20 de mai. de 2019

Fakenews.


Meu revólver é bem calado, só conhece seis palavras, quase iguais. Sei que no mundo não há duas coisas iguais. Nem gente, nem revolveres, ou as garrafas de Old Parr, nem um Cohiba, nada, mas seria capaz de distinguir meu revólver entre centenas: a empunhadura, o guarda mato, o cão, mesmo que não o tivesse limado para que não engastalhe na roupa na hora da pressa, mesmo assim o distinguiria.
Pode parecer extravagante que o amante de arma de fogo se refugie numa igreja, mas que fazer se Armando Colto me persegue empunhando uma pistola automática de cor preta azulada com seis balas calibre 45 e que - estão gravadas com seu nome - ele me avisa.
Na pressa percorro o altar e salto para atrás dele no momento que Colto dispara três balas cuspindo fogo. Uma rebota no crucifixo e vem deixando um traço pelo chão de mármore, passa de raspão a meu pé direito. Outros outros três estampidos se ouve como resposta, para dissuadi-lo de se aproximar.
Um mão na empunhadura do meu revólver e a outra no punho dela levanto a cabeça acima do parapeito do sacrário. Vejo os olhos pequenos de Armando e demasiadamente próximos um do outro. Ele está ansioso para demonstrar como soa sua automática. Dois tiros e fazem os círios do altar voarem espatifados, soam mais dois em devolução, salto e me escondo no confessionário. Outro disparo e logo se ouve a resposta.
Levanto-me lentamente e avanço pelo corredor central de revolver em punho. Colto joga sua automática entre os bancos por debaixo dos genuflexórios e se aproxima levantando os braços e cabeça baixa, e dançando como faz boxeador sem talento, para tentar mostrar que sabe os próximos movimentos.
_ Contei teus disparos – diz – teu tambor está vazio.
Puxo o cão com força e cuidado, solto-o e o estalido ressoa na nave e o fogo se vê.
O silêncio congela o ambiente, Armando Colto jaz sobre os ladrilhos hidráulicos, mirando-me com expressão de espanto, enquanto a vida se lhe escapa por um perfeito buraco no meio da testa.
_ Ainda me sobram duas, seu imbecil, você contou os ecos também, como quem aposta em fakenews como verdade.



7 de mai. de 2017

Gongora Bufonia.




Aqui jaz o leitor deste epitáfio.

Tatue estas palavras tuas ou lavre-as
livre-as desta larva livro livre 
louve em guitarra sóis que
 sois vós.

Déjà era cigarro por cigarra
aqui jaz se procura sentido pós zunido
não há senão macabro subentendido.


Gongora bufonia converto em górgona.
Anaximandro, quis te converter em espelho
a Impetuosa, andava desperta na gangorra, archè ápeiron

Dominique.

Morto se jaz o cemitério por falta de gnomo
vamos por porto às nossas penas,
pele suave veludo de azeitona verde 


como se migalhas,

Dominique, de nosso piquenique
nique, nique sempre alegre...

2 de mai. de 2017

Medo.

Medo.

O medo é uma mão
que deforma uma superfície
transparente
que esconde um incêndio.
Medo é as luas tenebrosas de Marte.
Medo
medo ao escuro
medo à penumbra
medo à forma escura no escuro
medo à forma clara no escuro.
Medo de descer uma escada que não sobe.
Medo, fumaça negra fazendo argolinhas.
Medo, argolinhas virando garras,
medo, garras de felinos
medo, garras de galo.
Medo, rabo de coelho
o garoto arranhado pela idade.
Tinha dez, doce, quinze?
O homem arranha o espelho
ao ver o menino fiquei gelado.
Gelo que percorre a espinha
quem é o desgraçado que ronca no meu colchão?
É tua imaginação?
Que merda estou fazendo no chuveiro da casa de um desconhecido, tomando banho sem cuecas?
Sorte, foi Você me explicar o sonho, ainda no meio da noite.


O Pedido.

O pedido.


Um casal elegante jantava num concorrido e luxuoso restaurante. O homem levantou sua taça e piscou ao maître, era o sinal combinado. O maître abriu a porta que separava a cozinha da sala e entrou de pronto um violinista tocando umas notas de Gloomy Sunday. Atrás dele vinha uma banda de mariachis que acompanhavam um homem que cantava True Love com a voz de um menino de coral, mas me parece que tardaram muito em castrá-lo. Em seguida vieram três moças vestidas com maiôs de ciclistas, junto a elas um anão num monociclo se contorcia enquanto ia para frente e para trás Um homem gordo de fraque com lantejoulas multicoloridas mantinha oito pratos de louça girando na extremidade de varas flexíveis. Uma bailarina negra fazia malabares com tochas acesas. Quatro saltimbancos atuaram no trampolim e balancim. Três moças asiáticas vestidas com saias rodadas ocultavam e desvelavam seus corpos entre uma onda de bandeirinhas de cores ondulantes. Por fim, um garção se aproximou com um carrinho de sobremesas, e sobre ele um equilibrista do Himalaia, meio semsal.
O silêncio espectante enchia o local quando o homem se levantou de sua cadeira, se ajoelhou e abriu uma caixa com um enorme brilhante diante dos olhos dela, e lhe perguntou:
_ Quer se casar comigo?
Com sorriso laqueado ela se pôs de pé e disse:
_ Não!
Deu meia volta e se dirigiu para a porta oferecendo a visão do decote infinito do vestido em suas costas, onde se viam as marquinhas brancas do biquíni. Um ar pesado parecia percorrer as mesas. Todos os comensais de sentiram, repentinamente, participes e confusos, e dissimulavam seu espanto se ocupando de seus pratos, e o ruído dos talheres sobre a porcelana rompeu o incomodo silêncio. Os artistas se foram, lentamente. O homem fez novo sinal ao maître:
_ Traga-me a conta, por favor. Hoje não comerei sobremesa.


21 de fev. de 2017

Al Dente

Al dente.
Começaram a discutir na cozinha. Quando ficava nervoso, nunca a olhava diretamente, agora tinha o olhar perdido nos passarinhos imantados na porta da geladeira. Jogou o jornal sobre a mesa forrada de plástico. Algumas folhas soltas voaram preguiçosas, como arraias. Ela contraiu as mandibulas e parecia que seus dentes se quebravam, como se mastigasse tâmaras. Um dente caiu no chão. Os dois notaram que haviam perdido o controle da situação. Houve um silêncio longo, incômodo. Ela pegou uma faca. A luz fluorescente iluminava a borda da mesa. Se agachou e pegou o dente do chão. Botou o dente sobre a tábua e com a faca cortou em lâminas muito finas. Esparramou sobre o espaguete, os files de dentes. Amavam o sabor do alho com 'la pasta'.
À mesa, a tormenta já havia passado, entretanto se discutiu se era espaguete alho e azeite, al aglio et olio, como dizem os oriundis. Havia ainda a questão da pimenta calabresa...




pausa para rezar

1787. Discussão interminável no Congresso do EUA. Benjamin Franklin propôs um descanso para 'rezar', quem sabe uma ajuda dos céus desenredasse o assunto! Alexander Hamilton retruca que não há necessidade de ajuda 'estrangeira'! Os dois eram ateus, mas isso não os impediu de assinar a Declaração de independência: “Sustentamos como evidentes por si mesmas estas verdades: “todos os homens são criados iguais; que são dotados por seu Criador de certos direitos inalienáveis; dentre os quais está : a vida, a liberdade e a busca pela felicidade.”

Ubá


...Ubá... havia combinado comigo e disse ao Beto que passaria essa tarde e noite, aqui, só então seguiria, tenho muito tempo, no entanto, quando me dou conta, estou no trevo que aponta para Coimbra, tudo em seguida Ervália e começa a descida do vale para a Serra do Brigadeiro, deveria ter passado a noite em Ervália, afinal estou em férias, ninguém me espera em lugar algum, se seguir assim construo meu finnegans wake só com nomes de cidades mineiras Ubá, Coimbra, Ervália, Canaã, Araponga, Pedro do Glória...Fervedouro, sigo pela estrada a cerzir as margens do pequeno ribeirão, mas se diz Rio Preto, nesse baixadão dessa invernada estreitada entre elevações montanhosas que bloqueiam os raios do sol, fazendo do meio da tarde uma tarde suspendida que de subto escurecerá sem passar pelo entardecer. Os vidros do carro abertos, a temperatura agradável, o som desligado, só o barulho lerdo do motor que me permite ouvir um carcará. O whatsapp silenciado pela ausência de sinais. Dou toda a atenção à geografia, a fauna é a já dita, um carcará, um boi ao longe, um quero-quero, e nada e nem carros no sentido contrário encontro, não quero pensar em coisas ruins, como furar um pneu, então para fugir inclusive do pensamento de temer, finjo destemor, paro num itororó logo após uma das muitas pontezinhas que cruzam o ribeirão. Cruzo a cerca. Caminho pelo pasto uns passos. Desço até suas águas cristalinas. Admiro e fotografo um pequeno cardume de girinos e outro de possíveis lambaris. Com a mão em concha arrisco um gole da água, é doce, tem cheiro doce. Na infância engoli um lambarizinho vivo para aprender a nadar. Não sei se sei. Uma folha de taioba, me serviu por fim de copo. Pensei em Narciso e uma imagem, que não descifro, reflete na água corrente, então tomo coragem e levanto a cabeça, é um boi. No alto da outra margem do rio, ele balança a cabeça com uma mancha branca na testa entre os olhos, sobre o restante baio, a mancha se parece à sombra de um ciclista curvado sobre o guidão. Eu e Ele ambos imóveis, a eternidade de um eco, seus olhos negros e imensos, penso que, me autorizavam. Mas sei que essa gente só é fiável quando ruminam, remediando, tento subir o barranco andando de costas, para que ele permaneça sob mira. Mas não é tão simples. Ele balança firmemente a cabeça, penso que quer dizer o oposto que havia pensado. Agora tenho acesso ao gramado do pasto do lado oposto ao dele. Subo com os cotovelos. Corro até a cerca e deixo parte da camiseta no arame farpado, e um risco nas costa, que tateio com o dedo, arde e sangra um pouco. Quando chego ao carro, percebo que o pneu traseiro está furado. Olho para o boi e vejo que apareceu do nada todo um rebanho que secundam o boi cara de ciclista. Estão na outra margem. Tento manter a calma. Tenho vontade de deitar no chão. Debaixo do carro. Dormir e acordar na minha cama na casa onde nasci. Tiro uma foto e envio com a localização, se por acaso, pelo whats para o Beto que não me abandona, desde lá, Ribeirão Preto, sei que o sinal pode aparecer em qualquer momento e sumir, quem sabe o Beto saiba como trocar pneus, para que lado desapertam as porcas, horário ou anti-horário, não sei se adiantaria de algo, se tento e nem mexe, em nenhum sentido. Deito de frente com os braços cruzados sobre o capô, com o queixo sobre o antebraço miro os bois que ainda estão lá e miram-me. Olho para o boi da mancha branca. Resolvo espantá-los e dou um berro Xoooooo! Não fizeram um movimento. Um torpe batido de pé, sequer. No entanto fui percebendo que se esboçava uma reação lá detrás a empurrar leve e continuamente os da frente, se isso é certo não sei, sei que mergulharam em bloco no barranco do ribeirão, e apareceram compactos à cerca ao lado do passageiro ausente do carro. Olhei para a cerca, frágil, três fios de arame, não poderia conter aquela gente toda. Pulei sobre a chave de rodas, ela rangeu e cedeu, pensamento correto do sentido anti-horário, para desapertar, nada é casual. Não me lembra como foram as demais porcas, sei que soltei-as todas. Entrei no carro, dei partida, e fiz uma careta tremenda para o boi da mancha branca de sombra de ciclista dobrado sobre o guidão, penso que ele sorriu.
Senti um alívio tão grande que só fui descobrir que não trazia o pneu furado, ao olhar pelo retrovisor uns cem metros adiante, para ver com um pouco de saudade o boi com a mancha branca na testa, e vi o pneu no meio da pista. Voltei com tanta segurança que fui à beira da cerca e pude fazer um carinho na cara do boi. Definitivamente, agora partia com saudades, ainda sem partir, permanecia ali, ouvindo tom waits feroz como um cão rosnando. Os morros pelados recortados pelos passos das vacas que se foram e deixaram a trilha, e é sobre essa sabedoria que esta estrada se fez e todas as que virão lá adiante para aonde lanço meu olhar e tudo é pasto em variados tons de verde, muitas vezes no alto dos morros dos morros altos, na sua silhueta umas árvores a fazer crista. Lá longe a serra se apresenta em tons verdes escuros, sigo serpenteando como o riacho, os pastos parecem mais povoados, os morros de cada lado vêm se aproximando e o vale ganha forma de v, as curvas são mais secas, os barrancos roubam a cena. Careço parar em Careço, perguntei como uma criança feliz diante dessa cidade palavra valise. Espreitei um café. Um bolinho de chuva. Tempo ruim para cruzar a serra, pode chover de repente, se acaso, melhor parar, esperar, não nas baixadas, hein! É, sem perder tempo. Vou sem parar. Aquela lonjura, aquele horizonte serrado vem chegando, a lonjura está perto, a serra é um monte, o verde é total, petróleo. E la vou cruzando, curvando, subindo, subindo, subindo, a nuvem escura bem no alto do pico, estou no meio da nuvem, chovendo, descendo, olhando, freando, descendo, freando, descendo. Desde lá do alto o vale visto se apresentava mais verde do lado oriental a vegetação mais alta, mais espessa. Fui me relaxando, e desfrutando da estrada.