Gaiola!
Quantos anos podia ter? Dez ou nove anos, andava pelo quarto ano primário. Depois do recreio, nos colocávamos em filas, ordem unida, e Dona Yone, inspetora, passava em revista. Naquele dia, ou neste dia que esta imagem esmaecida ainda me chega, como um fóton dos confins do universo, alguma euforia se mantinha em nosso bando. Cacildo sempre a frente. Todos em silêncio, menos nós. Dona Yone soltou a cacholeta, que me acertou o pé da nuca, e o sopapo sendo forte o bastante pra me levar ao princípio das filas. Logo com a mesma volúpia, transferia Cacildo para meu lado. Riamos, não havia outro remédio. Todos riam de nós, e nós de nós. Pelas orelhas, Dona Yone nos trasladou para debaixo do relógio, que ficava no corredor das salas de aula. Ali como dois palhaços, esperamos a que todas as filas passassem, com seus risinhos. Por fim vinha Dona Yone, seu passo lento e pesado, e as palmas das mãos, na ponta dos braços vinham rechonchudas e viradas para trás, como todo ser com aquelas banhas todas. Os braços lhe pareciam remos. Com a delicadeza que lhe era possível, nos conduziu à sala de Dona Josefa, a diretora. Ruim. Mulher ruim, está para nascer até hoje. Não creio que tenha nascido. Encheu-me de palmatórias. Por fim fui conduzido só a uma sala, conjugada a biblioteca. Lá fiquei trancafiado, no escuro, até o fim das aulas. Só depois soube que Cacildo sofreu toda sorte de pancadas. Dez anos. Lembro que chorei muito, em silêncio, ouvi o sinal da quarta aula. Por fim chegou o último sinal. Dona Yone me soltou, não me disse nada. Fui para casa. Quando cheguei, olhei de cara para a gaiola, onde, como era costume então, tinha um Canário, que cantava com o primeiro raio de sol, e quando tocava no rádio umas músicas caipiras de Lourenço e Lourival. Abri instintivamente a portinhola, e ele se foi. Estava ali desde que só tinha penugens. Talvez, como me disseram, sofresse para viver por conta, estava domesticado, pode ter sido efêmera sua vida livre, mas com certeza, intensa, fosse o tempo que fosse. Nem bestas, nem feras, nem jovens, nem velhos, nem povos, nem nada devem estar numa gaiola. Pensei então, ainda que naquele então, não se me ocorria por inteiro este pensamento.6 de jul. de 2015
3 de jul. de 2015
... O mundo passou na janela e só Zeca Camargo não viu
... O mundo passou na janela e só Zeca Camargo não viu.
É indiscutível a patente da feijoada, só queria que algum me passasse a receita. Zeca até cita os brasis, de interior, mas não os reconhece. Não os reconhece como fenômenos mediáticos, posto que não "passou" na Globo, não deu na Veja. Brasis profundos, plenos de Califórnias, torrentes quanto. A dureza do lá dó ré. A remota moda de viola, mas neste âmbito, melhor falar de music: New Orleans, sofistication de pé de porco que é este Cristiano Araújo, hein?. CA morreu. Catarse é catarse, até Corinthians e Boca servem, mas embotamento intelectual, são outras dissonantes, Araújo não serve, nasceu e morreu e o grande cronista musical não ouviu falar, assim não serve para catarse, talvez como ele disse, essa gente que pinta livros, sem terem mais o que fazer, melhor se catarem, que eu Dostoiévski. Da feijoada à bossa tudo vem do sertão, mas Zeca não sabe, não sabe que desde que o samba é samba, o samba também é assim, e o morro da favela, também era e é grotão.
É notório, que O Brasil e a mídia GG não conhece o brasil, e não tem mais controle absoluto, porque não conhece o brasil, nem do sucesso, nem do insucesso, se é que um dia teve. Faz tempo que o brasil-grotão passa pela janela do refinado mundo da MPB, e só Zeca Amargo e a mídia GG, não viu.1 de jul. de 2015
feixista
Feixista.
Esse feixe amarradinho,carregado em procissão com musiqueta ipsa conteret, rança e penosa. Concreto mental cavernícola que sustenta numa concha perversa e maligna, a semear conceitos de pulcritude moral, sem sequer saber que a água passa pela torneira. Velhos fantasmas que já assustaram outros mortos, seguem desenterrados, borrões do espectro errático do velho Plínio marchando pelo viaduto do Chá. 30 de jun. de 2015
Domingo.
Sentado ali na minha poltrona, com Ão ronronando conivente, explode no que em mim pensa, a frase do livro; "Se procura a verdade,prepare-se para o inesperado, porque é difícil de se encontrar, e quando se a encontra, sói ser desconcertante". Mais uma vez Heráclito me surpreende, memorizei algumas frases, num tempo que as lia com afinco; sempre tentando encontrar o que nelas se ocultava. Bem acomodado naquela poltrona domingueira, deixo andar as folhas suavemente sem as ler, diante da lógica que nenhum homem pode nadar no mesmo rio, porque nem rio nem homem serão os mesmo na segunda vez que coincidam. Creio sempre no mesmo rio? Sou ou não sou sempre o mesmo? Onde reside a verdade? Quero, de fato, encontrar a verdade. Que é a verdade e quem a possui? Os domingos podem residir nisso. Abandono o relógio que me controla noutros dias e me entrego à virtude de vagabundear, não fazer outra coisa que coçar placidamente sem me fixar em nada, enquanto o urubu voa lento, sem destino, como uma gota de suor escorre desde o sovaco. Bem sentado nessa poltrona, bebendo uns goles de heineken, sem TV, ou qualquer outra voz a me informar que o mundo está prestes a explodir e ninguém sabe remediar. O domingo é meu espaço para a ignorância, alienado do mundo, longe do populismo barato, dos rançosos, dos oxidados, dos vomitivos, fechar os olhos e o silêncio... Que vida sem interesse é essa? Não sei. Sei que a vida que vivo ali sentado na minha poltrona é o universo que quero me perder.
23 de jun. de 2015
Fidalgo de Braguilha.
Dilema de Chifres.
Escapar de um
chifre, te leva ao outro.
Fidalgo, figura
imortalizada por Cervantes, que representa um protótipo ainda
vigente. Os fidalgos eram filhos de algo, neste contexto indica
riqueza de alguma maneira. Era o mais baixo grau de nobreza –
frequentemente durangos – adquirida como uma doação por serviços,
ou por outros motivos. Um fidalgo famoso foi o Fidalgo da Butega –
braguilha - por haver engendrado sete filhos machos.
Diógenes.
Diógenes, o da
síndrome.
Como se sabe,
Diógenes, depois de sair com o povo da sua cidade nos seus
calcanhares, acusado de falsificação de moeda, viveu durantes anos
em Atenas, sua casa era um barril de carvalho francês, uma das
habitações prefabricadas mais procuradas de sua época e ainda
atualmente muito apreciada no setor vinícola. Como também se sabe,
Diógenes se caracterizava pela busca de prescindir de tudo aquilo
que era supérfluo; não sei se por isso, mas se chamava o cachorro
ou o cínico, que é o mesmo. Também é notório que frequentemente
circulava pela cidade, a primeira hora do dia, com uma lanterna de
óleo, procurando um homem honesto; nunca o encontrou, de modos que
ao final, passou a catar tudo que lhe parecesse ter algum interesse e
coubesse no barril – de carvalho francês - até o ponto dele lá
não caber e ficar à porta.
22 de jun. de 2015
Casamento e governabilidade.
- Quer casar
comigo, Marisa?
- Tadeu, esta não
é a pergunta que deve fazer.
- Ah! Não? Então
quer dizer que não quer?
- Não cara, não
é isso. Não é esta a minha resposta, mas tampouco a sua é a
pergunta adequada. O que há de me perguntar – de momento – é se
pode continuar me pedindo para sair, me acompanhar ao cinema, se pode
me levar para jantar no fim de semana… tudo isso com o bem
entendido que você continue usando o seu carro, pagando as entradas
e a conta do restaurante, é claro. Isso é o que deveria me
perguntar, entendeu?
- Sim minha cara,
sim, mas isso, tenho feito até agora, continuarei fazendo uma vez
que responda a minha pergunta e sermos casados.
- Não, Tadeu,
acho que não me expliquei bem. Veja, se te digo que sim, é o fim do
nosso namoro, não vê isso?
- Claro, porque
então, com certeza, estará disponível para sair. Afinal os casados
vivem juntos, ou não?
- Não, Tadeu, já
vejo que não me entende, ou não quer entender, muita pressa ou
pensa que tudo é automático. Em qualquer caso, o que quero dizer,
na hora certa, a sua pergunta seja mais elaborada, que me permita um
tempo para ruminar, e não esse vapt vupt. Não sei, mas sem pensar
muito pode ser uma coisa assim: “- Quer casar comigo, com as
seguintes condições: primeira: nunca te farei perguntas que tenha
que responder com um sim ou um não. Segunda: sempre te chamarei de
Minha Querida, ou algo mais doce. Terceira: todas as decisões, até
mesmo a cor de minhas meias e gravatas que compro, serão tomadas
entre nós dois e você terá o direito de veto. Quarta: a tua mãe
terá as chaves da casa e poderá se instalar no quarto de hóspede,
sempre que ela queira. Quinta: todo os anos passaremos o natal e ano
novo (nossas férias) em Catanduva, você já sabe que meus pais são
dali… Até aqui recordo esta novela por capítulos, que lia, num
bar do litoral, numa página de politica de um jornal litorâneo,
creio que se equivocaram de secção. Tive que sair para, enfim, sai
sem acabar a leitura. E agora gostaria de saber se a Marisa disse
sim, ou disse não, ao pobre Tadeu. Chorará se ouvir um não? Ficará
bravo? Ou com os recursos que gasta…. com certeza deve ter outra
‘apalavrada’. Não se preocupem: vou procurar saber.
Assinar:
Postagens (Atom)