11 de jul. de 2016

Kamasutra

Lia Kamasutra, porque não é só de ilustração, tem texto também, que uma mulher jamais te abandonará se dormir (ela) uma noite com a cabeça envolta num turbante recheado de cardamomo, cúrcuma e excremento de macaco. Estava pensando aonde encontrar tais coisas, e me lembrei que vi um turbante num bazar chinês na rua Duque de Caxias, o resto é fácil, exceto a coisa do macaco. pensava no bosque, como entrar na jaula...
 Alguém bateu com os nós dos dedos no portão. Em casa não tem campainha, nem interfone, acho que não gosto, entram dentro de casa. Abro. Um homem de idade indefinida. Está bem vestido, o punho da camisa tem até abotoaduras prateadas com madrepérola, cabelo cinza combinando com a camisa cinza e a gravata um tom acima. Tudo contrasta demais com suas feições toscas. No tempo dos neandertais seria um modelo famoso, penso.
 Ele me diz: "Sou quem ninguém espera. A canção mais querida, e riscada, do vinil mais querido. Sou quem põe o som de comemoração de gols em estádios vazios. Quem aumenta o volume do som durante a publicidade. Sou o cara que para diante da TV justo na cobrança de penalidades. Sou a última azeitona. A última bolacha. Sou...." Interrompo. O senhor é Testemunha de Jeová ou algo semelhante? Não, trabalho no Fórum, na vara de família, sou oficial de justiça, e o que faço é notificar. Mas tenho minha veia poética, e tento botar um pouco de lirismo nas más noticias. O senhor está intimado, sua ex reclama pensão, assine aqui e aqui, tem cinco dias para recorrer, procure um advogado.   

Risca-faca.





                                                                                                 In Memorian. A Zoinho, Dircinha,... que                                                                                                               são parte real dessa história. 

Etávamos todos lá no bar do Carçola, que em épocas pré pentecostais, era lembrado como a décima quarta estação de nosso calvário, ou nas rarefações de repertório, o último gole, no mais era mesmo o risca-faca. Foi lá que vi o Lemão cair como um baobá, como sempre ele se punha com os cotovelos no balcão, de frente para a rua, que é de onde vinham os perigos. Naquele dia veio na forma de um negrinho magricela, dizem que era da Vila Virgínia. O Negrinho trazia como cartão de visitas, um bonfinense do arco-da-velha, Beiço. Rei das arruaças. Lemão disse que lá vem gente ruim estragar o ambiente. Lemão era mais forte que ágil, morreu recentemente, precário de carnes, então,  era puro músculos e gostava de reinar. Logo de cara perguntou a Neguinho se ele tinha convite. Desde quando? Mas Beiço em dia de pacífico, pediu um deixa prá lá! Lemão, deixa prá lá não! E no muque foi tirando os dois do bar, já na calçada Neguinho balançou a capoeira. Ah! É! É capoeira! É desses que eu gosto! E foi pra cima. Levando um voadora no peito. Balançou. Prumou. Engonçou, mas já era tarde, tinha sido ceifado pelas canelas, e foi tombando desgraçadamente inutilizado para mais. Mas não é o assunto que move, o que contarei não se passou nesse dia, foi num outro, lá pelo começo de setembro. Nesse dia, Lemão também estava lá, mas já andava de crista quebrada, e quem mandava era o Kaspa. Era setembro porque a fanfarra do Francisco Junqueira andava a ensaiar. Kaspa estava nervoso. Antes fora um homem daqueles completamente de bem, da família, da igreja e da pequena propriedade. Havia ganhado outro status por ocasião de ter matado o Gordinho, parceiro de Caveirinha, juntos haviam matado gente nas duas margens desse ribeirão Preto, assaltando postos de gasolina, botecos, armazéns de secos e molhados... O Cabo de Bonfim, prendia o Gordinho, que era de menor, mas logo estava por aqui e ali, num tipo de quaresma. Na quarentena chegou a roubar uma panela de pressão com feijão cozinhando lá na rua doutor Sarahiba, perto da casa dele e do Tunis. Dizem que, o Kaspa falou com o Cabo, e que o Cabo tenha dito, se você matar, será um favor para a sociedade. Vejam como nasce um crápula. Kaspa estudara os movimentos de Gordinho, e naquele dia sabia que ele voltaria no circular das onze da manhã. Embarcaram em Ribeirão no ponto da Catedral. Há quem diga que trocaram palavras, ao certo não sei. E vieram. Quando chegou Bonfim, na praça Rio Branco, que era aonde Gordinho ia descer, Kaspa se colocou atrás, sacou a arma e descarregou o 22,
Acertou dois. Gordinho correu pela doutor Sarhiba, que é aonde morava, entrou no primeiro portão aberto, pedindo água. Não chegou a bebê-la. Kaspa se escondeu do flagrante. E até esse dia que quero contar, ainda não havia sido julgado. O fato que quero narrar é este: Kaspa, agora, era um benfeitor.
A fanfarra passava em frente ao bar, que ficava aonde hoje é um salão de cabeleireiro. E na época dos fatos estava a seu lado o Cine São Roque.
Kaspa se invocou com o barulho da fanfarra, gritou que parassem com o barulho, que se não... foi até sua casa, pegou seu caminhão Mercedes Benz 1111 e quando a garotada estava na rua da Praça, atropelou a todos, matando a sete deles.



8 de jul. de 2016

Plenilúnio

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São os país responsáveis do que  fazem os filhos? E os filhos hão de pagar pelo que fizeram os país? E os irmãos, uns responsáveis pelos outros? Quem já se sentiu concernido pelo que faz um familiar, e  até mesmo um amigo?  Temos tendência uma empatia que vai além do se dar conta do que se passa ou faz ou sente o outro. Em realidade, há o afeto. Sofremos e nos alegramos com o que alegra ou entristece o outro. E não há necessidade familiar! Creio que estamos longe da resposta de Caim "Não sei aonde está Abel, por acaso sou o guardião de meu irmão?"
Quinta passada, a lua estava grávida sobre Bonfim ( quem sabe se Bonfim é o mundo?), projectava uma luz leitosa sobre as casas e a matinha que daqui diviso, e pela janela, sobre a capa deste livro que insisto em não acabar  de ler, "O passo de uma geração à seguinte, não e um passeio plácido entre   condomínios e seus paisagismos domesticados, é um movimento sísmico que afeta, decide e define a vida de pessoas, um rascunho que bota em prova o universo e faz tremer os fundamentos da humanidade, e é assim mil vezes e  uma". Entre o dever e o êxtase, a tensão e a lealdade e a traição que conduz à liberdade, temos o estribo da responsabilidade com  as gerações que nos sucedem.
A propósito, este céu cinzento impede a luz leitosa da lua.

7 de jul. de 2016

“You're just to good to be true...”.




The deer Hunter, conhecido, aqui, como Franco Atirador, já é um clássico do cinema, que ganhou cinco Oscar em 1979, com dois temas musicais que marcaram algumas das grandes cenas da trama. Uma é aquela Can't take my eyes off of you ( música de 1967, que muita gente boa e ruim cantou) aqui, no filme, cantada em coro envolta de uma mesa de bilhar num bar de uma cidade metalúrgica da Pensilvânia pelos amigos interpretados por De Niro, Savage, Christopher Walken e algum outro que agora não me lembra o nome, antes de irem para uma guerra do Vietnã que os entortaria a biografia ( sobretudo ao encarnado por Walken, vítima do temerário vício à roleta russa). Essa melodia pegajosa, que agora toca no alto-falante da igreja de Bonfim, para anunciar a quermesse do fim de semana. Gostava, e gosto ainda, mas antes, e se puxar pela memória, saberia toda a letra, que começa assim: “You're just to good to be true...”. Bom demais pra ser verdade. Boa, nesta situação concreta, tendo em conta a resposta: “I love you baby..”. Depois, aquela dança e música russa, Katyusha, na cena da festa do casamento, que me deixou com vontade de casar, e acima de tudo, casar com uma festa daquela. Outra música da trilha sonora é a melodiosa Cavatina, que com esse seu ar de serenidade me atormenta. Aliás, foi ela quem me trouxe essas recordações. E como as coincidências não param, fui saber que Michael Cimino morreu esta semana. Sei que ele realizou outros filmes, que não me importunaram, senão este, que já é o bastante para uma vida. Para finalizar, gostaria de dizer que Christopher Walken é tão bom, que quando ele aparece no filme, este ganha contornos de realidade.   

Selfie, belfies ou textos, tudo é fungível e provisório

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 Uma moça com 32 anos morreu num acidente, sozinha, numa estrada da Carolina do Norte, detalhe fazia um minuto que havia postado um selfie no seu mural do facebook.
Umbigo! Poderia traduzir facebook por umbigo, mesmo porque como o outro, todo mundo tem. Todos temos aqui um bom remédio para a solidão, um reforço para a autoestima e um belo cenário para a vaidade.
Sempre haverá um amigo virtual disposto a ter uma conversa, outro que curtirá uma publicação, deixará um comentário... E o melhor de tudo é que os amigos de Umbigo, tirante aqueles que conhecem a nossa vida real, são do tipo I\O, liga desliga. Os conflitos não têm transcendência, as disputas, quando as há, se esquece rápido. Tudo é fungível e provisório...
Para  selfies de  cada nova camiseta, as palavras vaidade e exibicionismo, são adequadas, mas incompletas... e entendo disso tanto quanto da curvatura do tempo... mas gosto de escrever no meu mural, difícil dizer a fronteira entre a busca por autoestima  daquilo que gostaria que fosse lido, somente por isso. Sei que me estimula, ao mesmo tempo que a curtida aumenta minha autoestima...
Há o belfie que é o selfie da bunda...   todo mundo posta de cara ou de bunda... com a câmera ou com o teclado... uma selfie em cada  texto...

Segunda não é dia de feijoada

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Que sina! Agora esse negócio de ''Orgânicos”, por toda parte, o que não anda avoa, e parece que tudo se converterá em “Orgânico” para triunfar, economicamente, claro, tem que ser "Orgânico". Porque esse “Orgânico” não implica em mais nada que isso “Orgânico”, grosso modo. E com este rótulo me deparo com verdadeiras imundices (imundicia no dialeto bonfinense) e há sempre loios dispostos a consumir e mais, a promover, “fazer o boca a boca”, e mais ainda, a repetir uma frase com um dos adjetivos mais maltratados que conheço: Isso é uma mandioquinha “Autêntica”! Pardelhas! Se tudo é autêntico, até a falsidade, os falsários, os farsantes... até a aspirina é autêntica!

P.S. A começar pelas sementes que são as mesmas, já modificadas, já alteradas, e adulteradas.... são as "autênticas" alteradas, adulteradas e modificadas.

Calor é Dionísio, frio Apolíneo

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O calor nos põe na mesma geografia dos sentidos, onde nos subjulga e nos transforma em seres que experimentam sensações extremas, entre  estupefação e  abatimento. Quando, então, faz muito calor, nossa identidade se revela, todo aquele lixo estancado sua, entre suores e bocejos em busca de ar denso, sempre acabamos por fazer o que tenha um mínimo de sentido. É muito comum no cinema, aquele calor asfixiante, camisetas coladas ao corpo pelo suor, como se fossem a prisão de almas torturadas. Na roça é perfeita essa relação, essa entrega do homem à terra e a terra ao homem, esse diálogo mudo de lava.
O frio não, o frio solidifica os sentidos que de tão duras e afiadas suas aresta machucam.
Adoro me abandonar ao calor do clima, dos corpos, do álcool,na boca de um vulcão, dos espaços pequenos, das conchas, cavernas minguadas, até perder a linha e então sair por outras atmosferas, realidades que transcendam o corpo e o tempo, como se estivesse num duelo de olhos,  num western de Sérgio Leone.
Gosto desse friozinho, apolíneo, mas me dou sempre conta de que prefiro a caldeira do inferno, que sempre borbulha, por motivos óbvios, incendeia os meus pecados, e aqueles que me julgam, que permaneçam no seu mundo de porcelana, ar condicionado ou lareiras sem madeira  esperando que me consuma.