joelhos. Segue pensando na moça de cabelos vermelhos e
óculos de tartaruga que era feia, mas cuja recordação
agora o excita e se lembra da camiseta que levava vestida hoje e que
a marcava seus seios.
Os
pássaros seguem na janela parados no vôo como um
helicóptero ou como um beija flor ou como Dario. Sobem e
descem somente fazendo variar a variante “z”. Batem asas assaz
rápido, não param nunca. Não os entendo, pois a
inação leva ao desastre, veja o meu país, se bem
sei os pássaros parecem bobos, mas tem lucidez nisso, igual
andar de bicicleta e rodar os pedais para trás quando se para
e assim se mantem o equilíbrio, igual boiar dando uma braçada
mole para não afundar.
Bittencourt
fechou o registro, e assim acabou-se o feitiço das gotinhas
que lhe caiam no rosto. Quando se desliga a ducha é que se
percebe o barulho infernal que ela faz, um ruído, se se presta
atenção, que dá calma necessária para se
livrar das preocupações. Acabado esse feitiço,
acontece outro bem diferente, que é o silêncio sacro de
se secar com uma toalha felpuda e macia, primeiro a cara, o cabelo, a
nuca e logo por toda a geografia seus interstícios, baias,
insulas...
Agora
percebo que o bando de pássaros também tem presente um
bem-te-vi. Meu deus, agora parece que estão se agredindo e
atacam vidro da janela com seu biquinhos. Acho que querem voar dentro
da casa, mas penso nas coisas que fariam se os permitisse, um
alvoroço de penas por toda parte, lençóis
revolvidos livros caindo como dominó das estantes, e eu teria
mais trabalho para descrever essa algazarra, ademais que não
sei a mair parte das palavras que se referem a tipos de vôos,
apesar de ter lido fernão capelo gaivota.
Bittencourt
pisa os ladrilhos do banheiro, já saiu do box, mais ou menos
seco, dá para saber pelos cabelos que se aglomeram, o espelho
está cheio de neblina condensada. Bittencourt está
atento a sua pele e a algo mais que as tetas da moça de
óculos. Os atos de banhar-se e de secar-se são
extremamente introspectivos e sair do banheiro é um processo
de despertar e entrar novamente em contato com a realidade de que
ninguém está só.
Por
isso, Bittencourt agora escuta os bicos bicando os vidros da janela,
mas não sabe o que é e que porra é essa? Pensou
que chovia granizo, mas o tempo não está para isso,
logo ficou com um pouco de medo, pode ser que alguem entrou e esta
roubando a casa. Então se assoma à porta, ainda que o
faça devagarinho, para não molhar toda a casa, e quando
olha vê que é o bando de pássaro bicando o
cristal, que caralho é isso! E se lembra de algumas histórias
conhecidas de livros de filmes, não é comparável,
porque isso é sério, e fica com medo que os pássaros
quebrem o vidro.