16 de jul. de 2019

tempo é dinheiro.




Em meio ao sono pesado, uma pomba arrulha, Casio se desperta bruscamente, seria hora de ouvir sabiás pocas e não rolas. O despertador se deteve às quatro e quinze. Salta da cama para dentro da calça engruvinhada sobre o tapete de arraiolos, mais um salto sai e pela porta; não quer repetir o que se passou da última vez que se atrasou. Sua chefa não perdoa.
Já na rua, Casio indaga aos bolsos: chaves, carteira, celular, reloje de pulso? Ficaram sobre o criado-mudo. O comércio está se abrindo, bancas de jornais, padarias… pouca gente pela rua. Bom sinal, mas já se ouve as portas de aço se enrolando … Que horas serão? Casio se acerca a um transeunte com roupas de grego, por um momento pensa em Diógenes, mas logo se dá conta de equivoca sinapse… aquele é o do barril.
_ Bom dia! Por favor, que horas tem?
_ Quê? Quer que lhe dê a hora? Ah, jovem, hoje não se dá nada, que mania que aqui se tem, quando não têm nada a pedir, pedem a hora. A hora, meu querido, é tudo que tenho, nada mais, nada menos! Me apresento, Cronos. O deus do tempo. Mas como me simpatizei consigo, Casio… Como sei seu nome? Já disse, sou um deus. Te vendo a hora por um real.
Casio, apalpa os bolsos, e encontra umas moedas, cinquenta centavos.
_ Está bem, concedo-lhe um desconto. Cronos pega as moedas e diz: Sete e trinta. E desvanece num piscar de olhos. “ É cedo” pensa Casio e caminha tranquilo; deixa o tempo passar; só começa a trabalhar às nove. Passeia pelo parque, bela manha ensolarada.
Quando chega ao sex-shop onde trabalha, a chefe o recebe com um olhar furioso, diabólico. De aspecto imponente. Suas ancas largas lutam contras as costuras da saia de couro preto. Os enormes peitos se comprimem no vale que formam e querem saltar pelo decote obtuso. Seu pescoço curto, faz pensar que a cabeça está sobre uma bandeja. Seiko grita:
_ Casio! Está uma hora atrasado. Apontando o digital na parede. Agora compreende o desconto feito pelo deus. Resmunga: Oxe! Cronos! Munheca!
_ Deixe de histórias! Vocifera Seiko. Desde a seção de sadomasoquismo com um chicote de couro estalando no ar: para o Dark Room! Vá tirando a roupa.
Casio pensativo se lembra que para os norte-americanos tempo é dinheiro, para os hindus o tempo não existe; os brasileiros sempre perdem hora, nunca é tarde, mas não existe jantar grátis..




17 de jun. de 2019

A mão do homem morto!


A mão do homem-morto.

_ Sabe o que acontece quando um cachorro vê um homem pendurado de cabeça para baixo?
Azevedo, Manfredo e eu mesmo dirigimos nossos sonolentos olhos desde nossas cartas para o Nogueira.
_ Pois, o cachorro acredita que é ele quem está ao revés – prosseguiu Nogueira – e dará um grande salto para cima a fim de se por na posição correta.
Ninguém fez comentário. Afinal o que se poderia cometar? As estórias do Nogueira, uma vez contados, ficam tão hermeticamente fechados, parecem ovo de galinha.
Nogueira tem o costume de nos contar estórias que cabem na metade de um twiter. Isso exaspera Azevedo, que pigarreou para amortecer seu nervosismo. Há vinte horas seguidas jogávamos pôquer. Todos estávamos irritados, mais ainda Azevedo que estava numa rixa de horas com o azar, horas!
_ Vou pedir uma pizza. Anunciou Manfredo.
_ Um momento! Engrossou Azevedo – Quem dá cartas agora?
_ Você – respondeu Manfredo.
_ É sempre a minha vez, porra!
_ Vai ficar nervosa? - Manfredo sorria levemente tentando apaziguar Azevedo.
O pedido saiu assim meio de peperone com catupiry meio calabresa acebolada. Manfredo voltou a seu posto enquanto Azevedo soltava fogo pelas ventas, atirava as nossas cartas e não as distribuía.
_ Nogueira, uma.
_ Eu, duas.
_ Manfredo, nada.
_ Eu também quero duas, disse Azevedo que parecia empalidecer de repente, como uma vela, como um peixe do escuro fundo do mar.
_ Vocês sabem qual é a jogada conhecida como “A mão do homem morto?” - Nogueira voltando à carga. - Nem as pigarreadas de fogo do Azevedo surtiram efeito.
_ É uma quadra de ases, que Billie Selvagen, famoso pistoleiro do velho oeste, tinha na mão quando lhe deram um tiro pelas costas…
_ AAAAARRREEi!!!!! Foi o que ouvimos sair da boca do Azevedo. Sua cara vermelha, sua língua saindo por entre os dentes, parecia um aliem, como se a mordesse… caiu para trás com as mãos fechadas sobre o tapete verde levando todas as cartas da mesa, fichas, cinzeiros, xícaras de café, latas de cerveja… ficou estendido no chão. Abrimos a janela. Entrava uma briza fresca da madrugada junto com os primeiros claros do dia. Manfredo colava os ouvidos no peito inerte de Azevedo. Nos assustamos com a campainha. A pizza.
_ Está morto – disse Manfredo – negaceava com a cabeça. Um infarto.
_ Que devemos fazer, nesses casos? Perguntei.
_ Retirar a quadra de ases da mão dele! Disse Nogueira.

21 de mai. de 2019

alucinação.


Me apresento?
- Pois, Dino Sauro. E digo: Desde que fechei minha videolocadora ganho a vida descarregando e pirateando filmes e shows de música sertaneja universitária para vender pela cidade. Meu amigo Artur Dias Ciénaga vende muito lá na baixada, perto do mercadão. Artur se especializou em vender música com flauta andina… acho que pelo sotaque. Vou ao que interessa, acabo de passar por uma experiência horrível no banheiro.
Estava só experimentando uma coca que me vendeu meu dealer Aécio el Rey de la Falorpa. Notei um forte cheiro de éter e giz, mais giz que éter. Esse canalha temperou com tanto geso que por pouco não se forma uma rolha no nariz. Bom pelo menos posso falar aos neófitos que sou professor e lousa e giz. Guardei o espelhinho com o pino no armarinho do lavabo, foi então que ouvi um ruído estranho vindo de algum lugar dali de dentro.
Fiquei atento ao ralo da ducha, ao ralinho da pia do lavabo, olhei na água parada do vaso sanitário… então o vi, como um flash. Um olho que me observava desde o interior do ralo da ducha.
Soltei um grito, quase quebro o box, bati a porta do banheiro e meu coração batia a ponto de explodir. “ Será que foi o giz do Aécio? - pensei - Impossível, estava tão batizada que não provocaria alucinações nem num terra planista.”
Já passou uma hora. Decido pegar um cabo de vassoura e ir ao banheiro. O primeiro que vejo é a mangueirinha da ducha sobre o tapete de borracha. De repente se agita como uma serpente e umas antenas cumpridas começam a sair pela água do vaso sanitário. As antenas arrastam o resto da coisa. Um tentáculo com uma boca de ventosa horrível com dentes de lampreia se inclinam na minha direção como se estivesse se preparando para me atacar. Mais antenas aparecem por todos os lados, saem da ducha, do ralo, da pia do lavabo e até globo da luz. Começo a dar pauladas a esmo, jogo o cesto do lixo, a toalha, tudo que está a meu alcance. O tentáculo vira uma massa de gel, shampoo, antenas e bocas… dou um pulo para trás, bato a porta atrás de mim. Ainda tentava recompor meu folego e soa a campainha. Pelo olho mágico vejo dois policiais.
- Policia – disse um – temos provas de que vende cds piratas. Delito contra a propriedade intelectual.
taquepariu, aquele civil vadio atrás duns troco ,miúdos apertou o Artur e ele bateu com sua imensa língua nos dentes daquela bocarra” - penso - mas eles voltam à carga
- Também sabemos que possui drogas. Delito de tráfico e associação criminosa.
Porra, até o Aécinho? Estou rodeado de dedos-duros!”
- Vocês tem ordem judicial, digo ao policial que está mais dentro do que fora de casa.
- Claro que temos – e completa com um sorriso melifluo - : Posso usar o banheiro?
- Ah! Esse truque é velho! Eu vi umas cem vezes no C.S.I LA - dizia e já lembrava do pino e o espelho no armarinho - e lá do fundo de mim surge o instinto de sobrevivência.:
- Pelo corredor segunda porta a direita.
Com um obrigado inaudível ele avança pelo corredor e entra no banheiro. O outro e eu ficamos frente a frente, ele na escada eu na soleira. Imediatamente ouvimos os gritos, barulhos agudos de vidros quebrando, ruido de … mastigação com boca aberta?
- Que que tá acontecendo? - grita o policial – entrando, me empurrado, tirando a pistola do coldre fazendo mira como se fora Horácio.
Abre a porta do banheiro com um coice. Ouço um disparo. Mais gritos, logo silêncio.
Recolho tudo que cabe no meu fusca. Creio que é um bom momento para visitar o casal de amigos Luiz e Dimea que foram criar cabras para fazer queijo numa cabana na finca Juncal num povoado afastado no Uruguai.

20 de mai. de 2019

Fakenews.


Meu revólver é bem calado, só conhece seis palavras, quase iguais. Sei que no mundo não há duas coisas iguais. Nem gente, nem revolveres, ou as garrafas de Old Parr, nem um Cohiba, nada, mas seria capaz de distinguir meu revólver entre centenas: a empunhadura, o guarda mato, o cão, mesmo que não o tivesse limado para que não engastalhe na roupa na hora da pressa, mesmo assim o distinguiria.
Pode parecer extravagante que o amante de arma de fogo se refugie numa igreja, mas que fazer se Armando Colto me persegue empunhando uma pistola automática de cor preta azulada com seis balas calibre 45 e que - estão gravadas com seu nome - ele me avisa.
Na pressa percorro o altar e salto para atrás dele no momento que Colto dispara três balas cuspindo fogo. Uma rebota no crucifixo e vem deixando um traço pelo chão de mármore, passa de raspão a meu pé direito. Outros outros três estampidos se ouve como resposta, para dissuadi-lo de se aproximar.
Um mão na empunhadura do meu revólver e a outra no punho dela levanto a cabeça acima do parapeito do sacrário. Vejo os olhos pequenos de Armando e demasiadamente próximos um do outro. Ele está ansioso para demonstrar como soa sua automática. Dois tiros e fazem os círios do altar voarem espatifados, soam mais dois em devolução, salto e me escondo no confessionário. Outro disparo e logo se ouve a resposta.
Levanto-me lentamente e avanço pelo corredor central de revolver em punho. Colto joga sua automática entre os bancos por debaixo dos genuflexórios e se aproxima levantando os braços e cabeça baixa, e dançando como faz boxeador sem talento, para tentar mostrar que sabe os próximos movimentos.
_ Contei teus disparos – diz – teu tambor está vazio.
Puxo o cão com força e cuidado, solto-o e o estalido ressoa na nave e o fogo se vê.
O silêncio congela o ambiente, Armando Colto jaz sobre os ladrilhos hidráulicos, mirando-me com expressão de espanto, enquanto a vida se lhe escapa por um perfeito buraco no meio da testa.
_ Ainda me sobram duas, seu imbecil, você contou os ecos também, como quem aposta em fakenews como verdade.



7 de mai. de 2017

Gongora Bufonia.




Aqui jaz o leitor deste epitáfio.

Tatue estas palavras tuas ou lavre-as
livre-as desta larva livro livre 
louve em guitarra sóis que
 sois vós.

Déjà era cigarro por cigarra
aqui jaz se procura sentido pós zunido
não há senão macabro subentendido.


Gongora bufonia converto em górgona.
Anaximandro, quis te converter em espelho
a Impetuosa, andava desperta na gangorra, archè ápeiron

Dominique.

Morto se jaz o cemitério por falta de gnomo
vamos por porto às nossas penas,
pele suave veludo de azeitona verde 


como se migalhas,

Dominique, de nosso piquenique
nique, nique sempre alegre...

2 de mai. de 2017

Medo.

Medo.

O medo é uma mão
que deforma uma superfície
transparente
que esconde um incêndio.
Medo é as luas tenebrosas de Marte.
Medo
medo ao escuro
medo à penumbra
medo à forma escura no escuro
medo à forma clara no escuro.
Medo de descer uma escada que não sobe.
Medo, fumaça negra fazendo argolinhas.
Medo, argolinhas virando garras,
medo, garras de felinos
medo, garras de galo.
Medo, rabo de coelho
o garoto arranhado pela idade.
Tinha dez, doce, quinze?
O homem arranha o espelho
ao ver o menino fiquei gelado.
Gelo que percorre a espinha
quem é o desgraçado que ronca no meu colchão?
É tua imaginação?
Que merda estou fazendo no chuveiro da casa de um desconhecido, tomando banho sem cuecas?
Sorte, foi Você me explicar o sonho, ainda no meio da noite.


O Pedido.

O pedido.


Um casal elegante jantava num concorrido e luxuoso restaurante. O homem levantou sua taça e piscou ao maître, era o sinal combinado. O maître abriu a porta que separava a cozinha da sala e entrou de pronto um violinista tocando umas notas de Gloomy Sunday. Atrás dele vinha uma banda de mariachis que acompanhavam um homem que cantava True Love com a voz de um menino de coral, mas me parece que tardaram muito em castrá-lo. Em seguida vieram três moças vestidas com maiôs de ciclistas, junto a elas um anão num monociclo se contorcia enquanto ia para frente e para trás Um homem gordo de fraque com lantejoulas multicoloridas mantinha oito pratos de louça girando na extremidade de varas flexíveis. Uma bailarina negra fazia malabares com tochas acesas. Quatro saltimbancos atuaram no trampolim e balancim. Três moças asiáticas vestidas com saias rodadas ocultavam e desvelavam seus corpos entre uma onda de bandeirinhas de cores ondulantes. Por fim, um garção se aproximou com um carrinho de sobremesas, e sobre ele um equilibrista do Himalaia, meio semsal.
O silêncio espectante enchia o local quando o homem se levantou de sua cadeira, se ajoelhou e abriu uma caixa com um enorme brilhante diante dos olhos dela, e lhe perguntou:
_ Quer se casar comigo?
Com sorriso laqueado ela se pôs de pé e disse:
_ Não!
Deu meia volta e se dirigiu para a porta oferecendo a visão do decote infinito do vestido em suas costas, onde se viam as marquinhas brancas do biquíni. Um ar pesado parecia percorrer as mesas. Todos os comensais de sentiram, repentinamente, participes e confusos, e dissimulavam seu espanto se ocupando de seus pratos, e o ruído dos talheres sobre a porcelana rompeu o incomodo silêncio. Os artistas se foram, lentamente. O homem fez novo sinal ao maître:
_ Traga-me a conta, por favor. Hoje não comerei sobremesa.