15 de dez. de 2015

Íncubo!

Faz um monte de tempo, mais precisamente, logo depois do divórcio, convidei para jantar em casa os amigos Jão, Serguey, Aninha. Jão me ligou na noite anterior, Cidão, se importa se levo minha prima Suzane? Matutei, já começaram a me arranjar noiva, ele continuou, Ela está passando uma temporada em casa. É professora do Estado e lhe deram um afastamento psiquiátrico. Pobrezinha, não me espanto, assim como anda nossa educação. Te aviso que ela é especial. Ao ouvir especial, vindo do Jão, todos os alarmes dispararam. Como especial? Ela diz que à noite é visitada por um íncubo. Íncubo? Não havia google ainda, mas Jão me explica que é um espectro masculino que faz sexo com mulheres. Para quem ficou interessado há o súcubo, que são as mulheres que fazem com os homens. Ademais, ela gosta de contar, mas é inofensiva. Isso me tranqüiliza. Serguey e Aninha foram os primeiros a chegar, e os adverti para o caso de nossa convidada extra. Bom também! comentou Serguey, assim não faltará assunto. Logo depois chegou Jão. Só. Nos olhamos entre todos. E logo ele esclareceu que ela tinha médico e que já vinha, sim. Tocou a campainha, dei uma olhada pelo olho mágico, uma bela morena, pra lá de gostosa, de uns trinta e cinco anos. Tudo parecia normal até que ela começou a falar com a bolsa. Tenha juízo, dizia, não me faça passar vergonha. Pardelhas! murmurei, acabava de ler Ulisses por Houaiss. Na verdade durante o jantar, pimentão vermelho recheado com alho poró e bacalhau, e creme de pimentão verde para secundar, Suzane fora muito agradável. Não falava muito, mas tinha um riso musical – meia oitava – já na sobremesa chegou o momento que nos contou de seu incubo. Primeiro aparece só meio corpo fora da parede e me olha e eu estou deitada na cama numa espécie de transe, Serguey e Aninha trocavam soslaios. Depois vem até mim com um sorriso de orelha a orelha.
Isso me deixou inquieto, imagine um fantasma que se apresenta com um sorriso radiante como o gato de
Cheshire... Vem se aproximando e se deita a meu lado e sem deixar de me olhar fixamente, e... me..., me....
Te fode? Interveio Jão com olhos indulgentes de quem já ouviu a história antes. Me possui, corrigiu Suzane, meio enjoada. Aninha se aventurou... nunca pensou em mudar de casa? Me mudar? Parecia realmente surpreendida. Se estava criando uma tensão ... mas Suzane... Você sabe o bem que me isso me faz?

Serguey e Aninha estavam envolvidos por um estupor leitoso, atordoados, sonâmbulos que resistem a acordar. O ar estava parado, perguntei, alguém quer café? O ar se mandou a outra parte a cuidar de seus assuntos.   

13 de dez. de 2015

Dispersos versos persas mexe Gilgamesh no árduo fardo Gilgamesh no saco de letras do Arcebispo Tillotson mexe, descabido deão de deus, menoscabado, se mais Gilgamesh mexe mais se embrulha, Leão empunha agarra a letra A. Estréia mundo novinho em folha.

Dispersos versos persas mexe
Gilgamesh no árduo fardo Gilgamesh no saco de letras do Arcebispo Tillotson mexe,
descabido deão de deus, menoscabado, se mais Gilgamesh mexe mais se embrulha,
Leão empunha agarra a letra A.
Estréia mundo novinho em folha. 

10 de dez. de 2015

Tudo aconteceu tão rápido, que vou contar do mesmo modo


Tudo aconteceu tão rápido, que vou contar do mesmo modo


Quando ofereceram a Luiz Fernando o cargo de gerente da agência de Belém do Pará, aceitou sem pestanejar, estava em Sobral, no Ceará, com seu calor de mascar. Em poucas semanas conheceu Neide, foi amor a primeira vista, se casaram no mesmo mês. Neide era indígena por parte de mãe, que era uma feiticeira. Isso soube numa tarde em que se refugiou do aguaceiro recorrente num bar que simpaticamente imitava uma Oca com sua decoração feita de objetos indígenas. Pediu uma caipirinha de cupuaçu, antes uma pura curtida em sexo de boto, que desceu queimando. La fora o aguaceiro. Um velho se sentou a seu lado ao balcão. Luiz Fernando lhe ofereceu uma dose de pinga. O velho respondeu: cada um com seu cada um. O velho conhecia a família de Neide. Contou a Luiz que a mãe dela era uma bruxa conhecida por toda a redondeza. Luiz não se surpreendeu ao recordar aquela velha de pele cinza tisnada em partes e com verrugas no queixo e nariz. “Ande com cuidado, rapaz” advertiu o velho com um sorriso que parecia um corte de melancia, vai que tua Iara também seja. “Sabem o que fazem quando suspeitam que seu marido é infiel?, enterram sua cueca no jardim, e nunca mais vai sair de casa.” Luiz soltou uma gargalhada que parecia uma taquara rachando. Acabou sua caipirinha. No fundo estava inquieto com aquela conversa. Como se tivesse deixado o gaz aberto sem fogo no queimador, e aquele velho cheirava mercaptana.
Uma noite de lua cheia, estavam jantando, de repente, Neide lhe deu uma olhada, a queima roupa, suas pestanas se moviam como serpentes, então cravou: “Se um dia souber que me enganou, escondo sua cueca e nunca mais sairá de casa.” Luiz se enregelou ao ver como distorcia os lábios de modos a formar uma lemniscata.
Tudo aconteceu muito depressa, assim que farei o mesmo. Pouco depois, em 7 de setembro, houve a festa na empresa. Luiz estava bebaço, e foi com sua secretária a um sala deserta do seu escritório e lá foi infiel a sua esposa sobre uma fotocopiadora. Luiz voltou para casa sigiloso, como um ladrão de antigamente, esgueirando pelos muros, paredes,se assustando com a própria sombra, e tombou vestido ao lado de Neide, que parecia dormir profundamente. No meio da noite, Luiz se despertou, inquieto. Longe latia um cachorro e no silêncio da noite, aquele latido parecia um sino tinindo depois das badaladas, entrando nos ouvidos. Olhou para o lado, ninguém. “Se foi”, pensou confuso. Quando comprovou que Neide não estava em casa, supos que fora andando, pois não sabia dirigir. Deve ter ido para a Rodoviária, a alcanço de carro. Tentou sair de casa e não conseguiu. Tudo aconteceu tão de pressa que contarei do mesmo jeito. Cada vez que abria a porta não encontrava o jardim, senão que a sala de visitas que é de onde tentava sair. Tentou mais uma vez, abriu a porta, tudo estava escuro, foi apalpando a parede procurando o interruptor. Sem sucesso. Mas encontrou a televisão. Voltou para a sala, de onde acabava de sair e estava de costas para a porta da rua. Então correu para o guarda-roupa. Abriu uma gaveta. Faltava uma cueca. Compungido, Luiz suspirou: Justo a Boxer! .


lemniscata: o infinito, mais ou menos isso. uma cobra se engolindo pelo rabo, formando um oito na horizontal.

9 de dez. de 2015

Parede Meia.

Parede Meia.

“Puta que pariu, de novo, não!” - gritou Renato Anfrade, o gourmet, enquanto se servia uma dose de Armagnac (que sua sobrinha trouxe de Paris) com a segurança de quem houvera bebido Armagnac toda a vida, ou  como dizem os franceses 'avant la lettre', quer dizer, antes mesmo de sua existência, dele Armagnac. “É o Tide  e Odila... sempre cochichando, sussurrando, gemendo... até os ouço fazendo amor apaixonadamente toda a noite, com que energia, meu deus?” Renato se serviu outra dose e murmurou?

- Por que esta parede não está entre eles?

Conchas do Mar.

Conchas do Mar.


Da última vez que fui a praia trouxe uma concha enorme. Boto-a ao ouvido  sempre que estou com saudade da música das ondas sobre os recifes de corais, dos coqueiros bailando sob o sol, o ar quente, o sol, vou andando em direção das ondas, as ondas já me batem na cintura, um barco de pescadores, faz proa na minha direção. Estão todos armados? São piratas e me sequestram querem saber aonde escondi o tesouro, eu lhes aponto rumo norte. Parati.

O Povo Unido, Jamais será...

Um grupo de manifestantes percorre as redondezas do grande museu. Entram em formação de leque, mas não se demoram a formar um bolo compacto.
Depressa grita o líder. Os manifestantes agora estão em rigorosa fila indiana, alguns olham para as pessoas paradas nas calçadas, e gritam “Alienados”. Não ofendam os transeuntes, temos que chamá-los para o nosso lado. Agora gritam aos policiais.  Agora o grupo avança atropeladamente, como se estivessem sob o efeito de doses de Veronal ou barbiturato de dietilo. Uma massa em roupas coloridas, camisetas em cores biliosas, tantas as cores concordantes que há ali no meio. Um cachorro late furioso.
Vamos! Vamos! Não se percam em bobagens, grita o líder apressando a todos.
Um dos manifestantes explode:
'NOS TRATAM COMO REBANHO!'
nesse momento, já cai o sol e um garoto da calçada faz seu raio laser percorrer sua camisa biliosa.


8 de dez. de 2015

Beber o Morto.


Beber o Morto.

O atento gourmet Renato Anfrade, também sabe reconhecer uma língua estrangeira, aprendeu a imitar sueco com o cozinheiro sueco do Muppet, capta o ruído de folhas e galhos cortados, um golpe seco de picareta golpeando a terra e vozes. Renato reconhece o idioma. São caipiras, sem dúvida. Da janela vê a dois homens escavando em frente sua casa. Um é Tide, o sr. Aristide Spatafiori o outro Totonho, Antonio Menesguto. Sai ao jardim, ainda em seu roupão azul, e os saúda. “Dia!” E os homens agitam os ombros como se despertassem de um sonho, estão contentes ao ouvir o tratamento correto, mesmo de um gourmet. Renato prossegue em caipira “ Qui co cês tão cavucano? Uma piscina?”. Os cavucadores sorriem, procuram uma resposta. “Num se aperrei não, sô, é uma surpresa”, disse Tide separando com a enxada um terrão. “Ô, bitelo” e dá uma piscadela cúmplice ao gourmet Anfrade e este pensa: “São simpáticos”. Renato entra em casa. Faz um calor desgraçado, o sol inclemente. Renato se compadece, o suor e a terra se misturaram e estão enlameados. Abre a geladeira e comprova que tem umas cervejas geladas.
Uma hora mais tarde, Renato supõe que os caipiras terminaram o trabalho, já não ouve a picareta. Sai a janela e vê que a pá e a picareta estão deitadas e eles alçam os braços para trás para os desentumecer, enquanto contemplam o buraco. Renato vem até a porta e os convida a tomar umas cervejas. Aceitam encantados, quando entram o cheiro a suor e terra removida se tornam sólidos. Tide e Renato já se conhecem de outra jornada, aquele apresenta Totonho. Conversam animadamente, com as garrafas na mão, Totonho saca uma garrafinha de pinga da mochila, oferece aos parceiros, Renato declina, então Totonho a toma a moda caipira, sem botar o beiço na boca da garrafa e a passa a Tide. Agora Renato está de costas para Tide, que lhe toma a medida com uma trena. “Intão vamu gente!” disse Tide, apressando o gole de cachaça.
Saem ao jardim e se dirigem ao buraco. Totonho olha com curiosidade quase infantil para o gourmet.
“ Di verdadi que o sinhô não sabia qui tava morto?”
Renato medita um momento e sorri com suavidade. “ Na minha idade já se começa a se esquecer de algumas coisas”.... responde com um pouco de ironia, e se acomoda no buraco.
Tide enche a pá e faz um movimento pendular, um balanço, e de cima faz a terra cair: plaft! Totonho e Tide terminam de dar sepultura ao gourmet. Se despedem à moda caipira, tomam um trago de cachaça a sua saúde, e derramam um gole sobre a tumba e fazem uma breve pregaria. Foi assim e nesta ordem.