16 de dez. de 2015

Fechou o bar do Mané ou Hitler não fumava, Médici não fumava, Geisel não fumava, mas a cobra fumou




Fechou o bar do pernambucano Mané. Meu bar. A verdade é que me sinto desamparado, é mesmo uma sensação de desamparo. Me sinto um Homer, se o Moe fechar. Um ET apontando com o dedo para onde estava o bar – agora um açougue gourmet, pode? - e exclamo 'meu bar, meu bar' com voz lastimosa. Lembro de quando começou a lei antitabagista, e Mané, que fumava, me perguntou, eu que fumava, o que dizer àqueles, digamos manés, que queriam um cartaz de proibido fumar, eu disse que fizesse um aonde constasse o nome dos merdas metidos a bestas bonfinenses que morreram antes por pura sovinice e ignorância  e não fumavam e fui dando nome aos bois. Não seria nem louco de botar o nome de algum aqui, ainda que saiba dos herdeiros analfabetos, mas tem sempre os puxa-sacos que leem para os patrões, escrevem para os patrões, vigiam pelos patrões, chacoalham para seus amos...   Então para não correr risco de morte, ficaria assim transportando da ideia paroquiana inicial: Hitler não fumava, Médici não fumava, Geisel não fumava, mas a cobra fumou. Vou parando por aqui que comecei a misturar nostalgia com horror.  

Para que serve um amigo?

Para que serve um amigo?

Imagino que algum purista dirá que a amizade não serve, que cada um há de servir a ela, ou algo assim, aparentemente sublime, mas falso. Quero que meus amigos me sirvam. Quero, ademais, que sejam a medida de meu valor. Quero me conhecer conhecendo a eles. Quero, ainda, confirmar neles – já que me concedem sua amizade - que  algo bom vêem em mim. Pois bem, entre os amigos que mais me valem está o entranhado José Carlos..

Zé, como sinto saudades, de nossas conversas sobre o ser e o nada pelas ruas de Sousas ou sobre o divino do humano e o humano do divino pelas noites de segunda junto ao fogão. Se alguma vez nos esquecermos de que somos amigos, encontrarei em nosso esquecimento um sinal inequívoco de que perdi valor.   

15 de dez. de 2015

Quando eu vi Deus.

Todos sabem que sou ateu, de poltrona reclinável. Mas nunca contei que numa de minhas subidas de Ubatuba, pela estrada das curvas, me apareceu Deus. Subia a serra, estava completamente nublado lá embaixo, no entanto, de repente toda neblina desapareceu, o céu se vestiu de azul homogêneo, luminoso e próximo. Parecia que se quisesse sair do carro e subir na ponta dos pés, poderia com o braço levantado com a mão alcançaria o cosmo, inteiro. Tocava isso Soneto de Petrarca 104 liszt E foi o que fiz, foi incrível, me sentia parte de todo o universo, como se estivesse no meio de uma floresta, ou dentro do mar, perto da lua, ao lado de marte, da Ursa Maior, da Via Láctea. Sentia a expansão, a velocidade e a música universal.



Maurice Tillet, o Ogro em carne e osso.


Se chamava Maurice Tillet, apesar de seu aspecto tosco, falava 14 idiomas, era poeta, ator e um grande enxadrista, mas se fez famoso como peso pesado no Pressing Catch, aonde foi campeão mundial.
Aos 20 anos desenvolve a enfermidade da pituitária(hipófase), conhecida como acromegalia, - como Rondo Hatton –
que desfigura as feições, dando ao sujeito aparência ogro simiesca. Maurice decide interromper os estudos de direito e imigra para os Estados Unidos atrás de uma profissão mais de acordo com seu físico. Se converte em lutador profissional, O Anjo Francês, ou o Ogro do quadrilátero. Seu 'abraço de urso' não encontra rival na lona. Em 1944 derrota Triturador Casey, e se torna campeão mundial pela AWS.




Depois dos combates gostava de jogar xadrez com amigos, como Francis Scott Fitzgerald e Charles Laughton. Assim chego a Schrek. Que evidentemente se inspirou em Maurice, um ogro de aspecto amigável que recordasse uma pessoa sensível, como Dave Sheridan – desenhista – definiu sua personagem.


Íncubo!

Faz um monte de tempo, mais precisamente, logo depois do divórcio, convidei para jantar em casa os amigos Jão, Serguey, Aninha. Jão me ligou na noite anterior, Cidão, se importa se levo minha prima Suzane? Matutei, já começaram a me arranjar noiva, ele continuou, Ela está passando uma temporada em casa. É professora do Estado e lhe deram um afastamento psiquiátrico. Pobrezinha, não me espanto, assim como anda nossa educação. Te aviso que ela é especial. Ao ouvir especial, vindo do Jão, todos os alarmes dispararam. Como especial? Ela diz que à noite é visitada por um íncubo. Íncubo? Não havia google ainda, mas Jão me explica que é um espectro masculino que faz sexo com mulheres. Para quem ficou interessado há o súcubo, que são as mulheres que fazem com os homens. Ademais, ela gosta de contar, mas é inofensiva. Isso me tranqüiliza. Serguey e Aninha foram os primeiros a chegar, e os adverti para o caso de nossa convidada extra. Bom também! comentou Serguey, assim não faltará assunto. Logo depois chegou Jão. Só. Nos olhamos entre todos. E logo ele esclareceu que ela tinha médico e que já vinha, sim. Tocou a campainha, dei uma olhada pelo olho mágico, uma bela morena, pra lá de gostosa, de uns trinta e cinco anos. Tudo parecia normal até que ela começou a falar com a bolsa. Tenha juízo, dizia, não me faça passar vergonha. Pardelhas! murmurei, acabava de ler Ulisses por Houaiss. Na verdade durante o jantar, pimentão vermelho recheado com alho poró e bacalhau, e creme de pimentão verde para secundar, Suzane fora muito agradável. Não falava muito, mas tinha um riso musical – meia oitava – já na sobremesa chegou o momento que nos contou de seu incubo. Primeiro aparece só meio corpo fora da parede e me olha e eu estou deitada na cama numa espécie de transe, Serguey e Aninha trocavam soslaios. Depois vem até mim com um sorriso de orelha a orelha.
Isso me deixou inquieto, imagine um fantasma que se apresenta com um sorriso radiante como o gato de
Cheshire... Vem se aproximando e se deita a meu lado e sem deixar de me olhar fixamente, e... me..., me....
Te fode? Interveio Jão com olhos indulgentes de quem já ouviu a história antes. Me possui, corrigiu Suzane, meio enjoada. Aninha se aventurou... nunca pensou em mudar de casa? Me mudar? Parecia realmente surpreendida. Se estava criando uma tensão ... mas Suzane... Você sabe o bem que me isso me faz?

Serguey e Aninha estavam envolvidos por um estupor leitoso, atordoados, sonâmbulos que resistem a acordar. O ar estava parado, perguntei, alguém quer café? O ar se mandou a outra parte a cuidar de seus assuntos.   

13 de dez. de 2015

Dispersos versos persas mexe Gilgamesh no árduo fardo Gilgamesh no saco de letras do Arcebispo Tillotson mexe, descabido deão de deus, menoscabado, se mais Gilgamesh mexe mais se embrulha, Leão empunha agarra a letra A. Estréia mundo novinho em folha.

Dispersos versos persas mexe
Gilgamesh no árduo fardo Gilgamesh no saco de letras do Arcebispo Tillotson mexe,
descabido deão de deus, menoscabado, se mais Gilgamesh mexe mais se embrulha,
Leão empunha agarra a letra A.
Estréia mundo novinho em folha. 

10 de dez. de 2015

Tudo aconteceu tão rápido, que vou contar do mesmo modo


Tudo aconteceu tão rápido, que vou contar do mesmo modo


Quando ofereceram a Luiz Fernando o cargo de gerente da agência de Belém do Pará, aceitou sem pestanejar, estava em Sobral, no Ceará, com seu calor de mascar. Em poucas semanas conheceu Neide, foi amor a primeira vista, se casaram no mesmo mês. Neide era indígena por parte de mãe, que era uma feiticeira. Isso soube numa tarde em que se refugiou do aguaceiro recorrente num bar que simpaticamente imitava uma Oca com sua decoração feita de objetos indígenas. Pediu uma caipirinha de cupuaçu, antes uma pura curtida em sexo de boto, que desceu queimando. La fora o aguaceiro. Um velho se sentou a seu lado ao balcão. Luiz Fernando lhe ofereceu uma dose de pinga. O velho respondeu: cada um com seu cada um. O velho conhecia a família de Neide. Contou a Luiz que a mãe dela era uma bruxa conhecida por toda a redondeza. Luiz não se surpreendeu ao recordar aquela velha de pele cinza tisnada em partes e com verrugas no queixo e nariz. “Ande com cuidado, rapaz” advertiu o velho com um sorriso que parecia um corte de melancia, vai que tua Iara também seja. “Sabem o que fazem quando suspeitam que seu marido é infiel?, enterram sua cueca no jardim, e nunca mais vai sair de casa.” Luiz soltou uma gargalhada que parecia uma taquara rachando. Acabou sua caipirinha. No fundo estava inquieto com aquela conversa. Como se tivesse deixado o gaz aberto sem fogo no queimador, e aquele velho cheirava mercaptana.
Uma noite de lua cheia, estavam jantando, de repente, Neide lhe deu uma olhada, a queima roupa, suas pestanas se moviam como serpentes, então cravou: “Se um dia souber que me enganou, escondo sua cueca e nunca mais sairá de casa.” Luiz se enregelou ao ver como distorcia os lábios de modos a formar uma lemniscata.
Tudo aconteceu muito depressa, assim que farei o mesmo. Pouco depois, em 7 de setembro, houve a festa na empresa. Luiz estava bebaço, e foi com sua secretária a um sala deserta do seu escritório e lá foi infiel a sua esposa sobre uma fotocopiadora. Luiz voltou para casa sigiloso, como um ladrão de antigamente, esgueirando pelos muros, paredes,se assustando com a própria sombra, e tombou vestido ao lado de Neide, que parecia dormir profundamente. No meio da noite, Luiz se despertou, inquieto. Longe latia um cachorro e no silêncio da noite, aquele latido parecia um sino tinindo depois das badaladas, entrando nos ouvidos. Olhou para o lado, ninguém. “Se foi”, pensou confuso. Quando comprovou que Neide não estava em casa, supos que fora andando, pois não sabia dirigir. Deve ter ido para a Rodoviária, a alcanço de carro. Tentou sair de casa e não conseguiu. Tudo aconteceu tão de pressa que contarei do mesmo jeito. Cada vez que abria a porta não encontrava o jardim, senão que a sala de visitas que é de onde tentava sair. Tentou mais uma vez, abriu a porta, tudo estava escuro, foi apalpando a parede procurando o interruptor. Sem sucesso. Mas encontrou a televisão. Voltou para a sala, de onde acabava de sair e estava de costas para a porta da rua. Então correu para o guarda-roupa. Abriu uma gaveta. Faltava uma cueca. Compungido, Luiz suspirou: Justo a Boxer! .


lemniscata: o infinito, mais ou menos isso. uma cobra se engolindo pelo rabo, formando um oito na horizontal.