26 de dez. de 2015

Jesus.

O mais divertido é que tudo ao redor do herói é trágico. Simplificando dos dois lados da equação, sem tragédia nada de heróis, e isso não quer dizer: ao se instaurar a tragédia e surge o herói, não, basta com aparecer um herói e tudo ao seu redor se reduz à tragédia. Se especulo, aonde há um Deus há um mundo, seguindo o fenômeno heróico. E como há quem necessite de herói os há que crêem em Deus e é a estes que o mundo, com Deus, se põe a rodar. Não precisamos ir muito longe para saber que cada povo tem ou teve seu deus. Havendo ainda aquele povo que escolhido por deus, ultrapassa as fronteiras e se faz povo em qualquer geografia, não se dissolve. Não preciso mudar de calçada para saber que há deuses dividindo uma família, digo isso para tentar responder a mim mesmo, se uma nação pode ter mais que um deus. Penso que deus, assim como os heróis, tiveram o seu tempo, e têm seu tempo, uma naturalidade temporal, porque sempre nos submetemos ao que admiramos naturalmente. Mas o que é, hoje, Natural? Quem é, hoje, nosso Deus? Para os povos indígenas os deuses são elementos da natureza, o sol, a lua, a água, o fogo... seja, uma continuidade natural, árvore, chuva, sol, fruto, comida... quaisquer desses substantivos naturais pode ser e é deus. Para mim este encadeamento natural se rompeu, em qualquer ponto dessa enumeração se pode intercalar adubo, pesticida, transgenia, bolsa de valores, sacola plástica, inflação, moedas, entre a árvore e a comida. Se pensarmos no mudo escrito, narrado, e quando estas se deram, aquele mundo estava muito próximo da criação, era um mundo ainda virgem, um mundo que não se conhecia global, então, nada mais natural que um criador.
Assim desarticuladamente, isso que escrevo, vejo Jesus como uma especificidade cristã. Um acontecimento raro, o nascimento de um Deus, isso é o que se comemora, seu aniversário, a encarnação de um Deus na fragilidade de um bebê que precisava de um jumento e uma vaca para que lhe dessem calor e uma estrela que apontasse o caminho àquele que quisesse o visitar, uma estrela no céu, mas a luzinhas coloridas e decorativas das ruas só fazem ofuscar qualquer estrela no céu.



18 de dez. de 2015

Enquanto houver vida há esperança, dizem. É a última que se perde




Enquanto houver vida há esperança, dizem. É a última que se perde. São palavras que não me confortam, não creio nem no emissor nem no receptor da mensagem. A esperança é uma virtude teológica que requer outra: A Fé.
Nunca cri no “futuro-natureza-morta”, ainda que bem pintado. E a Fé tem que ser Cega. Como crer em algo bom no futuro que parta desse desassossegado presente, se todo otimista é quase um Paulo Coelho, pueril? Todo profeta deve ser bem vigiado, e o profeta do otimismo idem, e suas profecias deveriam ser tratadas no âmbito da vigilância sanitária: A overdose, especificamente, de Otimismo é nociva à saúde. Não é possível ser feliz sem ter passado por boas desgraças. Não vindico a dor, só constato. Em toda a história há muito desespero e pouca esperança, particularmente na arte.
Deixo repousar a tristeza. Destilo o dramatismo. Fico nu. Apago os rastros do sentimentalismo. Escrevo isso desde uma primavera que não existe nesses trópicos, uma primavera verão invisível. O Natal não ilumina as sombras sigilosas. Selvagem e histriônico canto:
Oh Caridade,
desde um latão de cobre
esperança dá ao pobre
e ao rico fiança
tua mulata bondade
oh Caridade te peço
se me alcança essa bondade
dê ao rico esperança
e a mim estabilidade..

Para que conste, nem que um exército de otimistas corra atrás de mim, isso não me fará ter esperança, porque esperança é de desesperados, nem mesmo o ano novinho em folha, todo vincado, pronto para “estreiar”, são muitos os naufrágios e poucas as encostas para aportar.  

17 de dez. de 2015

Hipocondríaco Egocêntrico.






Reconheço, sou um estraga prazeres, um chato, um pé no saco, mesmo que Débora, minha esposa, diga isso de outra maneira; ' Você é um hipocondríaco egocêntrico que dá muito ouvido a si mesmo'. 'Tá'...! Tirante isso, tenho acessos de melancolia que enfezam a Débora como agora, que estamos na varanda, tomando uma cerveja, esperando pelo sudoeste, que já vem vindo, e me boto a falar sobre a morte. Não me deixe viver em estado vegetativo, digo a Débora, não suportaria viver dependendo de uma máquina, daquelas bolsas de soros e remédios ligados diretos na veia. Se algum dia estiver nesse estado, por favor, meu amor, desligue estes artefatos que me mantém vegetando, prefiro morrer. Débora se levantou,  me olhou com uma admiração que até então não havia sentido. Me senti um menino mentiroso, que crê que a mentira colou, roda a saia e desliga a tv, o computador, o roteador, o ipod e por fim, me retira o copo e a garrafa de cerveja.
Me invade uma sensação, que, uma por não conhecer e a outra não haver sentido,  chamo de paz e abandono. Ao meu redor tudo vai pouco a pouco escurecendo.... e lá no fundo do corredor vejo um led vermelho... ela se esqueceu da play station... rs

16 de dez. de 2015

Eu não gosto de cebola....sendo que talvez a cebola é quem pudesse dizer que não gosta de mim.

Eu Não Gosto de Cebola.

Outro dia ouvi uma menina dizer, “Antigamente...”, nada mais ouvi, sou curioso, mas não pude ser intrometido, por muito muito que quisesse saber o que vinha depois. Desse modo, antigamente pode ser ontem. No entanto, antigamente, para mim, é quando não havia nem eu, nem rádio, nem tv, nem gramofone... se lia partituras, se contavam contos, a volta do parafuso começa assim. Frankstein de Shelley nasceu assim. Dizem que num verão suíço, na Vila Diodati, havia muito talento debaixo do mesmo teto, Lord Byron, seu médico John Polidori, John Shelley e Mary Shelley, chovia há dias, o tédio andava rondado a casa, então, Byron sugeriu que escrevessem cada um um conto de medo. Dizem que John preferiu continuar matando o tédio com absinto. Byron deixou o conto no meio do caminho, sobre mulheres vampiros da Grécia. Polidori sem mais escreveu O Vampiro, não perdeu tempo para um título, história do dandy irresistivelmente atrativo e perverso manipulador, deixando claro que refletia sua relação de amor e ódio com Byron. Mary Shelley escreveu O Moderno Prometeu, o famoso Frankenstein.
Zequinha de Abreu vendia partituras de Tico-Tico no Fubá, fazendo quem quisesse ouvi-la, ler partitura, tocar algum instrumento. Disse Zequinha, mas havia muitos compositores, como Chiquinha Gonzaga, para ficar nos mais populares. A relação com a arte, em particular com a música era corpóreo-espiritual, exigia todo o corpo e a alma. Essa relação mudou drasticamente, fazendo do ouvinte uma mera orelha manipulável. O tema é imenso, mas fico nisso, que não estou preparado para um ensaio, fico nessa crônica. Mas a coisa se deu da mesma forma que na relação homem-natureza. Há pessoas tão jovens que não têm antigamente, que não sabem de onde vem o bife, tanto menos o Baião. Os livros se transformaram em imagens, filmes. A música vem da saveiro que passa toda noite pelo bairro a despertar galinhas, assustar gatos. Suponho que uma família rica de antigamente tivesse umas 100 partituras e um piano. Hoje, no pen drive do meu fusca tem todas as músicas que ouvi e gostaria de ouvir nos próximos dois mil anos.

É neste ponto, quando se disse que tudo quanto fosse sólido se desfaria no ar, que chegamos. Qualquer relação entre nós e a arte, ou qualquer outra atividade, nada nos esclarece sobre nós, senão que nos obscurece, posto que todos os complexos sentidos que tivemos para apreciar qualquer coisa se reduziu ao gosto preguiçoso e irremediavelmente ignorante. Eu não gosto de cebola....sendo que talvez a cebola é quem pudesse dizer que não gosta de mim.

receita.


Cebola empanada.
Dissolva fermento biológico em sal, acrescente água gelada, pode até botar umas pedras de gelo, acrescente farinha de trigo, faça uma massa espessa. Passe por ela as rodelas de cebola. Não deve escorrer facilmente. Leve a uma frigideira com abundante azeite. Frite. Coloque para escorrer excessos num papel absorvente.

Microconto.

“Quando acordei, o dinossauro ainda estava ali”.de Augusto Monterroso. 
“Sabia que estava sozinha no mundo, de repente, batem na porta”.
São contos brevíssimos bastante conhecidos. Gostei também do conto gótico de G.L.Frost, ainda que li em algum lugar que não queria, mas esqueci, aonde atribuíam - esse de bater a porta - sua autoria a Borges.
 Como sou leviano tomei a liberdade de mudar um pouco o começo, o meio e o final. E gostei mais desse jeito: Um disse para outro: Esse lugar dá calafrios. Você acredita em fantasmas? Pergunta o um, enquanto o outro diz não e desaparece.


Fechou o bar do Mané ou Hitler não fumava, Médici não fumava, Geisel não fumava, mas a cobra fumou




Fechou o bar do pernambucano Mané. Meu bar. A verdade é que me sinto desamparado, é mesmo uma sensação de desamparo. Me sinto um Homer, se o Moe fechar. Um ET apontando com o dedo para onde estava o bar – agora um açougue gourmet, pode? - e exclamo 'meu bar, meu bar' com voz lastimosa. Lembro de quando começou a lei antitabagista, e Mané, que fumava, me perguntou, eu que fumava, o que dizer àqueles, digamos manés, que queriam um cartaz de proibido fumar, eu disse que fizesse um aonde constasse o nome dos merdas metidos a bestas bonfinenses que morreram antes por pura sovinice e ignorância  e não fumavam e fui dando nome aos bois. Não seria nem louco de botar o nome de algum aqui, ainda que saiba dos herdeiros analfabetos, mas tem sempre os puxa-sacos que leem para os patrões, escrevem para os patrões, vigiam pelos patrões, chacoalham para seus amos...   Então para não correr risco de morte, ficaria assim transportando da ideia paroquiana inicial: Hitler não fumava, Médici não fumava, Geisel não fumava, mas a cobra fumou. Vou parando por aqui que comecei a misturar nostalgia com horror.  

Para que serve um amigo?

Para que serve um amigo?

Imagino que algum purista dirá que a amizade não serve, que cada um há de servir a ela, ou algo assim, aparentemente sublime, mas falso. Quero que meus amigos me sirvam. Quero, ademais, que sejam a medida de meu valor. Quero me conhecer conhecendo a eles. Quero, ainda, confirmar neles – já que me concedem sua amizade - que  algo bom vêem em mim. Pois bem, entre os amigos que mais me valem está o entranhado José Carlos..

Zé, como sinto saudades, de nossas conversas sobre o ser e o nada pelas ruas de Sousas ou sobre o divino do humano e o humano do divino pelas noites de segunda junto ao fogão. Se alguma vez nos esquecermos de que somos amigos, encontrarei em nosso esquecimento um sinal inequívoco de que perdi valor.