Os exames
contundentes, aos médicos não restavam dúvidas,
e me disseram que, quando o tumor cerebral, que haviam detectado, se
desenvolvesse – podia acontecer amanhã ou em três
meses – me sentiria muito cansado, muito, como se estivesse a
horas caminhando numa subida sob o sol do meio dia de algum fevereiro,
então dormiria e já não despertaria.
Quando sai da consulta
fui direto para rodoviária. Tomei o ônibus que me
deixava na beira da estrada, na entrada para voltar ao sítio.
Aproveitei o trajeto para ir parindo a sentença, e mais tarde,
depois do jantar, sai ao quintal para olhar o céu. Noite
escura, sem lua, pude contemplar as milhares de estrelas e a massa
densa e leitosa da Via láctea, entre os clarões das
cidades distantes. Meu pensamento andava por milhões de
coisas miúdas como as estrelas; dei conta que se quisesse não
deixar pendencias para os meus, haveria de voltar à cidade, ir
ao banco, ao cartório, à funerária. Decidi fazer
no dia seguinte, logo pela manhã.
Despertei com a alba,
fui até a estrada. Não tardou e vi ao longe as luzes do
ônibus. No silêncio de uma estrada ainda erma, ouvi
todos os mecanismos do cambio, o bufar do freio. A porta se abriu,
embarquei, paguei a passagem ao motorista e fui lá para os
assentos do fundo. Ao longe ouvi uns gritos, era um vizinho de sítio
pedindo que esperassem; chegou bufando pelo cansaço de correr
por aquela subida. Entrou, e quando vinha pelo corredor me saudou com
um aceno de cabeça e um sorriso de velhos conhecidos. A porta
se fechou e o motor roncou mais forte. Clareava. Notei que estava
muito cansado, muito, como se tivesse caminhado a subida do sítio
à estrada sob um sol de fevereiro ao meio dia. Fechei os
olhos, o ronco do motor me ninava, no céu ia a estrela da
manhã, adormeci.