29 de dez. de 2011

Antônio Niterói encontra pegadas do Proletário.

O espírito absoluto


O sol entrou pela janela, Maiara espreguiçou, Antônio Niterói confundia o perfume deixado no travesseiro. Você não vai trabalhar, hein Terói? Hum!? Homem se alevanta e vá buscar aonde é. Você já fez café? Só-o-que-me-faltava! arrumar, marido preguiçoso, nem um nem outro eu quero, chispa, corra trecho, vou tomar uma ducha e quando voltar quero sentir nem seu cheiro, alui, abale, home! Ai se eu te pego... O ruido da água caindo uma canção que foi se afastando e alonge embalava Antônio Niterói, sobre seu cavalo dialético, ia e voltava, afirmava e empacava, e era outro ele e o cavalo, que sonho mais doido, cavalo com nome de Histórico, eia Histórico, e lhe chegava a espora na virilha, refugava, mas chegava a lugar incerto. Incerta é essa vez, que só existe o que se pensa, mas o famigerado exige uma definição, acossado Antônio Niterói brada sua espada, surgiu um novo sujeito! Aquele que não pergunta: o que é? Açambarcou o todo, não há nada que não se possa conhecer, não depois do espirito absoluto a cavalo haver passeado pela Europa central, consolidando, botando as aspas e o inviolável ex nunc. Não há nada fora do cognitivo. O famigerado é o que faz, e a substância que faz é sujeito pois é feita de sujeito e pelo sujeito ao mesmo tempo que o famigerado é substância. Napoleão é a torre simbólica da apropriação do todo pela burguesia. Antônio Niterói sente certo refluxo ao pensar essa palavra, mas na fome come-se o que existe. Estão unidos o sujeito e a matéria ligados pela razão e todo o racional é real, é história é racional, voando no Pégaso dialético até pousar diante de Guilherme III. Absoluto.
'O touro mouro dos meus dias,Troa na praça o tumulto', Antônio Niterói vai despertar, mas Maiara adoça a voz, eis que aparecem os piratas, os campos africanos transformados em campos de caça de negros, jorros de sangue, fora daqui Niterói gritava Maiara com a única parte do corpo vestida sendo a cabeleira.

28 de dez. de 2011

Antônio Niterói numa cama rangedora com Maiara e as consciências enfrentadas. A Dialética.



No cafofo, a cama rangeu, o silêncio desmaiado substituiu de golpe o abalo, e ainda não aconteceu nada, somente consciências enfrentadas, começando, a História e o materialismo. Maiara pousa sua cabeça sobre o peito de Antônio Niterói, e apesar do calor canicular, assim fica ela encavalada sobre a coxa esquerda dele, babando sobre a casa do coração. A consciência negada, submetida à outra. Dormem. A História nina. Porem, a consciência negada, agora recolhe todas suas armas, as guariba e volta ao ataque e nega a outra. O Escravo nega ao Senhor, quando trabalha a matéria, criando a cultura. A cultura dá razão ao Escravo e este passa a se sentir produtor de razão e de história, sendo mesmo ela, ela sendo ele, se misturam a ponto de serem o mesmo, estão dentro um do outro, ao mesmo tempo que são dois em um transformados. O Senhor fica ocioso, se coisifica, desejoso de matéria e de natureza, se transforma em coisa, natural, naturalmente animal, a desejar como animal. Coisas.. Antônio Niterói esboça sonâmbulo sorriso, que logo substitui por um suspiro. Maiara limpa com as costas das mãos a baba que depositava na caixa torácica do nosso herói. Uma consciência nega a outra e se torna Senhor. O outro, Escravo constrói, na manipulação da pedra, a Cultura. Parece que a paz reina e reinará como algo, absoluto, inescapável, o triunfo do espirito absoluto. E Napoleão passeia a cavalo. Mas Antônio Niterói agora sonha com um filme, The Servant ( O Monge e o Executivo- O Criado) de Joseph Losey, acha que é Dirk Bogarde que está rondando sua Maiara que é a cara de Sarah Miles, o criado vai entrando em seu corpo e acaba por desocupá-lo de si, e nem ele dorme, e tampouco Sarah Miles ou Maiara babam no seu mamilo esquerdo e toda umidade que lhe queimava a coxa esquerda desaparece. Antônio Niterói fica confusamente sonhando, não há linearidade, em balbucios, o espirito absoluto a cavalo, pisoteia, esmaga sob suas ferraduras, a timidez do cogito, que se envergonha diante da coisa em si, dando coices no obscurantismo da coisa por si mesma, galopam aferrados um ao outro até a cisão que os aparta e os faz carregarem das partes de que são o fundamento, para se juntarem na calma de uma cama que range, um lençol que não os alcança e uma mosca que por isso, abusa.

27 de dez. de 2011

Antônio Niterói retorna ao começo da História.



Maiara sugeriu que Antônio Niterói subisse para o cafofo. Mas sua embriaguez e o Senhor e o Escravo o impediam de mover-se, pediu mais uma garrafa de Sidra, a chacoalhou e com a cabeça do mata-piolho em alavanca, ajudou que a rolha de plástico voasse como uma nave espacial. Estava lá , em nenhuma geografia, por isso, algures não serve, invisível ou transparente, a ver que uma das consciências desejantes se subordinasse ao outro desejo. Entenda, deixou anotado Antônio Niterói, ainda não há história, nada aconteceu, só a submissão. Mas tempo veio, que o desejo reconhecido como superior, impõe ao desejante de desejo medrado pela morte trabalhe para ele. O desejo subordinado, trabalha, produz e leva perante ao outro o produto que tanto necessita o desejo que o submete. A este Antônio Niterói chamou-lhe: Senhor, àquele Escravo. O Escravo seguiu fazendo o que mandava o Senhor. O Senhor queria maçã, o Escravo trazia maçã. Esta cena fez com que Antônio Niterói recordasse o filme A Comilança, aonde Ferrer (o diretor) claramente tenta passar essa ideia, tipica dos anos sessenta, aonde a burguesia comeria até morrer, e os proletários a trazerem-lhe a comida. Ferrer se enganou, a burguesia não morreu e continua comendo, ao passo que o proletariado ainda morre de fome. Voltemos ao princípio. Antônio Niterói com sua argúcia de detetive da escola Materialista-dialética-histórica, percebe que o Escravo ao trabalhar a matéria, só por este motivo, Antônio Niterói explica o materialismo, não quer dizer apego aos bens materiais, sim, trabalhar com a matéria, pois o Escravo seguiu trabalhando com a Matéria, transformando-a, estetizando-a, fazendo por fim cultura, e com a cultura criando liberdade, é louco, anotou, isso pode explicar o surgimento de muitos pratos típicos, darem-se justamente aonde a escassez abunda, a arte, note que a arte grega clássica é superior ao modo de vida grego da época da arte grega clássica, por isso Machado de Assis é superior a João Ubaldo Ribeiro, já estou viajando, vou aproveitar e deixar anotado uma reflexão livre sobre o amor sob o prisma dessa dialética do Senhor e do Escravo, percebam o quanto é comum que quem mais ama mais se subordina, e que aquele que menos ama: submete, eu vou mais longe que Sartre em o Ser e o Nada, digo que aquele que mais ama, na verdade sente mais o medo da morte, e se transforma num escravo do outro, e como tal trabalha a matéria do amor, que é o medo da morte, não sendo incomum, amor e morte andarem tão próximos. Antônio Niterói vê, o criador da cultura, criá-la alisando as arestas das pedras, e a rolha de plástico que havia batido nos dois lados do canto da parede acaba por retornar na sua testa e ele desperta. O bar está fechado, e Antônio Niterói sabe que Maiara o espera com suas formas redondas apontadas para ele, quentes e úmidas. Ele sobe as escadas rangentes, as formas redondas se mexem e a cama também range.

26 de dez. de 2011

Antônio Niterói, que creia o incrédulo, viaja ao princípio da História.



Sem geografia, e portanto mapas, e portanto impossível se perder, Antônio Niterói escondido ou transparente, para não interferir, como fazem, nos filmes, os americanos do norte quando viajam no tempo, expectava alegremente pelo nascimento da história, como soem fazer os da National Geography esperando o nascimento de uma ninhada de dragões em extinção. Sem que se desse pela coisa, dois humanos que aparentemente dialogavam, argumentavam, por fim exigiam o submetimento do desejo do outro ao seu e vice e versa. Antônio Niterói anotou em seus apontamentos. Desejam o desejo do outro. Ou melhor, eram duas consciências desejantes que se enfrentavam. Em palavras definitivas dois desejos que se desejavam, enfrentavam. E continuou anotando, e dizemque, Jean-Paul Sartre um dia teve em mãos esses apontamentos, que na verdade são várias as versões, outra é que Sartre, não acudiu a um curso do russo Alexandre Kojéve ou Koiev, onde estiveram presentes, Merleau Ponty ( que alguns petistas confundiram com Merlot de Romanee Conti) Jaques Lacan, Raymond Queneau e que Sartre conseguiu, sim, as anotações de António Niterói. Enfim qual seja a versão, Antônio Niterói estava lá, amoitado, a ver o que se passava entre os desejos. Antônio Niterói deixou anotado: há diferenças entre o desejo humano e o desejo animal, veja você. O desejo humano: deseja desejo, quer dizer que o outro o reconheça. Que o reconheça como seu superior. Que se submeta a ele. O animal deseja coisas. E as coisas que deseja, geralmente as come. Coisas naturais. O homem não deseja coisas naturais, esse é o achado, a consciência é desejo. Antônio Niterói não se dispersou: e viu que ambos os desejos desejantes do desejo do outro estavam em pé de igualdade, mas qual não foi o seu espanto, um refluxo quase a botar tudo a perder, tapou a boca com as costas da mão e implorou pela digestão do rabanete do dia anterior. Meu desejo é que você me reconheça, o meu é o mesmo desejo, que você se submeta ao meu desejo de submeter-lhe. Os dois sabem, as duas consciências desejantes sabem, que estão diante de um duelo mortal. Então uma das duas consciências tem medo, temor de morrer. Pois se trata de um duelo, e um duelo leva sempre um dos contendedores à morte. Ambos os rivais têm medo à morte. Mas em um deles o desejo de submeter ao outro é maior que o temor à morte, e se isso, o outro tem mais medo de morrer que desejo, por isso se submete. O que aconteceu meu querido? Pergunta Maiara. Começou a história diz entre dormido e acordado, como assim? Nossa dormi nessa mesa da Cristal? Sim, e o travesseiro e esse livro, e que tem isso? Vige, Maiara, descobri o inicio da História, e como é isso Teroi? O homem se submete a outro homem, gerando assim a relação de escravidão. Mas mal sabia Antônio Niterói que voltará ao princípio da história.

Antônio Niterói, não quer saber do fim da história, quer saber como começa a história.



Antônio Niterói entende as dificuldades sentidas por Kant ao se deparar com a coisa em si, pois naquele momento não havia a liberdade necessária e suficiente para enfrentar uma teleologia absoluta, assim permitiu que permanecesse na coisa: algo de misterioso, teológico, como se a coisa pudesse ser algum fora da relação humana homem|coisa, parou por ai, dizendo que o homem produzia o conhecimento da coisa, mas que havia a coisa, fora do conhecimento do homem. Então apareceu Hegel com sua fenomenologia do espirito e acabou com essa história, de que há vida cognoscente fora da relação histórica homem|coisa. Hegel absolutizou a história. O homem. O homem é história e a história é o homem. Um se fazendo no outro e se fazendo a si mesmo. A história condicionada ao homem que se condiciona à história que a ele se condiciona. Uma vez que Antônio Niterói aceitava isso se perguntou a si e a História, como começa essa relação tão duradoura? Embora o Fukuyama quisesse acabar com ela, assim como Hegel também o quis, proclamando do seio de sua genialidade, Hegel não Fukuyama, que uma vez compreendida pelo homem sua razão pacificadora de entendimento, o próprio entendimento da relação, fazia com que uma vez entendida, a história se tornasse transparente, e transparente ao homem, invisível deixava de existir. Tudo bem, todo mundo está lotado de pretensões, mas a pergunta é como surgiu o binômio homem|história? É atrás disso que anda nosso detetive. E vejam com que espanto Antônio Niterói se depara com a questão hegeliana do Senhor e do Escravo. História por demais divertida que Antônio Niterói nos desvelará a qualquer momento, é fascinante, pois desde logo se pode adiantar que envolve Sartre, o Amor e coisas congêneres e seus açúcares, que tanto nos fazem o gozo!

25 de dez. de 2011

O Conto de Natal. My Home is my Castle. Antônio Niterói debruça-se sobre “O caso Yorkshire”.




Leio para você o Inciso XI do artigo Quinto da constituição, como Antônio Niterói fez na manhã daquela véspera de Natal. O Natal é festa. Antes de mais nada, festa que há de hoje em dia exibir consumo. Algumas pessoas exigem que se retome o espirito de natal. Como antigamente dizem. Sebá que lê muito, um Voltaire tupiniquim, dizia outro dia que antigamente a coisa era o fogo, o fogo em oposição ao solstício de inverno, antigamente, disse Sebá, nem havia a América, a América desapareceu como cultura com o seu descobrimento pelos europeus. E o fogo é anterior ao cristianismo, que tentou assimilar o culto pagão do fogo, pouco conseguiu senão que esses discursos de sensaborias, nessa planície de oradores mais falastrões, para não dizer hipócritas, que existem. Enquanto Maiara enchia as taças da espumante adocicada e com pressa para que as bolhas continuassem a explodir contra a face de Naiara que sentada nos joelhos de Antônio Niterói, exigia entendimento daquilo que se lia: A casa é asilo inviolável, ninguém nela podendo adentrar sem o consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou durante o dia, por determinação judicial. Dizia Antônio Niterói a uma atenta adolescente, se não fosse, a concentração de cada um dos últimos meses de sua vida que transformaram meses em anos e a menina naquela mulher, casa dizia Antônio Niterói, não sem ocultar um desejo de Hubert Humberto: é qualquer compartimento habitado, imóvel, ou móvel imobilizado, a boleia de um caminhão, já o automóvel se sujeita a violabilidade. Não importa os aspectos estruturais da casa, pau-a-pique, mármore de carrara ou alvenaria, nem importa se você está em dia ou não com o senhorio, ou a prestação, não importa, e não importa a localização, ainda que sob um viaduto, é inviolável. 'Nossa tudo é casa' exclamava a Lolita, mas aonde você quer chegar Terói? Já estou e estou, no que diz, em algum lugar, a constituição: provas obtidas de maneira ilegal, não tem valor. Depois a imagem de qualquer réu, tampouco pode ser exibida, antes de um julgamento e no juridiquês com sentença transitada em julgada, seja caso concluído. 'Num entendo', é simples meu amor, lembra da princesa Diana, esse bisbilhotamento da vida alheia a levou a uma fuga que por desgraça acabou em morte, que poderia não sei se foi, jogada nas costas dos bisbilhoteiros, num entendo Terói, Naiara, se permitirmos isso, estaremos permitindo que de algum lugar do espaço sideral uma câmara vasculhe, bisbilhote o nosso quintal, eu sei, eu sei que você sabe, mas eu sei e você sabe, onde você bota o ouro do nariz.

19 de dez. de 2011

Antônio Niterói, faz retiro espiritual, extraordinário, por um Yorkshire.

 Antônio Niterói, Sebá, Naiara, Maiara e todas as outras meninas depois de beberem as

espumantes em clara homenagem ao Corinthians, se sentiam mais senhores e senhoras do

contentamento. Arrastavam sem esforço a alegria de chumbo e a tristeza oceânica azul

perturbadora e grená da derrota santista. Antônio Niterói gosta de conversar com Maiara,

com os cotovelos cravados no balcão de tijolinho à vista, coberto por um granito escuro e

seboso, mas a música ocupa todos os caminhos de propagação do som. Porra Maiara, gritou

Antônio Niterói, estou me sentindo um cachorro. Prum! Foi como se houvesse caído um

raio e Maiara havia enrolado a língua de susto. Cachorro! Fez ela, coitadinho, como pode

aquela cadela matar o cachorrinho indefeso. Sebá que calado estava, permaneceu na mesma,

depois de uma interjeição de omoplatas. Naiara se aproximando, livre do pretendente, sabe

quanto custa um yorkshire? Mais muito mais de vinte subidas, sim vinte, se tiver pedigree

registrado, minha vizinha cabeleireira tem um caramelo, mas gente! Mas gente o quê?

Terror! Vai falar que você defende aquela umazinha? Não é isso! É o quê? Terror! Quem

nunca pecou, atire... Antônio Niterói fez uma pausa e olhando bem nos olhos de Maiara,

não disse nada, pois não pode dizer nada, mas ia enfileirando pensamentos, e os deixava,

sem querer, transparecer nos vincos da fronte calva, essazinha mete fogo no barraco,

aproveitando do marido bêbado, mata junto com ele o filho deficiente, o fogo se alastra para

os barracos vizinhos e todo mundo perde tudo, é diferente, é muito diferente, Terror, o que

ela fez não tem perdão! Mas... Mas o que? Terror, o bichinho não tinha como se defender,

não podia ir embora, não escolheu aquela casa, aquela dona! Terror você me entende né?

Não eu não entendo. Como assim? Eu não entendo tanto ódio, tanta repulsa, por essa pobre

enfermeira, vocês não percebem a contradição, xi, vai vendo, lá vem ele querendo falar


difícil, terror não leva a sério não, esquece, meu amor, amanhã nós vamos para o Pantanal,

precisamos do motorista e guarda costas bem animadinho.


Dois dias depois estavam, todos, numa pousada, umas cinco horas de barco para lá de

Coxim. Um mundo de homens pescadores. E fisgavam os tucunarés, deixavam os bichos

fora da água para as devidas fotografias e depois soltavam. Na hora do rancho, cada

pescador tinha sua moça sentada na perna. Antônio Niterói pensou em fazer uma fotografia,

não deu tempo nem de armar a máquina. Esse trem tá proibido aqui no rancho disse Maiara.

Antônio Niterói borcou uma de uma só golada, pegou de uma carretilha e foi pescar.


18 de dez. de 2011

Antônio Niterói, vê o jogo Santos e Barcelona no Bar Verde da Maiara.



Depois de um demorado café da manhã em companhia de Sebá; café que consistiu em café e cigarros e a manchete do Jornal A Cidade, sobre o pacote eleitoreiro da Prefeita, ao final concordavam que brasileiro não acredita mais em pacotes, o pacote é sempre bonito, mas o que tem dentro, absolutamente, nunca se sabe, inda mais se  tratando de transporte urbano, que devia se chamar secretaria de Mobilidade Pública, Urbana, pensada para humanos, também concordou Sebá, se sequer temos Paradas de Ônibus minimamente ergonômicas, e foi explicado:  isso quer dizer: funcionar para o que dizem; Antônio Niterói convenceu Sebá a fechar a Pensão e juntos virem o jogo Santos e Barcelona, no Bar Verde da Maiara. Há um quarteirão já ouviam: Ai Ai\ se eu te pego \ Ai Ai\ se eu te pego...
Sebá olhava para os fios fazendo notar a quantidade de postes que há nas calçadas, é uma cidade pensada para cachorros, disse Antonio Niterói.
- Meninas cheguei. Berrou Antônio Niterói. Nem vem, responderam elas. Ao final concordaram em ver o jogo e ouvir música. Quando os dois times entravam em campo, Antônio Niterói e Sebá e as meninas se decantarem por Piquet, com louváveis desavenças favoráveis a Neymar e concordarem que Messi é fuinha. Mas joga bola disse Sebá. Assim continuaram até o final da partida, que pareceu gastar mais tempo que o do cronometro. Todos foram se aborrecendo, e nem a favor ou contra, só uma coisa podia devolver-lhes a atenção: um 9 a um, para que esse um, ah unzinho do Neymar, pedia Naiara, levanta um pouco que minha perna dormiu, e ela sentou-se na perna de Antônio Niterói, não na minha não!  você é de menor, quer ver a identidade, dessa ai eu faço uma com a cara do Brad, você Brad? Você dezoito?  mas foi bonito, foi uma pelada Sebá, e nós já fomos mestres em peladas, pois é meu camarada, Nélson Rodrigues volta a ter razão, trememos diante dos Holandeses, e agora diante dos espanhóis, temos que acabar com essa figura do salvador do time, temos de inventar o time que salve a estrela, sem o poderoso exército greco Aquiles teria caído antes, muita coisa deve ser mudada, não aqui com tanta menina bonita, Sebá pagou uma Peterlongo, Antônio Niterói outra e até a Maiara abriu seu decote e pagou a terceira espumante e todos abraçados gritavam, bota pra fude!!       

13 de dez. de 2011

Antônio Niterói, numa aventura eletrizante, encontra provas cruciais que despenaliza o pastel.



Antônio Niterói sempre dormia tarde. Ia de bar em bar, perseguia-lhe a insonia, ou o medo de que, em algum bar acontecia alguma coisa que lhe escapava, tinha a síndrome da onipresença frustrada, esgueirava-se pelos balcões dos bares, quando os bares também demoravam a dormir. Aos domingos amanhecia junto com os feirantes, na Avenida Portugal, para um pastel, dois ou três e não poucas vezes, quatro, o último sempre era de palmito, com direito a repeteco, sempre que calhava, não fugia. Havia o pastel de quinta-feira no mercadão, o pastel com café d'A Única, um pastelzinho com azeitona d'Alzira e os mini pasteis com Almadén das vernissages do Mauri Lima ou do Paulinho Camargo e a última em que marcou presença foi a de Cleido Vasconcelos. Já não havia mini salgados, pois foi uma vernissage Brunch.
 Pare com tudo. Disse o doutor. Parou. Mas já estava colesterizado. Acontece que um dia estava com o Lemão, lá na pastelaria do Mané, e falavam sobre veia entupida. O salgadeiro da casa, o peruano Carlos Lopez, havia ensinado o Lemão a comer tomate sem sementes por culpa do cálculo renal. Toda a cultura Inca, relembrada. Lemão chamou Carlos, e Carlos explica a Antônio Niterói que na massa de pastel se coloca pouquíssimo óleo e Carlos explicava que o importante no caso era a manipulação o amassa a massa, sem parar, cilindrar, para gerar mais força na massa, e que no momento da fritura acontecia o seguinte: o óleo quente esquenta a água interior da massa e a água vira vapor e este escapa fazendo aquelas bolhinhas no óleo quente, e que as bolhinhas de ar que não conseguem escapar se a massa é forte,  ficam presas nela, por isso a massa do pastel tem essas bolhinhas, claro, por isso é forte, sim, é imperioso que haja força na massa e para o ar ficar preso, e para ser forte não pode haver óleo, o óleo a torna quebradiça, que é o polo oposto, a massa podre, então a massa de pastel deve ser bem sovada, cilindrada, quer dizer que não há nada de óleo dentro da massa do pastel, claro, algo sempre há, mas há menos que em um sorvete, por exemplo, não acredito, sim acredite, assim que, assim que o pastel tem a massa feita de farinha de trigo, como o pão e se for bem feitinho, o pastel, ele tem pouquíssimo óleo. Foi então que Antônio Niterói naquele mesmo domingo, acordou cedo e foi da José Bonifácio até a Av. Portugal comer seus vários pastéis, sem culpa.   

8 de dez. de 2011

Doze homens sem sentença, julgam. Enquanto Antônio Niterói bebia com Maiara e Naiara no bar Verde.



Todos eles, sim eles, são frequentes nesse ambiente, nessa função, entediados, menos um que entra cheio de frescor e romantismo. Seu filme predileto é justamente, Doze Homens e Uma Sentença. Pergunta aos outros se já viram o filme. Um pigarreia. Olha para a janela fechada e desenlaça a gravata, retira o paletó, arregaça as mangas e dá por terminado o trabalho. Culpado. Outro diz, até agora não entendi o tal do barômetro, é um treco de medir pressão, sim, mas por que sobre um piano, do mesmo modo que um Cabo no palco, a gente podia estar no Pinguim, a seis reais o chopp! Não dou conta, e você novato? Eu! Para o Pinguim? Não o homicídio! O teatro está na praça, a praça na cidade, a cidade no país, o país no mundo e o mundo é o mundo mundial e o teatro está no mundo, e o mundo é um teatro; aquele imita este? É, este mundo com aquele dentro; e se se mata, se mata neste mundo, que é este, esse teatro no mundo é aquele num mundo teatral. Contudo penso que deveria ser julgado no teatro, nesse que imita o mundo real que também é um teatro, você quer dizer, numa peça de teatro, não numa, mas na mesma peça de teatro, foi nela que se cometeu o crime. Como assim? Igual no futebol. Certo, o futebol tem a sua corte. É isso! O que você quer dizer com isso ? Culpado! Culpado? É! Pensava que ia querer reverter o onze a um. Não, nunca, se não entendo, sequer, por que não pintaram o guarda no cenário, porque iam economizar cachê. Você leu a manchete do A Cidade? Policial figurante de policial, mata dono da casa que pulava o portão da própria casa, no teatro Pedro II. Vamos acabar com isso! Que a realidade só estraga a ilusão! Bem dito! To contigo! Só se for para já! Culpado.
Enquanto isso no bar Verde da José Bonifácio, Antônio Niterói se aborrece com a pouca idade de Naiara e acaba fazendo um poema como se já fosse velho.
lâmina                antes,                   lisa
fria,                   já não                      desliza,
tensa                 pela pele                   gruda
esqui                na grama, como
esticar               a bochecha,             flácida.
                       Com os dedos.                   astucia
                      Não se desespere.
Não cabe                agora um              talho,
que envergonha,
                         mas o pacto com o                 corpo
                         pode ser desfeito,                   esquecido
que ele começou a des
                                  faz 
                                      er 
                                        -se... 

6 de dez. de 2011

Antônio Niterói é testemunha dos três homicídios: do Autor, do Ator e da personagem.





Em juízo, Antônio Niterói se manteve abstraído na fase protocolar, agora se ajeita na cadeira para ouvir o promotor, sabemos que Cabo Clemente, guarda irlandês, não estava deslocado dentro da peça, conquanto o guarda irlandês também não o fosse, é no caso, o guarda irlandês um elemento que traz realidade, do mundo para o mundo da ficção, aportando realismo, disse-me o autor da peça A Casa Caiu, fundamentado no original aonde, em todos os passos de Leopoldo, a guarda irlandesa se fez presente, como um vaso sobre o piano, na festa onde ninguém sabe sequer ler uma partitura. Protesto meritíssimo, adiante, um barômetro sobre o piano! Não nobre colega, não existe esse deslocamento, pretendido, na Dublim ficcionada havia, protesto, adiante, não se trata da imitação da Dublim real, mantido, não disse imitada, meritíssimo, a Dublim da obra é ficção, não uma existência paralela, ou imitação duplicadora, prossiga, na Dublim ficcionada havia por todas as ruas donde passou Leopoldo a guarda irlandesa, duma Irlanda fictícia e em toda obra a guarda irlandesa ficcionada, numa Dublim idem não comete nem um assassinato, assim não há a menor possibilidade, que a personagem reclame uma interpretação, a si favorável, por hora desvirtuada, posto que a personagem, ainda, que teoricamente possa trazer embarcada um leitor implícito, ainda que, levemos em consideração o que determina vossa Excelência, se tratar de um triplo homicídio, implícita a morte do autor, ainda que, uma vez aceite, ocorre a destempo da peça, concluo pedindo aos senhores jurados a condenação do Cabo Clemente por homicídio culposo do Sr J. Maurício e Aníbal, conquanto o assassinato de Mr Leopoldo, que a critica especializada e o tempo venham a julgar.
A defesa pede que a testemunha Antônio Niterói seja ouvida novamente. Profissão Sr Antônio Niterói? Corretor. O Sr Antônio Niterói vive de porcentagens que cobra aos amigos que vendem imóveis pela MRV, pelo empréstimo de sua carteira do CRECI, protesto meritíssimo, prossiga. A defesa depois de desqualificar a testemunha, induz sem prova a se pensar que a trupe nada mais era que uma banda organizada de traficantes da famosa DMSO – dimetilsulfóxido – que atua como um marcador e borrador de sinapses, que poderia como o SOMA, levar o usuário a agir como títere. Antônio Niterói diz, conheço Camila Dunlop desde os anos setenta, não posso negar que fumamos uns baseados na praça Redonda, olhando o por do Sol, sobre a Vila Virgínia, mas na tarde do crime, ela nada mais fazia que caminhar para espairecer, e me alegava na oportunidade não compreender de modo algum a pertinácia do guarda irlandês, mas cria que não passava de uma alegoria do adaptador do livro para o teatro, uma mimese da galinha imobilizada pela risca de giz em Kasper Hauser, sem sentido e desproporcional, o que é um desproposito? Toda e qualquer ação do Cabo Clemente, não vem ao caso, que um Sr que aluga a identidade profissional, diga que toda a ação policial é um desproposito. Mais alguma pergunta ? Dispensado. O nobre colega quer negar inclusive a existência do mundo real, discutindo literatura, alegando que o crime tenha ocorrido dentro de uma obra de ficção, como se se tratasse de uma embaixada da arte na mundanidade, pois bem, e alegando que a mente do Cabo Clemente, como de toda corporação, desvia de sua função preventiva, agindo como se de fato fosse juiz. Vangloriando a guarda irlandesa. Esse homem agiu seguindo como qualquer leitor atento, seu faro de caçador, sua intuição em nome da sociedade. Peço sua absolvição em nome do dever de personagem realista, imitar o real, e de interprete de uma única moral. Os jurados se recluem. 

5 de dez. de 2011

Antônio Niterói, nesta segunda parte, tentará desvendar o estranho duplo assassinato de único morto, durante a intrigante: A Casa Caiu, estrelada por Camila Dunlop e o duplamente morto J.Maurício Aníbal.






Cabo Clemente, sim o soldado era Cabo, ligou para os seus superiores diretos, não convidou os subalternos, mas sim, alguns amigos da corporação, ligou ao Capitão da reserva, presidente da Aspomil; e aquilo que as vendas antecipadas anunciavam – fracasso - fracassou, o teatro lotou. Nunca se viu gala tão espartana no teatro D. Pedro II desde a plateia, balcões, galerias e frisas tudo cheio.
Camila na solidão do camarim, branqueava sua pela já clara, será uma buliçosa cantora de ópera. Clemente pronto para brilhar, diante dos seus, na coxia andava muito falador, o contra regra, menos Sr. Clemente, abrindo-lhe uma fenda nas cortinas para lhe mostrar novamente o cenário e o lugar dele nele. Ali Sr. Clemente, onde parece uma rua, com uns postes pintados com lâmpadas amarelas, como se postes de iluminação fossem, ali naquela risca, como se sarjeta fosse, de um lado para outro, sim?. Sim, compreendo. Porque ainda não vestiu seu figurino, Sr. Clemente? Como assim, estou vestido! Não, não é esse o seu! Como não? Sr. Clemente, seu figurino é de um policial irlandês, todo em preto e botões prateados e um cassetete, não usamos mais cassetetes, mas não estamos no mundo real. Por fim, não houve quem fizesse o Cabo Clemente vestir-se de guarda irlandês, mas concordou em usar o cassetete, que ainda na coxia fez estalar na palma da mão. Não Sr. Clemente, não faça esse barulho todo, bata com suavidade. Quando Antônio Niterói foi finalmente localizado, para que interviesse junto ao Cabo Clemente, já soava o terceiro sinal. Seja pardelhas e merda! Disse Camila. Merda! Ressoou. Antônio Niterói zelava por um sujeito impaciente logo após a frisa direita. O pano se abriu.
No primeiro e segundo atos, pouco aconteceu, senão que a ovação recebida por Cabo Clemente de todo a corporação presente, logo que apareceu em cena. Antônio Niterói escorregou na poltrona, escondendo-se atrás do balcão, vergonha pelos outros, Naiara quase a chorar, é tanta emoção! O terceiro ato começa com Leopoldo e Stephen bêbados numa mesa de bar, rodeados de moças alegres, que eles tateiam. Numa cama barulhenta, Camila Dunlop em exígua roupa de dormir, era Moly sonolenta e ciosa do relógio, sem problemas em sentir o calor de Gibraltar, como se esperasse alguém, que não seu marido, sob o rochedo. Leopoldo e Stephen saem do prostíbulo cambaleantes, Mr. Boylan entrava na casa e subia as escadas e fazia sexo anal com ela, numa cama barulhenta. Leopoldo procurava a chave do portão de casa, encontrava tudo, até mesmo um sabonete embrulhado numa folha de jornal, menos a chave em qualquer dos bolsos, resolveu saltar o portão, como outras vezes fizera  quando trocara de calças e esquecera a chave, Stephen se equilibrava melhor com uma bengala. Leopoldo subiu no portão. Cabo Clemente empunhou a arma e fez posição de tiro. A corporação que andava atenta aos movimentos de seu pupilo, deixou vazar junto com o sorriso um rumor de: esse é nosso menino! Cabo Clemente sentiu a energia vinda da plateia, das galerias, mãos na cabeça seu meliante! Leopoldo saltava o portão quando foi atingido por uma bala certeira. Cabo Clemente olhou para o Comandante no balcão nobre, que tudo aprovava com um gesto romano. O amante, a amada, o bêbado Stephen, o contra regras, os maquinistas, a copeira acudiram ao morto, que Stephen havia anunciado: J. Maurício Anibal está morto de verdade! A plateia não entendia, era impossível saber quando findou a ficção que fez-se real. Cabo Clemente era o assassino. Duplo assassinato: J. Maurício Aníbal e Leopoldo estavam mortos.
Continuará... com o julgamento.


3 de dez. de 2011

Antônio Niterói tentará desvendar o estranho assassinato no Teatro D. Pedro II durante a peça com intrigante nome de A Casa Caiu, estrelada por Camila Dunlop.





No palco, Camila Dunlop andava de um lado para o outro, soltando fogos pelas ventas, há nada mais que uma tarde e um princípio de noite da estreia, e para ela, a personagem desnecessária do policial não estava de todo no seu agrado, sempre que olhava para o fundo do cenário, lá estava ele a incomodá-la, quando deveria ser um vaso sobre uma mesa, era um barômetro sobre um piano. Perguntava de si para si, qual seria a loucura do diretor em exigir o policial, lhe era inacessível o entendimento e o melhor a fazer era relaxar, tentando passar-se  incognitamente, na cidade que nascera disfarçada embaixo de um lenço escuro e cabisbaixa, saiu  rumo a praça Sete, que há tempos fora o coração pulsante da noite ribeirão pretana. Antônio Niterói ocupava a mesa do Dr. Sócrates, quando Sócrates bebia, e bebia no Empório Brasília. Antônio Niterói e Camila Dunlop, um dia fizeram amor, loucamente, há anos que não se viam. Cada um para um lado. Antônio Niterói, com seu lado apagado, em exposição, era o próprio disco de Odin em comparação a Camila Dunlop, um ser para ser todo visível e de todos os lados iluminada. Meu deus! quanto tempo! Pois é! quanto tempo! Ah Nit estou um trapo, eu sou um, você está bem, e você mais moça, desde aquele ob ridículo, nem lembrava, muita coisa passou e passei, casou? Casei! Descasou ? Descasei! Me diga uma coisa Nit, tá com pressa, tô, toma umazinha, não tenho tempo tenho que ir, ainda procuro um policial, policial policial? Sim policial, policial ator? só policial, tipo boa praça, não precisa ser boa pinta, conheço uns camaradas no corpo, para que quer ? É para fazer o papel de policial, daqueles hollywoodianos, sim, aqueles que giram o cassetete? sim e caminham para um lado e outro, sim isso, isso mesmo, pode ser gordinho ? Pode! Pode! Você continua gracioso! Para quando? Hoje à noite. Hoje? Hoje! Antônio Niterói, nem me lembrava mais do ob e ligou imediatamente. E ai Clemente? Que manda Niterror? Quer fazer uma ponta numa peça de teatro? Quê que eu levo? Trabalhar com a Camila! Pitanga? Não! Dunlop! É boa? Pneu, cê quer ou não quer? Quê que eu levo? Porra Clemente! Só pensa em dinheiro! Deixa de ser leviano Niterror, cê também é assim, não é! E ai Camila! sai algum para o policial? Poxa Nit, e o amor a arte, aparecer no Teatro Pedro II, dou uns ingressos para a família dele, tá bem? Cê ouviu Clemente? Reconheci a voz, é ela mesmo? Claro! Eu vou de graça! Manda um ingresso pra dona da pensão e tá certo! E o ensaio? E ai Camila, ensaio! Não tem ensaio, vai direto, ele nem precisa abrir a boca. Certo? Certo! Certo ouvi tudo pensa que sou burro, porra! Né isso não Clemente! Eu sei o que é! Tudo combinado e Camila Dunlop não quis ficar para uma cerveja. A Antônio Niterói restou-lhe um par de ingressos, e passar mão pelo rosto, que não tinha mais aquela pele triunfante de quando conhecera a estudante de artes cênicas, mas que tinha ao menos uma vantagem que era a de barbear-se sem o cuidado de olhar-se no espelho, uma vez ainda lisa, mas já calejada, pelos incontáveis se afeitar, nunca mais se cortou. Sorriu; sorria sempre para uma câmera imaginável, na vigília ou no bar, donde fosse, fazendo uma tomada bem fechada no ancacondo sorriso; por ainda não haver passado pelo que costumava dizer ser a eclusa dos sessenta, onde só cabe os que seguirão a envelhecer. Ficou mais a olhar para a cerveja que a bebê-la, e quando Naiara chegou, chegou também a desculpa para não seguir com ela toda aquela noite, o Teatro, que Naiara, pensava ele, recusaria. Não recusou.
Continua...

1 de dez. de 2011

Antônio Niterói depois de revisitar Aristóteles e os sofistas, descobre o porquê de Oração ao Tempo está na boca das Maiaras e de quebra reafirma Borges e Marx, quando dizem que o espelho também reproduz e a história se repete. Primeiro aquele depois este.



Antônio Niterói se desperta no grande quarto de pensão ouvindo uma voz feminina, cantarolando uma canção linda e assustadora, .. tempo\tempo\tempo..., que se confunde com o chuá continuo de seu Lorenzeti. Faz um exercício, físico mesmo, com a cabeça, dobrando-a para trás do travesseiro fixado na nuca, com olhos fechados, quer saber quem é, mas não se lembra, uma estranha que canta Caetano Veloso. Interessante! Muito interessante! Sim mas se fosse tão interessante, não a esqueceria! Ruminava. Subitamente o canto parou e ele ouviu: Porra Niterror, você não tem nem uma merda de um xampu!? Puts grila! Dormi outra vez com a Maiara! Mas de chofre, já não pensava em Maiara, pois ela tem semancol e não ficara para o café da manhã, tendo que abrir o bar Verde, agora pensava mesmo como é que a Maiara lhe ocorrera cantarolar Caetano, e não aquele Caetano, que queria saber se seus fiéis o aguentariam a cantar Peninha, uma vez que seus fiéis, não ouviam Peninha. E foi então que Caetano pode saber que seus fiéis eram fiéis a ele, não à sua música. Maiara é, até onde sei, ouvinte de músicas sertanejas, onde entra, Oração ao Tempo é que não sei! Ouço na novela das oito. Disse Maiara, você gosta? Completa. Gosto mas me perturba. Disse Antônio Niterói. Você e suas encanações, vou indo, foi bom hein! Vai lá depois! Fazendo um olhar de sedutora, com uma plasticidade duvidosa, emprestada de algumas caras e bocas da mesma novela.
Quando Antônio Niterói escanhoado, desceu para tomar café, Sebá, já havia se aboletado no Facebook.
-muitos amigos Sebá?
- tenho 900 amigos. Disse Sebá, acrescentando que haviam postado um vídeo pornô invisível no seu perfil.
-Como é um vídeo invisível? Sebá? Perguntou Antônio Niterói, pois é, se eu tivesse visto não seria invisível, como não o vi é invisível, claro, mas também como se pode saber que postaram se é invisível, se postaram e não o vemos é invisível, e é invisível porque é pornográfico, já que na rede não permite vídeos pornográficos, e se não fosse pornográfico poderia ser visível, nossa sorte Sebá é que Aristóteles dialogou com os Sofistas, assim os digeriu e você sabe como funciona o metabolismo, do quê você tá falando Niterrror? Tô falando que se você parte da conclusão, gerando um argumento, sem ser tautológico, podendo ser verdadeiro, ainda que absurdo, como um vídeo invisível, esse verdadeiro pode muito bem ser irreal. Sebá havia abandonado momentaneamente o notebook e mostrava bem de perto seu descontentamento e desentendimento. Niterror! Cê não tá querendo dizer que não acredita em mim? Tá? Tô! E mais, muito me espanta e também não entendo, como é que consegue acreditar na postagem de um vídeo invisível e não crer no que os olhos que tem na cara estão a te mostrar! E Antônio Niterói seguia ruminando enquanto soltava argolinhas de fumaça, que tardavam a atingir o alto forro da cozinha, onde provavelmente formavam uma nuvem de nicotina, a vida se repete, como a história se repete, em qualquer âmbito, micro ou cósmico, os seres reproduzem e se reproduzem, sendo o que quer que eles sejam, e o quê que venha a ser o real. Não só isso, é claro, mas também, muito, ou nem tanto, mas sim, algo sim.  

29 de nov. de 2011

O traumático caso do porquinho da Índia, donde Antônio Niterói, se descobriu um detetive com a morte de um poeta que começava o desabrocho..




De tudo o que sabia Antônio Niterói em seus onze anos de idade, era que se dependesse de algum acontecimento, que por sua vez não dependesse de sua ação, ele não aconteceria, por lhe ser alheio. Dito de outra maneira para Antônio Niterói a sorte não existia, mas muito corriqueiramente o azar não faltava. Como acontece no caso do porquinho da Índia que havia ganhado do tio Farias. Como havia ficado combinado iria com sua irmã buscar o casal de porquinhos naquele sábado pela manhã. Escolhera o caminho que passava diante da casa de Neide. Antônio Niterói previa que justamente quando passasse diante da casa, Neide estaria dentro da casa, e não o veria, nem ele a ela que era o que a ele mais importava, vê-la, pois o outro dependia muito de Neide. Neide não estava dentro da casa como previra Antônio Niterói, mas estava agachada de costas para a rua. E nem o fato de estar assoviando a canção O Bom Rapaz de Wanderlei Cardoso, adiantou. Ela continuou agachada de costas para rua.
Na casa de tio Farias, chuparam jabuticabas e manga espada, e ficaram com os dentes cheios de cabelos de manga, e Antônio Niterói limpou o sobre lábio na manga da camisa, deixando-a amarela, coisa que lhe renderia um belo puxão de orelha mal chegar em casa, de resto tudo correu bem, os porquinhos guinchavam, mas logo se acalmaram com uma folhinha comprida de capim-gordura. Já a meio caminho de volta, sua irmã que o acompanhava, notou seu entristecer, e quando ela quis saber o motivo, já que ele queria tanto os porquinhos da Índia, por haver lido um poema, que eles eram tímidos, e que não sabia o que era ser tímido, mas logo a professora explicou e ele havia entendido que os porquinhos eram absolutamente iguais a ele, ele se escondia debaixo da cama. Quando a irmã insistiu, Antônio Niterói chorou. Presumia que quando passasse diante da casa de Neide ela estaria no portão e iria lhe pedir um dos porquinhos e ele iria acabar dando um deles e foi o que ela fez e ele timidamente lhe estendeu um que era pedrês.     

Modorrentos uni-vos.



        A letargia é um sono anormal, profundo, contínuo; onde a respiração e a circulação parecem suspensas. Quando perguntamos ao ser e por ele; acometido de letargia, suas respostas são vagas, e este não se desperta para as responder, nem guarda recordação, alguma, se despertado. Isso é definição que se encontra em dicionários, e  para arrematar, buscando pela sinonímia, a coisa aponta para a ideia de inanição, indiferença, modorra, indolência extrema e apatia.
         A modorra é coisa parecida à hibernação, quando as condições climáticas são extremas, os ursos hibernam. Há um particípio, muito bonito, que é aletargado, do verbo aletargar e há ainda: amodorrar, que está entre os paralelismos e simetrias acima, e ainda,  e também há, o, aferrar-se ao ... letargo.  Em qualquer caso, temos aqui um belo embornal cheio de conceitos, como queria o Arcebispo Tilotson,  com os quais as vezes penso em descrever o estado de choque em que se encontra, parte da,  nossa sociedade civil. 
         Muitos de nós há alguns anos, dez, vinte, trinta anos, estávamos bastante despertos, coisa oposta a esse letargo, éramos  esquerdistas alegres, festivos e orgulhosos em ostentar tal esquerdismo, ainda que verossímil e literário, cresciam pelos cafonas no sovaco das meninas, meio maoistas, meio marvada carne cheguevarista: hay que endurecerse pero perderse la ternura jamas, paredón y besos,  stalinistas disfarçados em batas indianas, e tiracolos em couro cru trançadas em ombros trotskystas interessados em Andrè Breton, o futurismo de chinelinhas de couro em  Mayakovystas de folhinhas linhas zibelinhas libelinhas sozinhas, Wilhelm Reich no escuro para comer a Aninha, o formalismo de Jakobson, bebo coca cola, babo coca cola, a poética Brechtiana und so weiter, inocentes e culpados, lírios pirados, irresponsáveis, ignorantes em Das Kapital, Ideologia Alemã, do Anti-Durhing, Heiliege Familie, a os fatos se repetem, hizuzufingen, tragédia e comédia e pornochanchada  e Was tun? Quehacer ? Quefazer ? 

                      " Faça Tudo, tudo mesmo, menos permanecer aletargado". 

         Em  dias de hoje a mídia, a grande e a infinitesimal, dia sim outro também, nos agouram. Os meios, ditos: médias, são verdadeiras encruzilhadas, com suas marafas, galinhas mortas, velas vermelhas e pretas.
Custo a crer no que vejo, se não fosse pelo abatimento dos valores acima assinalado, nós que sempre propusemos a cabeça erguida,  contra o: " come ananás e mastigas perdizes" dos neófitos, não temos coragem de alçar a nossa "acima da manada".
          Não podemos deixar na mão de um “fascismo” incipiente ou encanecido (sim, com certeza, o exagero é meu, meu caldo é exagerado e transborda), por uma burra direita, claro que pode haver dela e nela coisas lindas e melhores ideias das que temos visto, mas não podemos estar  amortecidos e torporizados. Somos nós que devemos dar o passo adiante. Posto que, nas mãos deles, volta-se sempre a uma doença cronica, o golpe.
          A decadência da economia familiar, se alastra pelo mundo, e paradoxalmente, isto é, assemelha aos incautos que o seguinte faz oposição, mas é coisa que encerra o seguinte: o fulgurante progresso de certas economias privadas,  e a corrupção. Tudo fazendo supor os primeiros degraus rumo à decadência moral e por conseguinte a um meio hostil, que tão só alimenta o exercício da individualidade, que sempre nos chega como: fazer sacrifícios. É esta prática, cínica, sabemos por experiência, e sempre desemboca, tão somente, em sociedades caducas e condenadas ao fracasso, e a extinção de direitos,  por extrapolação, que é de onde viemos e partimos e não queremos retornar. Chuta que é macumba! E um passo adiante, no processo de libertação...


24 de nov. de 2011

O espantoso caso de sumiço de um rapaz, resolvido com a portentosa intervenção de Antônio Niterói..



               Uma janela imensa, o bochorno, a toalha úmida descartada, por seca, o ventilador em seu pendular movimento que Antônio Niterói decifrou pelas oladas de ar quente, de uma longínqua combustão. Dormiu, sonhou e despertou, espetado nos olhos por um raio avermelhado de sol que cruzou a colcha, que interpretava a cortina, numa grande janela de uma hospedaria que dá para a José Bonifácio. Com um salto se pôs sob a ducha, onde lavou sua regata amarelada. Fez gestos espaçosos, não alcançava nem o chuveiro, por sua mediana estatura, como os acidentes que vira e mexe lhe ocorriam no apartamento anterior. Passou pela cozinha, onde Sebá tinha um belo café da manhã, sem se interessar. Caiu na rua e esquecido do sonho, que poderia lhe orientar na solução de um caso, advindo em um sonho anterior. Esquecido, sonâmbulo, parado na calçada em meio o vai e vem de funcionários retirando motos das lojas, para estacioná-las junto ao meio fio. Voltou para a cozinha, onde encontrou Sebá a ler o jornal A Cidade, que trazia a história de um jovem desaparecido.
                   A claridade do dia apenas se anunciava através da colcha vermelha que ocupava o lugar da cortina, na grande janela da hospedaria do Sebá, na esquina da José Bonifácio com Mariana Junqueira, onde a princípios do seculo XX fora um pastifício de fama regional, e o alarme do celular de Antônio Niterói disparou. Envolto em uma toalha úmida e vestindo uma camiseta regata branca, surrada e encardida, pois junto com as cuecas era lavada sob a ducha, Antônio Niterói, tropeçou no ventilador. Depois da ducha reconfortante, no espaçoso banheiro, calmamente desceu as escadas que davam à cozinha, onde Sebá já havia disposto as delicias de um café da manhã, sobre a mesa, uma frugalidade comparável a do Grand Hotel.
            - Novidades! Disse Antônio Niterói interpelando Sebá, que calmamente lia o jornal A Cidade.
            - De sempre, estão acusando o Palácio Rio Branco de vender sorteios da COHAB, e o garoto?
            - Ah! Por falar nisso, onde anda aquele seu celular não identificável ?
            - Está aqui! E para variar tem pouco crédito, você vai falar muito?
            - É rapidinho, vou resolver essa história.
            - Não sei qual o seu interesse, você nem foi contratado para isso! Disse Sebá. Era só para se manter em exercício, que Antônio Niterói se envolveu na busca de Cezinha. Cezinha estava desaparecido a dois dias ou três dias.             A família sem noticias do rapaz. Os amigos fazendo correntes pelas redes sociais. A policia procurando e Antônio Niterói investigava.
Antônio Niterói ligou para Salmora, um Civil, amigo dos tempos de corretagem.
            - Então Salmora, descola o número de telefone da família do sumido.
            - Sem palhaçadas hein! Niterror! Veja lá o que vai fazer!
            - Chi! Sal! Quando foi que... bom, esquece, pode confiar! Eu sei que você confia. E preste atenção, em vinte minutos te ligo! Não foge não, você vai gostar!
Sebá se comia de curiosidade e Antônio Niterói não lhe adiantou nada, tão só lhe disse que ficasse atento àquela façanha.
           -98801815. tu!tu!.. O telefone chamou por quatro vezes antes de ser atendido, por uma voz de mulher. Uma voz de rouquidão suave e matinal. Era sim a mãe do rapaz sumido.
           - Então madame quero que a senhora preste bem atenção. Tamo aqui com seu filho. Somo uns cinco, sabe é um sequestro, tamo querendo deiz mil cada um, pra devolve o garotão.
Eva a mãe de Cezinha, começou a rir um pouco nervosa, havia recebido vários telefonemas, inclusive de gente que o havia visto em Blumenau ou Fortaleza, mas nenhum nem suposto sequestrador.
            - Num ri não madame! Se a senhora quiser eu mando a ponta da orelha dele, com essa argola de txucarramãe que ele tem na orelha. Eva exalando espirituosidade lhe disse, que os txucarramães usam argola no lábio e não na orelha.
            - Do jeito que senhora quiser, então a gente mandamos os dois, o lábio e a orelha, e se as coisa sair errado, num for como nós combinar, nós picamos ele tudo. Escuta direito. Tá escutando né! Então leva o dinheiro no bar verde da Zé Bonifácio. Deixa tudo lá com a Maiara, não fala o que é não! Aquilo é mais bandida que nóis! Tá me entendendo? Até meio-dia! Tá combinado? Eva ficou temeu, nunca se sabe, e esse bandido sabe o telefone de minha casa...
            - Ô mano! Que combinado que nada! Pensa que sou boba é! Meu filho tá em Buriti...
            - Tá em Buritizal, Sebá, tomando banho de cachoeira nas furnas!

22 de nov. de 2011

Antônio Niterói. Calor. I.




Metido dentro de uma camiseta regata que há tempos deixou de ser branca, encharcada de suor, e mais nada, Antônio Niterói, tenta diminuir o calor que sente, voltando a dormir com os pés para os pés da cama, afasta as pernas, abre os braços, que a barba cerrada, por fazer, magoava. Decifra o vai e vem do ventilador pelas ondas de ar quente que espalha, vindo de alguma combustão; lhe vem em meio aquele torpor a publicidade logo à entrada da pensão familiar, que Sebá mandou fazer: “bota ai moço, no cartaz” - ar climatizado - e Antônio Niterói, sem mais poder, sorriu para a câmara imaginária que se fechava em seus lábios, não farei desse pinico o meu elmo, se desfez da toalha molhada que antes lhe cobria o tronco para se refrescar, já quase seca, ainda pego um resfriado e como sou azarado ela logo vira pneumonia. Espera que o cansaço ou o torpor ou ambos o façam adormecer para que lhe ocorra em sonhos uma saída.
De tanto girar na cama, como um catavento, Antônio Niterói dorme profundamente. Sonha. Gesticula mantem larga discussão, pessoas próximas dele, pois parece haver entendimento, nos seus sinais. Repete alguma vez a palavra sossego, guturalmente. As pupilas se movem por debaixo das pálpebras. Por fim a calmaria. Um ronco, e engole a última ostra, lambe-se os lábios. Sossego diz numa ventriloquia. Assossegado, ele dorme profundamente.
Um raio do sol nascente penetra através da colcha vermelha, que faz de cortina da grande janela, que dá para a esquina da José Bonifácio e Antônio Niterói desperta. De um salto vai para o banho. Pé direito alto, janela imensa com plásticos substituindo vitrais, dando ao pátio interno. Da ducha, faz seu o purgatório, demora-se, amolece a barba, barbeia-se. Ainda se compraz por ter esse quarto de banho tão amplo. Onde viveu, casado, sendo de estatura mediana batia com as mãos no teto, no chuveiro, derrubava o xampu da cestinha de inox instalada no canto do box, com a toalha ao passá-la das costas para o peito. Compenetrado nessas delicias da amplidão se vestiu e passou voando por Sebá,
- Nem café homem! Nem café, nem papaia, cigarro. Salta degraus. Está na calçada, o sol já sua, as motos, à venda, já invadiram o meio-fio. Antônio Niterói está decidido, tem rumo, tem direção, mas antes de alcançar a Saldanha Marinho, vacila, o sentido lhe escapa, para onde? Olha para trás e como quem procura dinheiro em bolsos vazios, vasculha a memória, vem e não vem, então lhe ocorre, que o último sonho era a solução do primeiro. Dobra-se e bota as mãos nos joelhos como um fundista depois da fita.
Quando volta a hospedaria, na cozinha à mesa com Sebá, lhe explica a anedota.
- Você virou detetive até em sonho. Mas qual o problema do primeiro e a solução no segundo sonho? Perguntou Sebá. Antônio Niterói que tomava café e soltava argolinhas de fumaça, que se confundiam com as partículas suspensas, que refletiam os raios de sol, assim continuou, com um vago sorriso somado, Sebá abria o A Cidade e lhe mostrava o caso do rapaz desaparecido.    

21 de nov. de 2011

Sesta.


Meu avô, imigrante espanhol, subiu a Serra do Mar ouvindo mares de uma concha vazia, trabalhou nos cafezais da região, fez tantos filhos quanto aguentou dona Vicentina. As famílias eram de alguma forma, a pior, uma empresa. Deixou a “colonia” com uma mão atrás a outra segurando aquela, cabisbaixo virou tomateiro, e com ele, todos, nós da família. No verão constrangidos, afogados, engasgados pela rareza dos ventos de viração, - bochorno dizia o galego – e alguém gritava “hora da boia” e dormíamos depois do almoço à sombra ou nichos dela, donde fosse, esticados na sua profundeza virgem e fresca, um tipo de morte ressuscitável.
 Aqueles dias, faz mais de trinta anos. Era menino, por tanto, fiz muita coisa secreta e diabólica, mas como era católico, purguei tudo com avemarias e padrenossos respectivos, sem nunca ter rezado o credo. Este deve ter sido inventado para cristãos novos. Depois fui trabalhar em Ribeirão, era office boy. Ia e voltava de Benelli em menos tempo que hoje, e incrível que possa parecer, a estrada melhorou, os ônibus melhoraram, a distância é a mesma, mas tardo mais.
A ideia de ir trabalhar a Ribeirão não foi minha, era tempo de criança não expor ideias, não me importando hoje de quem a teve, era para se ter uma vida melhor, menos pó no sapato, menos sol na cabeça, mais asfalto, datilografias em vez da enxada, dita caneta, duplicatas, ampliar horizontes e banir as sombras e o “papo pro ar” nas horas sagradas do descanso. Tudo quanto sacralizávamos o cigarro de palha, o caldeirão de comida, embaixo feijão depois arroz, um ovo frito e um naco de porco da conserva perdeu seu espaço. Andei terra, cruzei mar e não vi e não vejo como obter melhores sonos e sonhos, que às sombras de tamarindeiros, laranjeiras, mangueiras, ingazeiras e a moringa de água fresca e o “ Acorda, vamos agarrar! ”





20 de nov. de 2011

O Perfume do livro.


Nada se perde, tudo se transforma, evapora, esfarela, desmancha, perverte, menos o cheiro. Tinha um amigo, quer dizer ele não morreu, o homem está lá. O que cresceu e se tornou um biombo intransponível, nossas diferenças. As diferenças sempre existiram, mas não tinham a estatura das compatibilidades. Enfim, coisa que lembro do amigo é  que apreciava o cheiro dos livros, assim que o tinha entre mãos, o abria e o cheirava, fosse novo ou velho, e o fazia com tamanho entusiasmo que provocou em mim o mesmo hábito, hábito que perdura em mim como louro de uma velha amizade, e o cheiro, sim o cheiro de um tempo, de um rapaz abrindo um livro novo, querendo cheirar as palavras... perguntando pela sua essência.
Quando menino ao livro novo acabado de comprar, arrancado de entre os de sua espécie exalando o cheiro do tempo feito de papel e tinta, acrescentava o cheiro do plástico com o qual o forrava para que sobrevivesse até o fim do curso. Outro cheiro do tempo é feito de pó do livro velho, que resgato do esquecimento, em um sebo, talvez resgato uma voz, que quer dizer coisas e estava calada.
Tudo é. Aromas. Olores. É a alma dos sólidos. Todos nos pertencem por depender de nossa memória. O perfume do café flutuando pela cozinha, ocupando a sala, é uma conquista pessoal, inconsciente, única e presente, mas desde já com ares de passado...
É possível que ao buscar pelo perfume das coisas desconhecidas, me depare com odores insuportáveis, mas é risco que prefiro a um mundo inodoro... continuo a cheirar os livros.  

18 de nov. de 2011

Quando a música começa.

Trilha sonora de uma vida que não é a minha.


Tengo Miedo acabou sendo poeta, mas de igual maneira poderia haver triunfado como pianista. Desde jovem o solfejo o atraia tanto quanto as redondilhas. Publicou no jornal A Cidade no caderno de Resenhas de Concertos com critério e sensibilidade.
Uns quantos de seus compositores preferidos ( Handel, Zequinha de Abreu, Couperin, Villa-Lobos, Mozart e Pixinguinha) e instrumentos como a arpa, o alaúde ou a requinta aparecem nos seus poemas – em títulos como “Soireé” na Praça XV ou Serenata no Coreto - clara alusão à praça 7 de Setembro, Serenata de Câmara - onde há uma concentração quase barroca de metáforas musicais. Sem dúvida, a mais inspirada, a joia, a que equipara a morte ao silêncio : “ quando a música começa”.
Me despedi de seu irmão mais moço, Deoclécio, com o silêncio de chumbo que se seguiu ao Tico Tico no Fubá. Teria também me agradado se tocassem Trenzinho Caipira durante o funeral ou alguma balada de Edith Piaff ou Ray Charles ainda Trio los Panchos, que foram as vozes entre tantas de alguns dos chansonniers que amenizaram os anos centrais de sua vida no exílio, primeiro em Santa Cruz de la Sierra depois La Paz, por fim Barrinha mas antes Jardinópolis. Podia ser alguma melodia, alguma zabumba e um sininho que o fizeram alguma vez dançar com Raimunda, que já o espera a tempos.
Faz uma semana ou menos, recebi um telefonema de Deoclécio. Ele me dizia que lendo as minhas postagens na rede, deduziu que a música não era minha paixão, tara, e que havia uma lacuna no meu passado musical, justamente, por não haver sido dono de uma qualquer discoteca. Consenti. Então me ofereceu a coleção de discos, que Tengo Miedo foi acumulando ao longo dos anos e que não poderia levá-la para seu apartamento, onde sua mulher disse que não cabia, pois a decoração era prenhe de um outro conceito, mais moderno. Novo conceito. Pardelhas! Disse e aceitei, também pela honra de ele haver pensado em mim – inda pareceu inadequado recusar - e curiosidade, nem tanto para meter a agulha, de meu velho toca disco Gradient sobre o surco espiralado do bolachão.
Ainda pensava aonde guardar tamanho tesouro, quando ouvi que batiam palmas, era Deo com centenas de long plays amarrados entre tiras de pano, outras centenas na mala de couro, cheia, de não poder fechar o zíper completamente. Pensei em passar alguns para CD, em montar o toca discos, encher o pen drive...
Resta mesmo é a curiosidade de descobrir que música, Tengo Miedo, ouvia para acompanhá-lo nas horas de leitura, por exemplo; quando se trancava no escritório a pensar em redondilhas, em Raimunda. Agora tenho em casa a trilha sonora de uma vida, que não é a minha. Clássica, ópera, bastante jazz, crooners como Sinatra e Nat King Cole. Ray Charles todos. Trio Los Panchos, Índios Tabajaras coisas do exílio paraguaio. A “chanson” francesa representada por Edith Piaf e uma pequena joia, um álbum duplo de Rina Ketty, J´attendrai que por certo Tengo Miedo ouvia enquanto lia pela milionésima vez os versos de Fernando Pessoa: A Tabacaria.   

17 de nov. de 2011

A árvore da vida. The Tree of Life.



Sabemos de Gênesis: ...Eis que o homem é como um de nós, sabendo o bem e o mal; ora, para que não estenda a sua mão, e tome também da árvore da vida, e coma e viva eternamente...

Sabemos que no judaísmo a “árvore da vida” é um dos mais importantes símbolos cabalísticos.

Sabemos que houve um filme com os jovens Montgomery Cliff e Liz Taylor com o mesmo nome em português, mas Raintree County, originalmente. Por hora.

No filme The Tree of Life de Terence Mallick , a cinética do claro escuro, remonta Glauber Rocha, a câmara intrometida buscando a "ânima" das "personas", mas um Glauber palatável. A interpretação tem muito de José Celso Martinez, seu teatro degustador de pequenos prazeres cotidianos ao alcance dos cinco sentidos, com uma vontade louca que transcenda, isto é, exceder em importância: deixar-se molhar pelo chuveirinho de regar grama. As mãos que se palmeiam tendo por superfície de contato o cristal da guilhotina de uma janela. Mas o final é puro José Celso Martinez. De alguma maneira, maneirismo, ou afetação, mas isso é muito forte e não vem ao caso.
Há instantes de MMV movie maker video, e talvez por isso suportei tais trechos, afinal todos fizemos algo no mmv, com imagens grandiloquentes com óperas, músicas clássicas como trilha sonora. Havendo um senão, que é uma escolha intensamente sacra, religiosa. Levo em conta que a maioria das músicas o são, religiosas, mas o paganismo é também uma religião, no filme sua música referencial está esclusa. Resta o ruido, um ruido que também é auto referencia cinematográfica, posto que jamais ouvimos o ruido do cosmo, o ruido (trilha sonora em Arvore da vida) quer nos dizer que é um pulsar cósmico e assustador.



Do país da Auto Ajuda, é natural que estejam presentes  essas técnicas  e inoculadas na família retratada, sem exageros. Assim podemos ver o pai levar serenamente seu filho “bem pegado pelo braço, sente-se a pressão da mão de O´Brien (Brad Pitt) no braço do filho – como dizemos: (Hunter McCracken) o Jack garoto trabalha para caráleo - “ a questão aqui não é apertar o braço do filho, pois a serenidade é que é eloquente, ainda que bruta, mas serena, e esta só é alcançada com a posse da certeza, não uma certeza qualquer, mas a certeza absoluta de que a razão está com ele, certeza que por sinal soe ruir, quase que sem exceção, na vida real.
O núcleo familiar é tão real que incomoda, espelha, emociona até o oitavo círculo dos infernos familiares. Mallick não comete nem um pecado. já que tão religioso, poderia. Não há defeitos em mostrar, encenar uma “realidade” de maneira tão real e apavorante, mas faz promessas, missionariamente, se intencional ou fruto do inconsciente, não importa: Terence Mallick não informa dela, mas como toda apologia, ou toda indicação de melhor caminho, beira o charlatanismo. Mas pela ingenuidade das soluções, tomo-as como referências de uma obra fechada dentro dela mesma, que se auto remete, ainda que em possíveis e determinados círculos possa ser tomada como apodítica.
Em determinado instante a câmara abandona o celeste, e se mundaniza, para dar uma visão de mundo do autor “Weltanschauung”, então ela sai\vai  em\de cima, de dentro da (Jessica Chastain) Senhora O´Brien a tomada oprime, a música sacraliza a opressão divina, em troca de algo, que não sabemos pois  é só o começo e vamos até o fim, ainda que seja para "tomar pé" (raso) do filme, que é auto referente, se diz de si,  é mais uma gota nesse oceano de misticismos e obscurantismos de nossos dias.


E Brad Pitt diz ao filho em instantes de autoajuda.

- Controle teu próprio destino e acrescenta:

- Não podes dizer: Não posso, e prossegue: Me está custando, mas ainda não acabei, e soma: Não diga não posso.

Sean Penn é Jack adulto arquiteto, recorda de Jack (menino) com raiva de deus, do próprio pai, diz: Porque nosso pai nos faz mal.

Terence chega a descobrir da irracionalidade da vida, sem tangenciar sequer a natureza humana. Talvez queira nos dizer, via problemas de O´Brien, mais que amemo-nos como vos amei, e insinuar o “fim”do capitalismo? Talvez nos diga que o abandonemos, mas não creio nessa superficialidade com cara de lobo ingenuo que de seguida deposita nas mãos da esperança a própria esperança. Deus. O retorno a teologia do medievo, como esperança.

Superficialmente em linguajar esquerda leninista: um filme ideologizante e feito sob encomenda, por quem não sei, ou  uma bula autoajudista, para a tomada de consciência da catástrofe que se avizinha, e nada melhor que amemo-nos uns aos outros, mas não tão irracionalmente como naturalmente nos temos amado, ou seja extirpando o ódio, a competição, o amor (propriedade, posse) não tem nada a ver com os problemas de desamor do homem!
Um grande filme, oferece resistência e tem a matéria plástica da arte que é a intuitividade do artista.
Muita coisa não se explica no filme, porque nem em tomos e tomos de pensadores e defensores reais de tal pensamento ou ideologia, ao longo de séculos, tampouco conseguiram se sustentar, mas enfim, dado que o materialismo-histórico-dialéctico parece banido do planeta, é o que se tem.

15 de nov. de 2011

Rio, Rocinha é mistura azeotrópica.



Um dia de Bar Bye conheci uma garota carioca. Na época vivia a famosa, “hoje”, politica do “possível”. Explico. Eram duas garotas. Uma ruiva, ribeirão pretana e sua amiga carioca. A carioca era visita, ulula. A ribeirão pretana era o must. A carioca era gordinha. Ninguém era feio, éramos jovens, para que ninguém se ofenda. Mas havia os bonitos. Me candidatei à ruiva, encantei a carioca, com quem fui ao Rio pela primeira vez. Havia um problema qualquer na família dela que não vem ao caso, mas, ela, muito jovem tinha, só para ela, um Apê na Visconde de Pirajá, duas quadras do Posto 9. Ela tinha com a mãe lojas num Shopping, que não me dei à faina de ir conhecer, pois ela me disse que era chato, o local, e que tinha coisas para resolver, e que eu me “virasse” até nove da noite, quando então chegaria. Era semana anterior ao carnaval de 1982. Semana que saem os blocos: Simpatia quase amor, Banda de Ipanema, Suvaco do Cristo etc. De manhã, sem ser madrugada dava praia, meio da tarde e tarde: blocos, bar Bofetada ( antes que toda a Farme de Amoedo, e particularmente o Bofetada, fosse invadido pelo “mundo sarado mundial”). Posto o clima, o tempo histórico a geografia, conto que:
Num dia vadio, qual havia saído do Apto depois de voierizar pela janela do apartamento do edifício ao lado uma “transa sexual”, fui ao Posto Nove dar um mergulho, com minhas pernas brancas, meus braços e pescoço negros do sol da então capital do café, um calção preto, justo, como os dos jogadores da Seleção de Tele Santana, lembram como eram “curtinhos” os shorts, fiz amizade: primeiro com um cara que vendia camarãozinho no espeto e gritava: é da maínha! ( em 2005 soube de sua morte), depois fiz amizade com três “coroas” eu tinha 23 Elza 30, Ana 35 e Adalgisa 45 tudo mais ou menos, mulher só com C 14, eram funcionárias públicas em Brasília, usufruindo do recesso parlamentar e cariocas da gema. Saímos do posto Nove para o Bofetada.
- Oh paulista! Temos que ir antes que o Bofetada não tenha mais lugar. Diziam. No bofetada ocupamos uma mesa de calçada. A calçada ali na Farme é larga, a mesa se estendeu, na maioria novos conhecidos, até a sarjeta, e cantávamos... “ Bum Bum Paticumbum prugurundum....”
Quando a Cris chegou, primeiro sentou na minha perna, mas logo encontrou-se uma cadeira e a festa continuava, eu adiei alguma conquista, pode ser, um utensilio qualquer, mas a praia era toda minha, pensava.
Um garoto. Filho de Bidin. Filho do Bidin. Du Bidin. Dez anos! Pode ser! Se aconchegou à Cris. Ela o acarinhou. Deu inclusive ordens e me apresentou. Ele definitivamente não gostou de mim. Depois veio seu pai e outros habitantes de algum morro que não me recorda. Tudo foi tratado, algo me inteirei, não por inteiro, por suposto, fomos quase toda a mesa para o apartamento da Cris. Eu queria voltar para o Bofetada, pois já não era centro de nada, e via minha praia, gordinha, a dar narizadas. Era muito neura, e o mais importante era a racionalidade, ainda que neurótica, e com o pó perdia esses pressupostos, ou melhor dito, todos os pressupostos que eram: Cris, o posto Nove de manhã, o Bofetada a tarde e o carnaval. Mas descobri que era bacana também quando esnifava, tinha conteúdo e um humor cítrico. Passado o medo de perder minha praia e descemos novamente ao Bofetada, Du Bidin me recebeu com pedras na mão. Pagou-se chopes ao povo do pó e mais alguma coisa devida... No dia seguinte no posto Nove, nos pusemos todos ao lado de onde havia hasteada uma bandeira do PT, comprei uma estrelinha para o meu calção curto, bebemos e tomamos sol, minhas pernas estavam vermelhas e conheci Bidin o pai. Du Bidin e eu construímos um castelo de areia, que ele chutou para acompanhar seu pai que ia de mãos dadas com Cris. Mais tarde aceitei o convite de Elza de me mudar até quarta-feira de cinzas para Copacabana. Elza e eu compramos na manhã seguinte, no mesmo Posto 9 uma fantasia, amarelo canário, da São Clemente, então escola da segunda divisão, que usei na madrugada na Marquês de Sapucaí e Bidin apareceu para municiar o pessoal e a Cris me perguntou para que eu havia deixado Ipanema. É o Rio onde o bem e o mal se resolvem e se complicam nas areias da zona Sul, no mesmo ponto de ebulição.