8 de jul. de 2016

Plenilúnio

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São os país responsáveis do que  fazem os filhos? E os filhos hão de pagar pelo que fizeram os país? E os irmãos, uns responsáveis pelos outros? Quem já se sentiu concernido pelo que faz um familiar, e  até mesmo um amigo?  Temos tendência uma empatia que vai além do se dar conta do que se passa ou faz ou sente o outro. Em realidade, há o afeto. Sofremos e nos alegramos com o que alegra ou entristece o outro. E não há necessidade familiar! Creio que estamos longe da resposta de Caim "Não sei aonde está Abel, por acaso sou o guardião de meu irmão?"
Quinta passada, a lua estava grávida sobre Bonfim ( quem sabe se Bonfim é o mundo?), projectava uma luz leitosa sobre as casas e a matinha que daqui diviso, e pela janela, sobre a capa deste livro que insisto em não acabar  de ler, "O passo de uma geração à seguinte, não e um passeio plácido entre   condomínios e seus paisagismos domesticados, é um movimento sísmico que afeta, decide e define a vida de pessoas, um rascunho que bota em prova o universo e faz tremer os fundamentos da humanidade, e é assim mil vezes e  uma". Entre o dever e o êxtase, a tensão e a lealdade e a traição que conduz à liberdade, temos o estribo da responsabilidade com  as gerações que nos sucedem.
A propósito, este céu cinzento impede a luz leitosa da lua.

7 de jul. de 2016

“You're just to good to be true...”.




The deer Hunter, conhecido, aqui, como Franco Atirador, já é um clássico do cinema, que ganhou cinco Oscar em 1979, com dois temas musicais que marcaram algumas das grandes cenas da trama. Uma é aquela Can't take my eyes off of you ( música de 1967, que muita gente boa e ruim cantou) aqui, no filme, cantada em coro envolta de uma mesa de bilhar num bar de uma cidade metalúrgica da Pensilvânia pelos amigos interpretados por De Niro, Savage, Christopher Walken e algum outro que agora não me lembra o nome, antes de irem para uma guerra do Vietnã que os entortaria a biografia ( sobretudo ao encarnado por Walken, vítima do temerário vício à roleta russa). Essa melodia pegajosa, que agora toca no alto-falante da igreja de Bonfim, para anunciar a quermesse do fim de semana. Gostava, e gosto ainda, mas antes, e se puxar pela memória, saberia toda a letra, que começa assim: “You're just to good to be true...”. Bom demais pra ser verdade. Boa, nesta situação concreta, tendo em conta a resposta: “I love you baby..”. Depois, aquela dança e música russa, Katyusha, na cena da festa do casamento, que me deixou com vontade de casar, e acima de tudo, casar com uma festa daquela. Outra música da trilha sonora é a melodiosa Cavatina, que com esse seu ar de serenidade me atormenta. Aliás, foi ela quem me trouxe essas recordações. E como as coincidências não param, fui saber que Michael Cimino morreu esta semana. Sei que ele realizou outros filmes, que não me importunaram, senão este, que já é o bastante para uma vida. Para finalizar, gostaria de dizer que Christopher Walken é tão bom, que quando ele aparece no filme, este ganha contornos de realidade.   

Selfie, belfies ou textos, tudo é fungível e provisório

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 Uma moça com 32 anos morreu num acidente, sozinha, numa estrada da Carolina do Norte, detalhe fazia um minuto que havia postado um selfie no seu mural do facebook.
Umbigo! Poderia traduzir facebook por umbigo, mesmo porque como o outro, todo mundo tem. Todos temos aqui um bom remédio para a solidão, um reforço para a autoestima e um belo cenário para a vaidade.
Sempre haverá um amigo virtual disposto a ter uma conversa, outro que curtirá uma publicação, deixará um comentário... E o melhor de tudo é que os amigos de Umbigo, tirante aqueles que conhecem a nossa vida real, são do tipo I\O, liga desliga. Os conflitos não têm transcendência, as disputas, quando as há, se esquece rápido. Tudo é fungível e provisório...
Para  selfies de  cada nova camiseta, as palavras vaidade e exibicionismo, são adequadas, mas incompletas... e entendo disso tanto quanto da curvatura do tempo... mas gosto de escrever no meu mural, difícil dizer a fronteira entre a busca por autoestima  daquilo que gostaria que fosse lido, somente por isso. Sei que me estimula, ao mesmo tempo que a curtida aumenta minha autoestima...
Há o belfie que é o selfie da bunda...   todo mundo posta de cara ou de bunda... com a câmera ou com o teclado... uma selfie em cada  texto...

Segunda não é dia de feijoada

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Que sina! Agora esse negócio de ''Orgânicos”, por toda parte, o que não anda avoa, e parece que tudo se converterá em “Orgânico” para triunfar, economicamente, claro, tem que ser "Orgânico". Porque esse “Orgânico” não implica em mais nada que isso “Orgânico”, grosso modo. E com este rótulo me deparo com verdadeiras imundices (imundicia no dialeto bonfinense) e há sempre loios dispostos a consumir e mais, a promover, “fazer o boca a boca”, e mais ainda, a repetir uma frase com um dos adjetivos mais maltratados que conheço: Isso é uma mandioquinha “Autêntica”! Pardelhas! Se tudo é autêntico, até a falsidade, os falsários, os farsantes... até a aspirina é autêntica!

P.S. A começar pelas sementes que são as mesmas, já modificadas, já alteradas, e adulteradas.... são as "autênticas" alteradas, adulteradas e modificadas.

Calor é Dionísio, frio Apolíneo

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O calor nos põe na mesma geografia dos sentidos, onde nos subjulga e nos transforma em seres que experimentam sensações extremas, entre  estupefação e  abatimento. Quando, então, faz muito calor, nossa identidade se revela, todo aquele lixo estancado sua, entre suores e bocejos em busca de ar denso, sempre acabamos por fazer o que tenha um mínimo de sentido. É muito comum no cinema, aquele calor asfixiante, camisetas coladas ao corpo pelo suor, como se fossem a prisão de almas torturadas. Na roça é perfeita essa relação, essa entrega do homem à terra e a terra ao homem, esse diálogo mudo de lava.
O frio não, o frio solidifica os sentidos que de tão duras e afiadas suas aresta machucam.
Adoro me abandonar ao calor do clima, dos corpos, do álcool,na boca de um vulcão, dos espaços pequenos, das conchas, cavernas minguadas, até perder a linha e então sair por outras atmosferas, realidades que transcendam o corpo e o tempo, como se estivesse num duelo de olhos,  num western de Sérgio Leone.
Gosto desse friozinho, apolíneo, mas me dou sempre conta de que prefiro a caldeira do inferno, que sempre borbulha, por motivos óbvios, incendeia os meus pecados, e aqueles que me julgam, que permaneçam no seu mundo de porcelana, ar condicionado ou lareiras sem madeira  esperando que me consuma.

6 de jul. de 2016

Um novo planeta.




       Era o encontro bianual dos chefes de estado. Estavam acompanhados por especialistas em segurança planetária. A tensão era visível, sólida, digo, já que isso não é uma noticia. No entanto, tais reuniões eram sigilosas, clandestinas; e nenhuma tivera tanta transcendência como esta.
       Durante os últimos longos dez anos, havia-se levado a termo investigações caríssimas, profundas; incluindo algumas viagens espaciais, que desvelaram a grande descoberta, o fato mais importante da história; a descoberta de vida num outro planeta. Não se tratava de uma vida singela, sim complexa. No entanto, sob o comando dos mais poderosos, e aquiescência dos demais líderes, a descoberta foi ocultada, digo sua espetacularidade, pois foi dado a conhecer a descoberta do planeta, e de uma forma peixe com pernas, que seriam traseiras e asas como braços. Já os alienígenas, foram mantidos como segredo de Estado.
        No correr daqueles anos, toda a ciência disponível foi empregada, até mesmo a psicanálise foi empregada, um nietzschiano chegou a insistir nos vedas, tudo valia, para obter informações, tudo valia para se conhecer melhor a nova espécie, o que ia dentro daquela cabeça. Serão como nós?
        A finalidade desta cimeira era determinar se os alienígenas seriam um risco, para os Estados ali representados, para se poder garantir a segurança dos seus cidadãos, ou se era conveniente, por fim, destruí-los, porque apesar dos esforços científicos não se havia chegado a conclusão cabal.
         A tomada de decisão tinha caráter de urgência urgentíssima, antes que fosse tarde.
Os dados obtidos pelas viagens de naves que permaneceram em órbita daquele planeta ignoto, e mesmo da última nave, que desceu ao planeta e permaneceu lá pelos últimos três anos, incógnita, a enviar informações eram ou não eram cabais? Essa era a pergunta dos Líderes.
         Ao cabo de muitas apresentações, O engenheiro líder dessas expedições foi enfático em sua fala aos chefes de Estado, estas foram as suas palavras:
         “ Não é necessário gastar mais recursos e esforços, e tampouco será necessário destruí-los, é uma espécie condenada à desaparição. Os últimos dados que obtivemos, nos mostra que incompreensivelmente se matam entre si, devastam, poluem o planeta, e têm a bomba atômica. Não nos preocupemos. São uma espécie com data de vencimento já falsificada.”


Gaiola!
Quantos anos podia ter? Dez ou nove anos, andava pelo quarto ano primário. Depois do recreio, nos colocávamos em filas, ordem unida, e Dona Yone, inspetora, passava em revista. Naquele dia, ou neste dia que esta imagem esmaecida ainda me chega, como um fóton dos confins do universo, alguma euforia se mantinha em nosso bando. Cacildo sempre a frente. Todos em silêncio, menos nós. Dona Yone soltou a cacholeta, que me acertou o pé da nuca, e o sopapo sendo forte o bastante pra me levar ao princípio das filas. Logo com a mesma volúpia, transferia Cacildo para meu lado. Riamos, não havia outro remédio. Todos riam de nós, e nós de nós. Pelas orelhas, Dona Yone nos trasladou para debaixo do relógio, que ficava no corredor das salas de aula. Ali como dois palhaços, esperamos a que todas as filas passassem, com seus risinhos. Por fim vinha Dona Yone, seu passo lento e pesado, e as palmas das mãos, na ponta dos braços vinham  rechonchudas e viradas para trás, como todo ser com aquelas banhas todas. Os braços lhe pareciam remos. Com a delicadeza que lhe era possível, nos conduziu à sala de Dona Josefa, a diretora. Ruim. Mulher ruim, está para nascer até hoje. Não creio que tenha nascido. Encheu-me de palmatórias. Por fim fui conduzido só a uma sala, conjugada à biblioteca. Lá fiquei trancafiado, no escuro, até o fim das aulas. Só depois soube que Cacildo sofreu toda sorte de pancadas. Dez anos.  Lembro que chorei muito, em silêncio, ouvi o sinal da quarta aula. Por fim chegou o último sinal. Dona Yone me soltou, não me disse nada. Fui para casa. Quando cheguei, olhei de cara para a gaiola, onde, como era costume então, tinha um Canário, que cantava com o primeiro raio de sol, e quando tocava no rádio umas músicas caipiras de Lourenço e Lourival. Abri instintivamente a portinhola, e ele se foi. Estava ali desde que só tinha penugens. Talvez, como me disseram, sofresse para viver por conta,  estava domesticado, pode ter sido efêmera sua vida livre, mas com certeza, intensa, fosse o  tempo que fosse. Nem bestas, nem feras, nem jovens, nem velhos, nem povos, nem nada devem estar numa gaiola. Pensei então, ainda que naquele então, não se me ocorria por inteiro este pensamento.