14 de jun. de 2016

Dia dos Namorados.






Entre eles, o que havia, não passava de sexo pagado. Mas Rud repetia a escolha, por preguiça e hábito, se alguns momentos de ternura, se aviava por somar à confusão daquela equação, a insistir numa igualdade monetária. Entretanto no último dia dos namorados, quando os corpos se apartaram e assim olhavam as estrelas giratórias daquele céu rebaixado, Vivian suspirou profundamente, Rud quis saber com rabo d'olho e foi estremecendo enquanto ela dizia “ Sabe Rud! Hoje, você me fez sentir... sabe... até hoje não havia sentido, uma vontade que vem desde as profundezas de mim, me enche o peito, que não sei bem o que é, sei que é bom, queima o meu rosto e é agradável... me enche de esperanças... me faz sentir...!” Rud tombou a cabeça, coçando o ombro com a barba por fazer do queixo, esperava ver naquele rosto conhecido o laqueado cinismo, mas se deparou com a doçura inquietante e desesperada de lágrimas formando poça no canto do olho.

O Dia que Fiquei Negro.


Hematoma!
Ele disse ele ao médico, tudo começou no campinho, 'na pelada' da semana passada, numa bola alçada pelo goleiro deles, que vinha na minha direção, descreveu a parábola costumeira, e antes de seu ponto de inflexão, fui tomado de antiga fantasia, não outra que a de dar uma matada à Ademir da Guia... o corpo todo inclinado para frente, o pé de apoio na vertical o outro recebe a bola, ela primeiro tangencia meu peito e assim segue até o pé que se afasta, alinhado com o corpo, afastado, o pé recebe a bola como se fosse uma colher e com ela ali presa e assossegada se desloca para trás para não haver rebote. Enquanto sonhava, o brutamontes do Dudu pisou no dedo mindinho. A unha não caiu, mas ficou negra na hora, ou preta se preferir. Segui as instruções do arrependido Dudu: água quente, gelo, beladona e enfaixe.
No dia seguinte, quando tirei a faixa, todo o pé estava preto, ou negro se preferir. Continuei com as compressas, que o Pedrão da farmácia, um farmacêutico prático recomendou. Trabalhei todo o dia e ao voltar para casa e ir à ducha, estava negro, preto até o umbigo. Não tinha coragem de me olhar. Não sentia dores, mas tomei diclofenaco, 'na dúvida' como disse Júlia e carinhosamente me recomendava repouso, enquanto me acariciava para me acalmar. Havia algo diferente em Júlia, um ligeiro contentamento mal disfarçado. Aqueles cuidados, aquela atenção de quem tinha mais a dar que sugar, fizemos amor, algo diferente acontecia. Dormimos. E voltamos ao sexo na madrugada, ela irradiava prazer. Ao despertar outra vez nos amamos, e foi quando vi que estava, assim! Como vê, totalmente negro. Mas, e ela? Perguntou o doutor. Ela! Repeti. Sim ela. Bem! Ela disse: 'Mor! Vai ao médico, peça uma semana de atestado! Vai!

13 de jun. de 2016

De Golpe, Um Golpe de Morte


Umas
Armas
Urnas
Almas
Desalmadas
Desarmadas
Desumanamente
Uma alma um voto
Uma arma derrota
Uma urna uma alma
Devota
Humanamente
Uma alma na urna
Uma arma uma a uma
Uma Descarga
Descarna

10 de jun. de 2016

Exílio Cultural.

Tenho uns amigos de esquerda, humanistas, que detestam a palavra Civilização, e mais propriamente Civilização Ocidental. O fato é que não nascemos civilizados, seja ocidental, oriental ou pré-Cabral. Temos que nos educar. Havemos de educar nossas crianças. Sem essa educação, digamos ocidental que é a nossa, que teve seu amanhecer lá na Grécia, não há como dialogar. Como uma pessoa que não lê, não leu, não foi educada irá dialogar – trocar (interlocutores) opiniões, comentários etc., com alternância dos papéis de falante e ouvinte; conversar. – se ela está exilada da cultura ocidental. Se não entende o grande diálogo da nossa cultura. Temos que ler, ainda que não haja nenhum livro indiscutível ou sagrado. O único sagrado é o diálogo. Se os jovens são privados de acesso a esta grande conversa cultural, eles não serão outra coisa que estrangeiros da própria cultura. As chaves são aprender a ler, escrever, falar, escutar, compreender e pensar. E pode muito bem ser a tarefa de uma vida inteirinha, qualquer uma delas. Porque todas são difíceis e as dificuldades não nos dão nenhum privilégio. Ao trabalho.

9 de jun. de 2016

As nuvens mais lindas, eu vi.

Eu lembro mais ou menos desta redação no ginasial, com mais ou menso linhas, talvez, cara no lugar de rosto, capataz por supervisor e por ai vai, a ideia permanece virgem. Sempre havia redação depois das férias, e em outras ocasiões também. Então a professora escrevia na lousa: Descreva um dia de suas férias. Estou deitado ao sol, sobre um monte de feixes de varas de bambu que usamos para envarar tomates.  É a hora do descanso no café da tarde. Á sombra faz frio.  Estou com os braços cruzados sob minha cabeça e o chapéu de palha sobre o meu rosto, esconde o sol. E pelos buraquinhos das tranças de palha do meu chapéu vejo as nuvens. Todos os meus tios e primos estão a jogar cartas sob o rancho de sapé. Descansamos de uma manhã de muito trabalho. Orlando, meu tio mais novo, grita: Olha lá o supervisor de nuvens. E todos riram. Logo voltávamos a trabalhar, e eu segui com meu pensamento nas nuvens e sei que não voltarei a ver nuvens tão bonitas.

Alguma vez eu disse que viver é narrar?

Alguma vez eu disse que viver é narrar?

A vida é uma intuição narrativa. Posso somar: transcendental. Quero dizer com isso que seria impossível viver exclusivamente dos nossos dados atômicos, nossas ligações de hidrogênio e carbono e nitrogênio e oxigênio, e suas questões energéticas e nossa matéria. Somos seres narrativos. Vivemos graças a que unimos nossos dados com o sentido que lhes damos ou procuramos dar. Definitivamente, é o que nos empurra de um dado a outro dado transformado e vamos de sintagma em sintagma criando a narração. Não importa o que fazemos, tramamos narrações, dessa forma, vivemos em meia a essas tramas. A literatura é a arte da narrativa que trama a encontrar algo que nos console. Dessa forma, melhor será a vida, para mim, se eu for um bom narrador dela, da minha vida. Concluo que, se leio muito é porque sou um narrador medíocre da minha vida.


Esta Noite vou dormir com meus fantasmas.

E-mail.

Ontem enviei um enésimo e-mail pra C, reclamando de umas fotos que não estavam ou não deveriam estar na partilha, por nada, serem fotos de minha pessoa. Que por mais irrelevantes que fossem para mim, eram minhas, o mesmo servia para ela, deveriam ser irrelevantes. O e-mail foi à velocidade da luz, o vi cruzar a grande água, como diria I-Ching, correr pelos fios e blim, direto na caixa postal. Demorou a responder mais pela quantidade de exumações que fez e linhas dedicadas a elas que por algum desprezo. Quando já andava em pijamas. Blim. Abri. Os pobres estavam todos desenterrados. Perdidos. Pensei em convidá-los para um baile. Mas estava frio. Assim que, me pus sob as cobertas. Eles continuavam ali, girei para o lado que não costumo dormir, já sabia que teria que voltar à posição de origem... Não houve outra senão resmungar entre dentes: Esta Noite vou dormir com meus fantasmas.