21 de fev. de 2017

A impossibilidade de se entrar em contato direto com a realidade.


A impossibilidade de se entrar em contato direto com a realidade. Como se cada individuo tratasse de resguardar a realidade na sacralidade. Bom, se isso já era difícil quando o contato era intermediado unicamente pela linguagem, seja a fala. Nesse momento estamos diante de um instrumento, uma ferramenta.



Não dá para tomar partido sem correr o risco de alimentar uma mentira.
Mundo que vivemos, em que

domínio do fetichismo das coisas sobre as coisas em si.

O homem não pode se ver no espelho. São muitas camadas de fantasias.

Domínio da fraseologia sobre a palavra.

Domínio da idolatria sobre sobre a mirada.

A fraseologia.
Não há substituição Cultura da imagem pela da palavra. Oclusão.

liberdade civil. Verdade, beleza, conhecimento. Livre dentro de um labirinto?

infarto

A única seqüela do infarto era o medo de dormir, acordava sempre em meio a noite, provável que fosse para se certificar da vida. Mas naquele dia o medo havia crescido tanto que sequer pegava no sono leve. 

A Barca de Caronte


A Barca de Caronte, porque também há a barca de Flégias.

A lua traça seu rastro trêmulo nas escuras águas do lago. Caronte, aguarda diante da enorme proa em forma de cunha. A barca cabeceia bruscamente pela ondas, sacudindo os marejados passageiros que se apertam como sardinhas a bordo. O velho barqueiro discute com um guerreiro que ainda esta vestido com sua armadura ensagüentada e o pescoço varado por uma lança:
_ Não e não, Heitor! Por mais heróico que fosse em Tróia, não posso te deixar embarcar sem pagar o óbolo, aliás, como toda gente.
_ Caronte, meu velho, os aqueus amarraram meu cadáver ao carro Aquiles e me arrastaram. Disse Heitor, e suponho que foi ai que perdi o porta-moedas. _ Sinto muito. Já deixei muita gente embarcar na carteirada, como Hércules e me custou um ano de cadeia comum, porque sou filho de Nix, um semideus. Isso aqui é uma democracia com suas normas, regras, leis e não uma satrapia aonde todos fazem o que sai da cabeça do quepensacomoquefazfeder. _ Oh, Heitor! Se na barca de Caronte quer viajar, um óbolo terá que pagar. Cantam em coro umas mulheres com longas túnicas negras. _ Helas, já ouviu o coro grego! Então, Caronte aponta com a pá do remo para a praia, terá que vagar durante cem anos pelas margens do Estígia, então subirá grátis na barca. São as regras. Vamos, pista!
_ Não há mais direitos, nos tratam como gado! Diz Psiquê vomitando pela borda do barco. _ Se não está contente vá nadando, senhora! Caronte repara em um novo passageiro, um homem de aspecto solene que veste um manto de linho egípcio.
_ Isósceles! Não te esperava tão cedo, homem!
_ É, logo agora que acabei de desenhar esse triângulo tão cult... se lamenta Isósceles, enquanto deixa o óbolo na mão esquerda de Caronte. Heitor foi se afastando cabisbaixo e quando comprova que ninguém o observa se esconde aproveitando a sombra vinda de uma ilha ao fundo. Dali distingue um homem vestido com camisa aberta no peito e calças de linho escuro. Antony Quinn, o ator. Sim, amigo. Zorba o Grego! - dança uns passos de sirtaki, parece que soa Mikis Theodorakis. _ Não lembra? Caronte lhe fixa os olhos com aspereza e com cara de poucos amigos parece não reconhece-lo. Veja, Caronte, foi tudo tão repentino. Estava no estúdio e ... bem... Quinn fuça nos bolsos, porra! Acho que não tenho moedas!
Nisso, Heitor aproveita a distração de Caronte. Entra na água e se agarra à uma corda e de um salto ágil cai na popa e se esconde detrás do timão. E dali ouve Caronte vociferar: Volto a repetir e repito quantas vezes seja necessário, que não senhor Quinn! Que não aceito Elo, nem Visa e nenhum cartão de crédito!




O progresso em retrocesso. Volta pela pena negra asa que matança brutal se alça e longe de arredar-se, branca brasa adaga e bainha, cu e calça.


O progresso em retrocesso.
Volta pela pena negra asa
que matança brutal se alça
e longe de arredar-se, branca brasa

adaga e bainha, cu e calça.   

O que é a estupidez?


Antes de mais nada, não sei o que é, e reclamo Eclesiastes: “Vãs vaidades. Tudo é vaidade. “.
Sem precisar ir mais longe, quando se fala de sabedoria se diz:
só sei que nada sei”,
que é um exercício de humildade, o mesmo faz-se necessário sobre a estupidez, que é um modo de não ser estúpido, deixando, é claro, a possibilidade de o ser. Afinal, nada mais estúpido se mostrar sábio, tanto se é quanto se não é, o mesmo vale para a estupidez.

Quando se deseja não há nada estupido, e se o desejo é cego, ainda menos. Mesmo se Você se submeter aos caprichos de uma vedete sem escrúpulos, nem assim. Quando se ama não há nada de estúpido, porque se está no âmbito donde não há inteligência, ingenuidade, maleficio, bondade, nem o econômico, nem o errado, o certo, o excesso, pois não pertence ao mundo do raciocínio.
Segundo Carlos M. Cipolla em “Allegro ma non troppo”, não podemos sequer suspeitar a infinidade de estúpidos que habitam o mundo, “stultorum infinitus est numerus “. Inclusivamente, se pode ser um deles, fato agravado pela concepção ontológica de Cipolla, que o estúpido o é por pura natureza, sem ter em conta índices do tipo social, cultural, climático: “ se se é estúpido se é para sempre, independentemente dos âmbitos sócio-culturais que se mova” . Segundo Cipolla, estamos forçosamente numa dessas categorias:
Incautos, Malvados, Inteligentes ou Estúpidos.
Define Cipolla: Estúpidos causam danos aos outros sem obter nenhum proveito, benefício, inclusivamente se prejudicam a si mesmos.






Euclides diz: antes de tudo o sertanejo é um forte





Euclides diz: antes de tudo o sertanejo é um forte, e depois descreve este sertanejo como se fosse a mistura de Hércules e Quasímodo. Mais tarde, Guimarães Rosa os define ou os esconde – não muito – sob o manto dos Catrumanos.
Quem penetrou tão fundo o âmago mais obscuro da nossa gens primitiva e rude, não pode reaparecer à tona, sem vir coberto da vasa dos abismos… é isso, os catrumanos são gente inesperada e primitiva. O bando liderado por Zé Bebelo havia perdido o rumo, o alvo da viagem. Para Riobaldo era o começo, a porta de entrada para algo sinistro.“A hora tinha de ser o começo de muita aflição, eu pressentia” .E de repente aqueles homens podiam ser montão, montoeira, aos milhares mís e centos milhentos, vinham se desentocando e formando, do brenhal, enchiam os caminhos todos, tomavam conta das cidades. [...] E pegavam as mulheres, e puxavam para as ruas, com pouco nem se tinha mais ruas, nem roupinhas de meninos, nem casas. Era preciso de mandar tocar depressa os sinos das igrejas, urgência implorando de Deus o socorro


O jornal O jacobino. Esteve por trás de muitos linchamentos





bicho sem focinheira


A transparência.

A transparência.

... sua voz era tão pura como suas palavras, disse: “Eu sou a Transparência, a única Virtude deste Tempo e do que virá. Rogo à Discrição, à Reserva, à Modéstia, ao Respeito, que se retirem amavelmente, porque seu tempo passou... Eu sou a Transparência, a nova Trindade: a Verdade a Inocência e a Beleza. Eu sou similar à imagem, sou a imagem; sou similar à luz, sou a luz, o sol, o desvelo do oculto, o desmonte dos mistérios, rompo as mentiras, retiro as máscaras.”
A Coragem se adiantou, e animados com seu exemplo, fez o mesmo a Justiça, a Caridade, a Solidariedade. Juntos se inclinaram ante a mais brilhante das Virtudes. A Transparência os atravessou com seu olhar fulminante e continuou com seu brilhante discurso.
Olhem-me e afigurem-se a mim. Quero que vossos corpos, corações, amores, patrimônios sejam maravilhosamente transparentes. Quero que aprendam a ser honestos, a não guardar nenhum segredo, manter a porta aberta, transparentes como o cristal, o gelo, as estrelas. Quero que aprendam a desconfiar de vossos sonhos, de vossos sonhos poéticos, artísticos, imaginários, partidários de tudo que conduza à mentira. Olhem-me! Eu sou Verdade, terrível e maravilhosa, que não tolera a mais mínima sombra. Sou a perfeita inocência que denuncia a todos os culpáveis. Eu sou a verdadeira Beleza, que retira todos os véus e que se confunde com a luz”.
Por fim, a Transparência levantou seu dedo, o dedo da verdade e os aproximou de seus olhos ardentes e finalizou:” Não se equivoquem, senhoras e senhores, sou a palavra mais bela dessa língua, a última Virtude deste tempo. A que enterra todas as demais.”
Jean-Denis Bredin. Discurso sobre a virtude. Na academia francesa em 4 de 12 de 1997.