18 de jun. de 2016

Mosca no copo de cerveja.



Uma mosca voava pelo bar do Guinô, guinorante. Não é uma coisa difícil de acontecer, já que há um galinheiro ali por perto. Nem sei se galinheiro atrai moscas, suponho que sim, isso para não botar defeito no asseio do bar dos outros. Enfim, havia uma mosca rondando. O Magnata, o mecânico do meu fusca, é um sujeito vivido, “atrapaiado” e levado da breca me disse: o que faria se a mosca caísse no seu copo de cerveja? Fiquei pensando. De pensar morreu o burro disse ele e foi logo dizendo:
Se fosse no copo de um italiano, ele armaria logo um barraco, um escândalo, um forfé. Concordei.
Se se tratasse de um alemão, este pediria outro copo, esterilizado, bitte! Concordei na hora.
Se fosse de um francês, meteria o dedo no copo, tiraria a mosca e beberia a cerveja. Bem sacado, disse.
Se fosse um chinês, comeria a mosca e jogaria a cerveja fora.
Caguei de rir.
Se se tratasse de um cubano. O cubano beberia a cerveja com a mosca e tudo, acreditando que estava recebendo uma mosca de favor de Fidel. Pensei o mesmo de um monte de gente. Mas caiu bem.
Então me perguntou, e se fosse um judeu? Te juro que supus, mas deixei para ele mesmo responder, então ele disse: o judeu venderia a cerveja ao francês, a mosca ao chinês, o copo ao italiano e pediria um chopp com o dinheiro da venda e desenvolveria um sistema para acabar com as moscas do bar do Guinô, para que isso não acontecesse mais. Caguei de rir.
Então perguntei: e se fosse um brasileiro? Ele riu e disse: um coxinha acusaria o governo do PT de emporcalhar tudo, e faria tanto alarde que sairia no jornal da eptv do meio dia, seria capa da veja com uma mosca lula zumbindo pra lá e pra cá, enquanto os petralhas tentariam explicar que a mosca já havia pousado em outros copos, e um outro tipo, mais experto, já teria chamado o garção e diria que não pagaria a conta por conta daquela mosca horrenda que caiu na cerveja. E dê-se por feliz por não entrar com uma ação de perdas e danos....


Xico ãÃo, os gatos veem fantasmas.



Primeiro pensei outro nome, Jabberwocky, em homenagem a um poema surreal de Lewis Carroll, que não entendo, mas desisti porque ninguém ia entender o nome, e muito menos a explicação, e tampouco Jaguadarte não teria o mesmo efeito, a menos que empostasse a voz como Augusto de Campos e recitasse:

Era briluz.
As lesmolisas touvas roldavam e reviam nos gramilvos.
Estavam mimsicais as pintalouvas,
E os momirratos davam grilvos.”
A solução saiu do Tamanduá Tão, tampouco fácil, e o gato se chamou então Xico ãÃo. Xico ãÃo, as vezes, me olha fixamente, como se mirasse para o nada. Imóvel. Outras vezes para um ponto escuro no corredor, aonde não há nada e ninguém. Dizem que os gatos podem ver fantasma... Toc, Toc, Toc. Alguém bate com os nós dos dedos à porta. Não tenho campainha. Há muitos moleques fazendo molecagem ao sair da escola aqui perto. Mas tenho olho mágico, e se trata de um casal jovem com uns óculos ridículos, uma pasta cada, e umas roupas, deixa pra lá. São de um tipo de IBGE, dizem e vão direto ao assunto: “ Viemos aqui porque o senhor é um fantasma” e continuam “ dos de verdade”, engulo seco e eles detonam “ vaporoso e que transpassa paredes”. Arregalo os olhos. E voltam à carga “Não sabia?”. Balancei a cabeçorra, “Não”. E eles “Fique sossegado, que o senhor não é o único”. “ Dê graças a deus por não ser um vampiro” disse a moça. “ Seria péssimo para o senhor e os vizinhos, já vimos cada caso... fazem cruz com os dedos sobre os lábios” disse ela e deixou escapar um risinho. Ri ri ri ri!! Volto a ficar nervoso e tentar engolir saliva, que não há. O rapaz me pergunta se tenho notado coisas diferentes ultimamente, coisas estranhas, fenômenos elétricos. Bem, eu disse, quando apago as luzes para dormir vejo umas luzinhas verdes, como se fossem caga-cebos. “Tá vendo!” exclama o jovem e logo apontando com uma caneta no formulário sobre a prancheta. “Resplendor residual de fótons” e explica “ Parte de seu ectoplasma fica preso à lampada e se libera ao apagá-la”. “Miau” intervem Xico ãÃo. É sua hora de comer. Mas se meu gato me vê! Não vêem que ele me vê e pede comida? “Os gatos podem ver e perceber entidades fantasmais” disse a mocinha empurrando os óculos com os nós dos dedos. “Nós o vemos devido às lentes especiais de nossos óculos, que captam a aura electromagnética.”

Pediram meus documentos, anotaram os números e pediram que assinasse no x. Assino e pergunto: Como devo me comportar daqui pra frente?. “Com naturalidade, seja, seja etéreo, passe pelas paredes e coisas assim, divirta-se.” Me deram a mão, e ela disse “ Ui, é como tocar uma nuvem!” e novamente escapou escapou o risinho. Ri ri ri!. Fecho a porta. “Miauuuu” reclama Xico ãÃo, sempre sendo exigente e pontual. Vou para a cozinha varando paredes. Sinto algum gosto de cimento e areia. Tinta látex. Dou comida ao gato. Passo pelo muro, entro pela cozinha do vizinho, que come arroz com salsicha e coentro. Ainda não tenho prática, claro que agora me sobrará de muito tempo.  

Mudança Climática. Clímax.

Mudança Climática.

Há duzentos anos não houve verão para os europeus. Um ano antes de 1816 o vulcão Tambora produzia a maior erupção na história da humanidade, na Indonésia. As nuvens de cinza e enxofre lançadas na atmosfera se espalharam pelo mundo e no hemisfério norte bloqueou a luz solar. Por toda a Europa se produziu geadas naquele junho. Na América do Norte o milho não granou pelas baixas temperaturas, provocando fome e morte. Nesse ano, Edgar Allan Poe viajou para a Inglaterra e ao chegar se depara a uma paisagem insólita: icebergs por toda a costa inglesa. Arthur Gordon Pym sofreu influência desta visão gélida.
Um dia, nesse verão que não houve, se reunirão o poeta Percey Shelley e sua esposa Mary Godwin, Lord Byron e seu médico, o doutor Polidori. O encontro se deu em Villa Diodati, mansão de Lord Byron na suíça. Inspirados por aquelas condições sinistras de mal tempo e chuva incessante surgiu a ideia de que cada um escrevesse um relato fantasmagórico. Polidori escreveu “O Vampiro” que inspiraria a Bram Stoker e seu “Drácula”, Byron compôs o poema Darkness, Escuridão. Mary Shelley contou a história de uma criatura tremenda, um tal Frankstein, cujo título era “O Moderno Prometeu”.

Se fizer mal tempo, amanhã, quem sabe crio um desses...  

14 de jun. de 2016

Dia dos Namorados.






Entre eles, o que havia, não passava de sexo pagado. Mas Rud repetia a escolha, por preguiça e hábito, se alguns momentos de ternura, se aviava por somar à confusão daquela equação, a insistir numa igualdade monetária. Entretanto no último dia dos namorados, quando os corpos se apartaram e assim olhavam as estrelas giratórias daquele céu rebaixado, Vivian suspirou profundamente, Rud quis saber com rabo d'olho e foi estremecendo enquanto ela dizia “ Sabe Rud! Hoje, você me fez sentir... sabe... até hoje não havia sentido, uma vontade que vem desde as profundezas de mim, me enche o peito, que não sei bem o que é, sei que é bom, queima o meu rosto e é agradável... me enche de esperanças... me faz sentir...!” Rud tombou a cabeça, coçando o ombro com a barba por fazer do queixo, esperava ver naquele rosto conhecido o laqueado cinismo, mas se deparou com a doçura inquietante e desesperada de lágrimas formando poça no canto do olho.

O Dia que Fiquei Negro.


Hematoma!
Ele disse ele ao médico, tudo começou no campinho, 'na pelada' da semana passada, numa bola alçada pelo goleiro deles, que vinha na minha direção, descreveu a parábola costumeira, e antes de seu ponto de inflexão, fui tomado de antiga fantasia, não outra que a de dar uma matada à Ademir da Guia... o corpo todo inclinado para frente, o pé de apoio na vertical o outro recebe a bola, ela primeiro tangencia meu peito e assim segue até o pé que se afasta, alinhado com o corpo, afastado, o pé recebe a bola como se fosse uma colher e com ela ali presa e assossegada se desloca para trás para não haver rebote. Enquanto sonhava, o brutamontes do Dudu pisou no dedo mindinho. A unha não caiu, mas ficou negra na hora, ou preta se preferir. Segui as instruções do arrependido Dudu: água quente, gelo, beladona e enfaixe.
No dia seguinte, quando tirei a faixa, todo o pé estava preto, ou negro se preferir. Continuei com as compressas, que o Pedrão da farmácia, um farmacêutico prático recomendou. Trabalhei todo o dia e ao voltar para casa e ir à ducha, estava negro, preto até o umbigo. Não tinha coragem de me olhar. Não sentia dores, mas tomei diclofenaco, 'na dúvida' como disse Júlia e carinhosamente me recomendava repouso, enquanto me acariciava para me acalmar. Havia algo diferente em Júlia, um ligeiro contentamento mal disfarçado. Aqueles cuidados, aquela atenção de quem tinha mais a dar que sugar, fizemos amor, algo diferente acontecia. Dormimos. E voltamos ao sexo na madrugada, ela irradiava prazer. Ao despertar outra vez nos amamos, e foi quando vi que estava, assim! Como vê, totalmente negro. Mas, e ela? Perguntou o doutor. Ela! Repeti. Sim ela. Bem! Ela disse: 'Mor! Vai ao médico, peça uma semana de atestado! Vai!

13 de jun. de 2016

De Golpe, Um Golpe de Morte


Umas
Armas
Urnas
Almas
Desalmadas
Desarmadas
Desumanamente
Uma alma um voto
Uma arma derrota
Uma urna uma alma
Devota
Humanamente
Uma alma na urna
Uma arma uma a uma
Uma Descarga
Descarna

10 de jun. de 2016

Exílio Cultural.

Tenho uns amigos de esquerda, humanistas, que detestam a palavra Civilização, e mais propriamente Civilização Ocidental. O fato é que não nascemos civilizados, seja ocidental, oriental ou pré-Cabral. Temos que nos educar. Havemos de educar nossas crianças. Sem essa educação, digamos ocidental que é a nossa, que teve seu amanhecer lá na Grécia, não há como dialogar. Como uma pessoa que não lê, não leu, não foi educada irá dialogar – trocar (interlocutores) opiniões, comentários etc., com alternância dos papéis de falante e ouvinte; conversar. – se ela está exilada da cultura ocidental. Se não entende o grande diálogo da nossa cultura. Temos que ler, ainda que não haja nenhum livro indiscutível ou sagrado. O único sagrado é o diálogo. Se os jovens são privados de acesso a esta grande conversa cultural, eles não serão outra coisa que estrangeiros da própria cultura. As chaves são aprender a ler, escrever, falar, escutar, compreender e pensar. E pode muito bem ser a tarefa de uma vida inteirinha, qualquer uma delas. Porque todas são difíceis e as dificuldades não nos dão nenhum privilégio. Ao trabalho.